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Teoria e prática do desempenho institucional

4 Delimitação do tema: até onde vai o desempenho institucional?

4.2 Teoria e prática do desempenho institucional

A importância de um conceito depende de sua consistência teórica e de seu sucesso prático.

Em termos teóricos, o conceito de desempenho institucional é parte do debate sobre o papel das instituições. Neste debate, as teorias do chamado “neo- institucionalismo” conquistaram grande espaço na Ciência Política nas últimas duas décadas29

29 Os textos considerados como certidões de nascimento do neo-institucionalismo são

WILLIAMSON, O. E. The Economic Institutions of Capitalism. New York: Free Press, 1985, NORTH, Douglass C. Institutions and Transaction Costs Theory of Exchange. In: ALT, James E. & Kenneth SHEPSLE (Eds.). Perspectives on Positive Political Economy. New York: Cambridge University Press, 1990, e OSTROM, Elinor. Governing the Commons: the evolution of institutions

Sem atacar frontalmente o pressuposto de que a política envolve a agregação de preferências de indivíduos racionais, caro à “Rational Choice”, o neo- institucionalismo enfatiza a dimensão da incerteza que cerca os fenômenos políticos30. No Estado Contemporâneo, as preferências não se dariam “no vácuo”,

mas num ambiente regulado por instituições.

North detalha que as instituições são tanto as formas de controle quanto o conjunto de restrições, formais ou informais, que moldam as interações humanas e, ao mesmo tempo, reduzem incertezas e provêem estruturas que facilitam essas mesmas interações31.

Na estrutura do Estado contemporâneo, a complexidade e a necessária especialização do trabalho burocrático são parte de um fenômeno mais amplo, historicamente desenhado, de separação entre o “social” e o “político”. O Estado assume funções das quais a sociedade está afastada e, comumente, se julga “incompetente” para com elas lidar. Problemas que afetam a todos são tidos como um assunto de especialistas e técnicos.

De qualquer sorte, mesmo os problemas que ocorrem rotineiramente precisam ter sua solução estruturada pela ação do Estado. Como dizem Shepsle e Bonchek, respostas a problemas que ocorrem regular e recorrentemente são

30 Pode-se dizer que não existe “uma escola” neo-institucionalista, mas diferentes

abordagens, com inúmeras teorias e uma infinidade de modelos de análise. Hall e Taylor (“As três versões do neo-institucionalismo”. Revista Lua Nova, 2003. Págs. 193-223.) chegam a falar em três neo-institucionalismos diferentes, cada qual com um método de análise próprio: o institucionalismo histórico (que agrega, entre outros, os adeptos da teoria de “path dependence”), o institucionalismo da escolha racional (que se utiliza, como o próprio nome diz, de alguns pressupostos comuns à “Rational Choice” e das ferramentas da teoria dos jogos), e o institucionalismo sociológico (com acentuado enfoque culturalista).

31 North, “Institutions and Transaction Costs Theory of Exchange”. In: ALT, James E. &

Kenneth SHEPSLE (Eds.). Perspectives on Positive Political Economy. New York: Cambridge University Press, 1990, pág. 182.

institucionalizados, inclusive pela necessidade de prover os atores políticos de procedimentos que são padronizados e que estimulam incentivos apropriados aos resultados esperados32.

Em termos práticos, é preciso que o conceito diga coisas compreensíveis e dê explicações válidas sobre aquilo que acontece e sobre a forma como acontece. Em nosso caso, queremos saber até que ponto o D.I. é aplicável às políticas dos governos municipais brasileiros e diz alguma coisa sobre o julgamento que as pessoas fazem desses governos.

Desempenho (em inglês, “performance”) é uma palavra ambivalente. Significa, ao mesmo tempo, a maneira como uma ação é executada e o resultado desta execução. Pode tanto significar “performance” quanto representação de um papel33.

Um governo pode desempenhar papéis sociais, políticos, econômicos, culturais. Isto diz respeito às suas competências e atribuições. E seu desempenho pode ser qualificado como bom/ruim; satisfatório/ insatisfatório; adequado/ inadequado; eficaz/ ineficaz, conforme os critérios que presidam a avaliação.

Portanto, um significado do desempenho nos indica uma feição, um tipo, uma qualidade – ou a falta dela. A segunda dimensão indica um rendimento e sugere uma escala (por exemplo, do menor para o maior; do pior para o melhor). Uma traz diferenças de espécie, enquanto a outra, variações de grau.

32 SHEPSLE, Kenneth, and BONCHEK, Mark S. Analysing politics: rationality, behavior,

and institutions. New York: Norton, 1997.

33 “Ato ou efeito de desempenhar(-se)”, “Execução de um trabalho, atividade, empreendimento, etc.,

que exige competência e/ou eficiência”, “Atuação, comportamento”, “interpretação”, “performance”. HOLLANDA, Aurélio Buarque. Novo Dicionário Aurélio. Rio de Janeiro: Ed. Nova fronteira, 2000.

Por sua vez, uma visão comparativa busca a análise a partir de parâmetros. Ao invés do analista julgar quem está certo e quem está errado, numa visão comparativa o importante é mapear e posicionar os indivíduos que serão analisados, percebendo as proximidades e distâncias que guardam entre si. As práticas são bem melhor entendidas na medida em que são contrastadas. Postas lado-a-lado, interessa identificar tanto o que é similar quanto o que é diferente. Ao invés de se buscar apenas padrões, regularidades, repetições, torna-se essencial perceber variações. Ao invés de serem encaradas como problemas, anomalias, disfunções, muitas destas variações podem representar diferenças. Certamente, o que é padrão não pode ser negligenciado, pelo próprio fato de que é a forma dominante. Não obstante, ele não pode ser coroado como um dado absoluto34.

O D.I. indica até que ponto alguns governos têm em mãos mais recursos

institucionais que outros e o quanto tais recursos se traduzem em poder,

principalmente poder de iniciativa e mecanismos de controle. Em princípio, governos que planejam, que manejam orçamentos, que têm planos diretores de suas políticas e que têm cadastros melhor organizados têm melhores chances de sobrevivência política do que outros. Mas é preciso testar se os resultados alcançados demonstram que tais prerrogativas constituem vantagens políticas.

Governos que têm boa parte de sua atividade institucionalizada, ao invés de serem mais fortes e mais republicanos do que outros, talvez sejam mais

conservadores que os demais. Talvez tenham maiores dificuldades para promover

mudanças e grandes amarras para agir.

34 O uso da análise exploratória de dados (EDA) foi útil à tentativa de posicionar os indivíduos

Por isso, o D.I. não revela necessariamente quais governos são melhores e quais são piores. Pode evidenciar, mais exatamente, governos com maior capacidade para implementar suas políticas e, quem sabe, de colher melhores resultados eleitorais. Pode dizer algo sobre a qualidade dos governos, mas, antes, ajuda a compreender seu tamanho e sua força.

É um conceito que diz respeito a um potencial, pois fala o que um governo é capaz de fazer. Além disso, é um conceito que trata das funções que um governo pode desempenhar – e é assim que a palavra “desempenho” ganha sentido.

Isoladamente, essas são questões vazias. Só há sentido em perguntarmos o que um governo faz em termos históricos e sistêmicos. Historicamente, as atribuições dos governos, suas estratégias e suas políticas desenvolveram-se como resultado de lutas políticas35. Em geral, isso é o “resumo da ópera” de como a

política determinou as políticas. Todavia, a história das políticas públicas é uma

história de marchas e contra-marchas, de avanços e recuos, concessões e supressões de direitos, regulamentações e desregulamentações que estimulam ou freiam as iniciativas dos governos. As diferenças entre os governos são dadas pelas políticas públicas que desenvolvem, mas os governos nem sempre podem fazer tudo

35 Sobre Estado, capitalismo e democracia, são essenciais as considerações do texto seminal de

THERBORN, Göran. The rule of capital and the ride of democracy. New Left Review, n. 103, May- June 1977. A afirmação dos direitos de cidadania tem um texto clássico do pensamento social- democrata em Marshall, T. H., 1949. Cidadania e Classe Social. Brasília: FPR, 1988. Uma abordagem mais realista e histórica está em TILLY, Charles. Where do rights come from. In:

SKOCPOL, Theda (Ed.). Democracy, Revolution, and History. New York: Cornell University Press, 1998. A corrente da chamada macrossociologia histórica organiza este debate em SKOCPOL, Theda and RUESCHEMEYER, Dietrich. States, Social Knowledge, and the Origins of Modern Social

Policies. Princeton: Princeton University Press, 1996; e SKOCPOL, Theda, EVANS , Peter B., and

RUESCHEMEYER, Dietrich (orgs), 1985. Bringing the State Back In. Cambridge: Cambridge University

Press. Alford e Friedland sumarizam bem o debate: ALFORD, Robert & FRIEDLAND, Roger. Powers of

que imaginam. Nem tudo é possível e, além disso, dentro do possível, é preciso fazer escolhas.

Falar em desempenho institucional pode servir para esclarecer melhor o que fazem os governos e como eles trabalham para manter as coisas funcionando, resolver problemas e distribuir benefícios. Afinal, em política, é disto que se trata.