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6 Organização e tratamentos dos dados

6.1 Políticas públicas e indicadores municipais

6.1.5 As condições de habitação

Além de se diferenciarem pela quantidade de habitantes que possuem e por sua condição rural ou urbana, os municípios têm características próprias conforme suas condições de habitação.

É preciso analisar, porém, até que ponto é possível e útil introduzir um critério de classificação dos municípios conforme suas condições de habitação. Deve-se analisar se há dados disponíveis (modicidade), se eles indicam diferenciações significativas, se tais diferenças são específicas ou se aproximam-se de outras divisões classificatórias já realizadas.

O IBGE, em seus censos populacionais e Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) oferecer dados suficientes sobre as condições de habitação. Existem dados detalhados da proporção de domicílios permanentes e não permanentes. Portanto, atende-se ao critério de modicidade.

A distinção dos tipos de domicílio informa um pouco da maneira como as pessoas vivem: se estão instaladas em habitações minimamente adequadas e seguras ou sob condições precárias. Portanto, cumpre-se o critério de relevância.

No entanto, a análise de dados nos apresenta um quadro em que existe uma coincidência entre a alta incidência de domicílios não-permanentes e a característica pronunciadamente urbana do município. Ou seja, o domicílio precário é uma característica pronunciadamente urbana. Isto não significa dizer que exista uma relação causa-efeito entre o grau de urbanização e a ocorrência de favelas, mocambos e palafitas, por exemplo.

Uma ocorrência significativa de domicílios não permanentes é, por razões óbvias, a de balneários e vilas de pescadores. Nesses casos, as características de municípios litorâneos, eminentemente voltados à pesca ou à exploração do turismo, torna os domicílios permanentes menos adequados que os improvisados. Ali, a mediana das proporções de domicílios não permanentes chega a ser de 70%. Todavia, não são eles que respondem pelo maior volume dos 9,38 milhões de domicílios improvisados existentes no País.

Há uma correlação linear de 0,97 (muito alta) entre a grandeza demográfica dos municípios e sua participação na produção de domicílios não permanentes no País. Essa participação é natural, na medida em que cidades com mais de 1 milhão de habitantes certamente pesarão mais do que aquelas com cinco ou dez mil, em termos absolutos. Todavia, em termos relativos, ocorre que as cidades até 20 mil habitantes têm proporcionalmente mais residências precárias do que as grandes cidades. A mediana dos primeiros 25% de municípios (até Manoel Emídio, com 5,151 habitantes) é de 16% de domicílios precários. Desta posição até Brejo de Areia (10,418 habitantes), chega-se a 18,34%. O terceiro quarto dos 25% dos municípios, até Sacramento (21,334 habitantes), tem um valor bem próximo, da ordem de 18,89%. Este valor, no entanto, decresce quando se analisa os 20 maiores

municípios do País. Neste caso, a mediana retorna a 14,48%. Ao contrário do que se poderia imaginar, quanto mais as cidades vão crescendo, menos chance os moradores terão de construir habitações precárias.

Há razões sócio-econômicas que afetam os padrões construtivos e tornam os domicílios construídos em alvenaria mais adequados e mais vantajosos para as grandes cidades. Influem aqui as razões de segurança e o barateamento do custo desses materiais. Devemos também considerar que, principalmente a partir dos anos 80 e 90, os movimentos de moradia tiveram um crescimento importante e adotaram estratégias, como as das cooperativas e dos mutirões, que contribuíram para a melhoria dos padrões construtivos nas áreas mais pobres.

É possível supormos que a existência de domicílios precários tem uma relação com o padrão construtivo aprendido pelas populações vindas de municípios rurais, que têm como primeira opção, a mais imediata, a reprodução de moradias deste perfil. A análise de dados nos permite dizer que o fenômeno da favelização não é um fenômeno urbano. A favelização é um processo de adaptação que a população de origem ou tradições rurais estabelece em seu contato com o ambiente urbano e que tende a ser refreado e substituído, na medida em que essa população se fixa e adquire experiências de convívio urbano.

A permanência ou o alastramento das favelas ocorre seja pelo aumento da migração ou pela condição precária da posse dos terrenos. Estes dois fatores aumentam a incidência de favelas ou prolongam o tempo de duração das habitações não permanentes, na medida em que os moradores, em condição de posse do terreno e sob o risco de remoção, ou não têm interesse em investir na substituição de suas moradias ou mesmo são impedidos de fazê-lo.

Há um problema específico das capitais. Na verdade, um problema de escala. Se, proporcionalmente, há menos domicílios não permanentes, há um grande volume e concentração destes domicílios. Dos 20 municípios que mais “produzem” domicílios não-permanentes no Brasil, 70% (14) são capitais. Outras, como Natal e Aracaju, estão bem próximas deste grupo.

Os municípios com a condição institucional de capital de Estado têm características que reforçam, para a análise de dados, uma opção quase obrigatória de qualificá-los como um time à parte. Seja nas regiões e Estados mais pobres ou mais ricos, as capitais têm funções institucionais que carregam para junto de si uma série de equipamentos públicos e vantagens que se revertem numa melhor infra- estrutura de suas cidades. As funções de representação e o exercício das atividades estatais criam condições para que tais cidades sejam dotadas de maiores recursos públicos. Isso atrai mão-de-obra e investimentos. Ao mesmo tempo, a cidade, ao se expandir, implanta uma série de equipamentos públicos de saúde, educação e lazer ausentes ou precários em outras cidades.

Esses fatores tornam a capital um centro de atração para as pessoas que buscam resolver seus problemas, sejam eles de oportunidade de emprego, tratamento médico, educação e outros. Como o potencial de resolução de problemas pelo poder público é precário e os recursos, mesmo que relativamente mais abundantes que em outras cidades, continuam sendo escassos, ocorrem fenômenos que significam, de um lado, a formação de um contingente que almeja “entrar” na cidade, mas ainda não sabe como. Tal expectativa encontrará soluções à maneira do improviso ou do risco.

As condições de habitação, portanto, ao invés de suscitarem mais uma divisão, reforçam a distinção já feita entre o rural e o urbano e acrescentam características muito particulares aos municípios de capitais, justificando, também, sua agregação em um grupo específico.