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Sistemas políticos democráticos, com eleições regulares, envolvem políticos, seus partidos e a disputa pelo voto do eleitor.

A maioria das pessoas normalmente acompanha a política com telescópio, e não com microscópio. Diferentemente dos analistas e cientistas políticos, que se desdobram sobre os detalhes e o microcosmo da política, a maioria tem apenas uma visão panorâmica, por mais gigantescos que sejam os corpos que orbitam um sistema político.

A idéia de que os partidos podem ser relevantes na orientação do voto esteve em voga na Ciência Política desde o final dos anos 50 e início dos anos 60. Pode-se citar os estudos de Anthony Downs, de 195739; de Campbell, de 196040; e o de

Phillip Converse, 196441.

Mesmo competindo com os estudos que associavam as opções de voto a fatores sócio-econômicos, principalmente às diferenças entre grupos e categorias sociais, consagrada por Lipset e Rokkan42, os estudos refletiam a forte clivagem

existente entre democratas versus republicanos, nos Estados Unidos, consolidada durante o período Roosevelt. Estudos posteriores, tanto nos EUA quanto na Europa,

39 DOWNS, Anthony. An Economic Theory of Democracy. New York, Harper & Row Publishers,

1957.

40 CAMPBELL, Angus et alii. The American Voter. New York, Wiley, 1960.

41 CONVERSE, Phillip. The Nature of Belief Systems in Mass Publics. In: D. Apter (ed.). Ideology and

Discontent. New York, Free Press, 1964.

apontariam uma tendência de declínio no peso da identificação do voto segundo critérios partidários43.

No Brasil, uma clivagem de tipo bipartidário esteve presente apenas durante o período militar. As análises feitas das pesquisas de opinião da época se inclinavam a conferir pouca importância entre a decisão do voto e a opção partidária. Mesmo o voto no MDB, em 1974, de grande repercussão na política brasileira daquele período, foi considerada mais como voto de protesto do que como opção de cunho partidário44.

Por muito tempo, a literatura em Ciência Política no Brasil permaneceu reticente em admitir que os brasileiros se estivessem acostumando a racionalizar sobre a política de modo mais acurado, mesmo sem contar com uma grande quantidade de informações e sem uma gama de detalhes da atuação dos partidos e suas lideranças.

A visão atribuída ao cidadão mediano no Brasil era tida como precária, prova de sua "despolitização"45, “subdesenvolvimento” ou "pobreza política"46. Soares, em

43 Um panorama completo desses estudos pode ser visto em FIGUEIREDO, Marcus. A Decisão do

Voto. São Paulo. IDESP/Sumaré, 1991. CASTRO, Mônica M. M. de. Determinantes do Comportamento Eleitoral. A Centralidade da Sofisticação Política. Rio de Janeiro: IUPERJ, 1994.

Tese de Doutorado.

44LAMOUNIER e CARDOSO, 1975, op. cit.

45 SOARES, G. A. op. cit., 1973. Soares reformulou parcialmente sua abordagem do desenvolvimento

político, mas ainda relacionando a racionalidade do voto a fatores sócio-econômicos e culturais (SOARES, G. A. Em Busca da Racionalidade Perdida: alguns determinantes do voto no Distrito Federal. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v.15, n.43, São Paulo, jun. 2000). Um panorama das escolas e fatores que influem no voto estão em CARREIRÃO, Yan de Souza e KINZO, Maria d'Alva Gil. Os partidos políticos e a decisão de voto no Brasil. Niterói: 2002. Trabalho apresentado na reunião da Associação Brasileira de Ciência Política.

46 DEMO, Pedro. Pobreza Política. 7a ed. Campinas: Autores Associados, 1988. Demo acrescenta

seu estudo clássico, qualificava certas áreas do país como dominadas por uma “cultura tradicional, atrasada”47. Kinzo qualificava o Sudeste como a região mais “dinâmica” do país, sob vários pontos de vista, inclusive o cultural e político48, o que significa o mesmo que considerar as demais como atrasadas. Mainwaring também atribui a “Estados pobres” serem “mais permeáveis a estilos clientelistas e patrimonialistas de políticas do que os mais ricos”, onde as pessoas seriam mais informadas e mais orientadas a observar os partidos49. Mainwaring, 2001: 321).

Apenas mais recentemente a Ciência Política brasileira passou a coletar evidências e incorporar maior peso às condicionantes ideológicas e partidárias. Neste sentido, os trabalhos de Meneghello50 e Singer51 são seminais. Mais

recentemente, mas de maneira ainda um tanto cuidadosa, David Samuels afirmou que a identificação partidária no Brasil tem se acentuado e se tornado maior do que o de vários países europeus com democracias consolidadas52.

organismos das Nações Unidas, como o PNUD (programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento). Veja-se em PNUD. Human Development Report. New York: ONU, 1997.

47 SOARES, G. A. 1973, op. cit., pág. 25.

48 KINZO, Maria D’Alva Gil. 1997. Governabilidade, Estrutura Institucional e Processo Decisório no

Brasil. Parcerias Estratégicas, Vol. I, pág. 24

49 MAINWARING, Scott P. 2001. Sistemas Partidários em Novas Democracias: o caso do Brasil.

Porto Alegre: Mercado Aberto. Rio de Janeiro: FGV. As citações de Soares, Kinzo e Mainwaring estão colecionadas e criticadas no trabalho de SOARES, Márcia Miranda e LOURENÇO, Luiz Claudio. A

Representação Política dos Estados na Federação Brasileira: algumas notas críticas. Niterói:

UFF, 28-31 julho 2002. Paper preparado para o 3º Encontro do ABCP.

50 MENEGHELLO, Rachel. Partidos e Governos no Brasil Contemporâneo: 1985-1997. São Paulo:

Paz e Terra, 1998.

51 SINGER, André. Esquerda e direita no eleitorado brasileiro: a identificação ideológica nas

disputas presidenciais de 1989 e 1994. São Paulo: Edusp, 2000.

52 SAMUELS, David. The Initial Emergence of Mass Partisanship: evidence from Brazil. Paper do

Sabe-se, porém, que as informações de "baixa resolução" que as pessoas têm sobre a atividade política não as impedem de fazer julgamentos precisos. Douglas Arnold lembra que, para julgar o desempenho de um partido, o cidadão precisa saber apenas duas coisas:

"1) se as condições da sociedade estão melhorando ou se deteriorando e 2) que partidos controlam o governo"53.

A primeira pergunta pode ser respondida diretamente pelos cidadãos. Eles sabem o preço dos alimentos, dos aluguéis, do transporte; conhecem a qualidade dos serviços públicos e sabem da sua própria situação e a de seus familiares e amigos. O único requisito é que elas, como no poema de Bretch, associem a situação que vivem à política.

A segunda informação é um pouco mais complexa. Mesmo assim, as pessoas sabem identificar bem quem é governo e quem é oposição; quem defende o que está sendo feito e quem critica. Diante dessas duas informações básicas, faz seu julgamento: avalia quem tem razão, desconta os exageros e pune governos que, a seu ver, não estejam cumprindo razoavelmente o seu papel.

O trabalho a ser feito é o de testar variáveis que possam indicar até que ponto os partidos podem ser importantes nas chances de reeleição. Se possível, mais ainda, é oferecer pistas de como os partidos se tornam importantes e ajudam esses políticos a se reelegerem.