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CAPÍTULO 4 O DIZER SOBRE CRIANÇA, INFÂNCIA E EDUCAÇÃO INFANTIL:

4.1 As condições de realização das entrevistas

Após o contato com a instituição para situar como a pesquisa seria desenvolvida, bem como depois de conhecermos as professoras e selecionarmos as doze que participariam da entrevista, agendamos previamente com cada uma delas o melhor momento para que a entrevista pudesse ser realizada.

Esse agendamento aconteceu de modo individual e no horário sugerido em comum acordo entre a equipe gestora e a professora. Assim, nossas entrevistas não aconteceram em situações padronizadas, cada instituição organizou um tempo para que a entrevista ocorresse, adequando às atividades de sua rotina.

Como nosso roteiro de entrevista estava estruturado em blocos de questões, o que demandava certo tempo para contemplarmos todas, algumas entrevistas precisaram ser realizadas em dois momentos, dependendo da disponibilidade da professora e da instituição como um todo, para que isso pudesse acontecer.

Porém, houve situações em que mesmo sendo previamente agendadas, as entrevistas aconteceram em diferentes lugares e em situações bem adversas. Dito de

outro modo, pelas próprias circunstâncias de dificuldade apresentadas por algumas instituições, a entrevista teve de ser realizada ora em momentos em que as crianças estavam brincando, ora no momento do sono.

Vale salientar que essas adversidades não prejudicaram de modo algum o registro dos discursos das professoras; queremos apenas enfatizar a diversidade de condições concretas em que se deram as entrevistas, ou seja, o lugar de onde as professoras falaram.

O “lugar” na discussão aqui apresentada não se refere a que conceitos/discursividades estão ancorados os enunciados de nossos sujeitos, o lugar que pretendemos registrar aqui diz respeito ao espaço físico, ao contexto local em que foi possível realizar algumas entrevistas.

Por outro lado, vivenciamos momentos em que foi organizado um lugar específico, mais adequado e tranquilo, para a realização da entrevista. Nesse caso, o diálogo estabelecido se desenvolveu com mais fluência.

Cabe destacar também que a receptividade e o envolvimento das professoras no momento das entrevistas foi algo muito rico. Não nos referimos apenas ao próprio discurso de cada uma delas, mas, sobretudo pela possibilidade de ressignificar nossas vivências, compartilharmos saberes e experiências com base na confiança construída ao longo de todo o desenvolvimento da pesquisa.

Sendo assim, concordamos com Pereira (2012, p. 44) ao dizer que “o vivido se ressignifica à medida que é narrado, uma vez que o narrar não apenas apresenta ao outro uma história vivida, mas reapresenta a quem a viveu sua própria experiência”.

Permanecemos no campo de pesquisa entre os meses de maio e novembro de 2012. Nossa permanência contemplou os procedimentos de entrada no campo, aplicação do questionário e realização das entrevistas.

Nosso roteiro19 de entrevista era composto por um conjunto de questões que estavam estruturadas em três blocos. No primeiro bloco elegemos questões que buscavam apreender como a professora organizava sua prática junto às crianças, salientando os aspectos que elas consideravam mais importantes para a vida das crianças dentro dessa rotina.

O segundo bloco intencionava evidenciar como as professoras concebiam a Educação Infantil, destacando elementos que caracterizam esse nível de ensino com

relação à formação e, também, quais são os conhecimentos específicos para atuar com essa faixa etária.

O último bloco do nosso roteiro de entrevista abarcava questões cujo objetivo era entender como as professoras concebiam o sujeito criança e que relações podiam estabelecer entre a criança e a infância, ressaltando nesse sentido o modo como elas percebiam essas relações no dia a dia com as crianças no CMEI.

A primeira vista pode parecer que nosso roteiro se mostrou demasiadamente extenso, mas, nossa tentativa ao elencar essas questões foi de melhor cercar nossa problemática, e, assim, ter a possibilidade de ampliar aspectos que fazem parte das práticas das professoras, o que para nós constituem os enunciados em que estão presentes as discursividades em torno da criança, da infância e da Educação Infantil.

Vale dizer ainda, no que tange à estrutura de nossa entrevista, que optamos por esse caminho de circundar nosso objeto, pois acreditamos que utilizar inicialmente questões diretas não seria pertinente, ou dito de outro modo, ia de encontro com a perspectiva teórico-metodológica que mobilizamos nessa investigação. Além disso, tal estratégia esvaziaria a intenção de apreender os discursos nas suas complexidades.

As entrevistas realizadas totalizaram quase 12 horas de gravação e todas foram transcritas, algumas logo após sua realização. A partir das transcrições, fizemos a leitura das entrevistas e a organização dos dados em grelhas de análise, contemplando os discursos de todas as professoras entrevistadas.

Essa organização nos permitiu descrever os enunciados e perceber as aproximações e distanciamentos entre os discursos. Com isso, estabelecemos as “redes discursivas” 20, que são compostas por enunciados que, de certa maneira, evidenciam as concepções de nossos sujeitos da enunciação.

As “redes” foram estabelecidas não só a titulo de organização dos discursos que se apresentam de modo disperso e heterogêneo, mas, sobretudo, foram estabelecidas segundo os critérios de: regularidade; rupturas e continuidades, e caráter normatizador.

Sendo assim, a partir do critério da “regularidade” pudemos identificar os enunciados que se repetem, que se apresentam de modo regular, além de estabelecermos as ideias que se aproximam e se distanciam nos discursos.

20Intitulamos a massa dos discursos de “redes discursivas” pela possibilidade de entrelaçamento entre os enunciados que compõem a mesma rede, ou ainda de redes diferentes.

Já o critério das “rupturas e continuidades” nos possibilitou apreender em quais formações discursivas mais amplas os enunciados das professoras se ancoram, se apresentando como cortes ou continuações dessas discursividades.

Pelo critério da “normatização dos discursos” estruturamos os enunciados que de certa maneira refletem (ou se afastam das) as orientações/definições previstas em dispositivos legais elaborados para a regulamentação da Educação Infantil.

Explicitados os critérios que nos ajudaram a estabelecer nossas redes discursivas, apresentaremos as três redes e os elementos que as constituem enquanto parte de nossa unidade de registro, ou seja, os discursos das professoras.

A rede discursiva nomeada de “As rotinas na Educação infantil – o lugar da criança e da infância nesse contexto” se refere às concepções ligadas às práticas das professoras, ao seu fazer no espaço da Educação Infantil. Nesse caso, o discurso evidencia como a rotina é organizada e qual o lugar da criança no contexto apresentado.

Os enunciados que compõem essa rede são descritos por: “O tempo cronológico na Educação Infantil: da ênfase no cuidar à ênfase no aprender” e “A criança no CMEI: entre o "papel" de criança e o "papel" de aluno”.

A outra rede discursiva - “As dimensões da Educação Infantil na ótica das professoras” - traz a importância que o professor atribui às vivências na Educação Infantil para a vida das crianças. O discurso que se destaca nessa rede diz respeito aos elementos que caracterizam uma instituição de Educação Infantil, e as discussões que permeiam esse nível de ensino no que tange à formação, além do pressuposto de que as ações na Educação Infantil precisam ser pautadas pelo cuidar e educar de modo conjunto.

Constituindo essa rede nós temos como enunciados: “Educação Infantil: entre a relação com o ensino fundamental e a tensão "cuidar e educar" e “O professor de Educação Infantil: da formação na experiência à experiência na formação”.

A última rede discursiva - “Noções de criança e infância construídas na experiência” - contempla as questões que as professoras destacaram como sendo características de criança e de infância, bem como salienta as relações que elas estabelecem entre as noções de criança e de infância que construíram na experiência e as práticas que organizam no CMEI.

Portanto, os enunciados que definem essa rede são: “Criança e infância: da invisibilidade à noções mais afirmativas” e “A experiência da infância: entre a ideia de criança universal e o reconhecimento da diversidade de crianças e infâncias”.

Organizamos a estrutura das redes discursivas no quadro que segue.

QUADRO Nº 6 - ESTRUTURA DAS REDES DISCURSIVAS

Rede Discursiva: As rotinas na Educação Infantil – o lugar da criança e da infância nesse contexto O tempo cronológico na Educação Infantil: da ênfase

no cuidar à ênfase no aprender

A criança no CMEI: entre o "papel" de criança e o "papel"

de aluno Rede discursiva: As dimensões da Educação Infantil na ótica das professoras

Educação Infantil: entre a relação com o ensino fundamental e a

tensão “cuidar e educar”

O professor de Educação Infantil: da formação na experiência à experiência na formação Rede discursiva: Noções de criança e de infância construídas na experiência Criança e infância: da invisibilidade a noções mais

afirmativas

A experiência da infância: entre a ideia de criança universal e o reconhecimento da diversidade

Reiteramos, após trazermos os enunciados que compõem a presente análise, que nossa intenção a partir deles não é buscar explicações de causa e efeito (a professora trouxe esse discurso, logo tem essa concepção).

Trata-se tal como afirma Fischer (2012, p. 80) do

(...) esforço de interrogar a linguagem – o que efetivamente foi dito – sem a intencionalidade de procurar referentes ou fazer interpretações reveladoras de verdades e sentidos reprimidos (...) é simplesmente determinar a existência daquele enunciado singular e limitado.

Explicitaremos com maior profundidade o trabalho realizado com os discursos, a descrição dos enunciados e as problematizações desenvolvidas a partir disso nos itens que seguem.

4.2 Rede Discursiva: As rotinas na Educação Infantil – o lugar da criança e da