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2.1 A escola para as juventudes: quais os desafios e as possibilidades da

2.1.1 As condições de educabilidade dos alunos das camadas populares que

A história da educação brasileira mostra que a escola pública teve seu formato voltado para as classes dominantes, distante dos ideais de integração e igualdade social da população. Sem a tutela do Estado, as classes populares ficaram atendidas com ações assistencialistas de organizações religiosas, de forma também pouco abrangente. Na visão de Peregrino (2006, p.86),

[...] a escola republicana nasce com uma proposta específica: “letrar” e “certificar” os filhos das classes dirigentes. Aos demais trabalhadores pobres, ex-escravos, restavam as formas de incorporação às margens das institucionalidades geridas e organizadas pelo Estado. A gestão dos pobres se dava através da Igreja, pela “assistência às carências” e pelo “temor a Deus”. Fora desta, a polícia “recuperava” os descrentes.

Aos poucos, a escola pública começa a abrir suas portas para as classes populares, a exemplo da época do início da industrialização do país, em que houve um pequeno processo de expansão da educação, notadamente, no ensino

fundamental, movido pela necessidade de mão-de-obra que atendesse aos imperativos do mercado.

Nota-se, ao longo dos anos, que essa abertura da escola pública brasileira para as camadas populares tem sido sempre objeto de políticas educacionais voltadas para o interesse mercadológico e menos sociológico, que reproduzem o contexto político, histórico e econômico da época. Assim, na visão de Peregrino (2006), a escola tem legitimado a produção e reprodução das relações de poder e do mercado, tornando- se um campo de disputas, muitas vezes imperceptível, nas ações dos sujeitos que a constituem.

A partir dos anos 1990, conforme dito nesse trabalho, diante das pressões e do financiamento dos organismos internacionais, como o Banco Mundial, UNESCO, dentre outros, inicia-se uma expansão do atendimento aos jovens das classes populares na educação pública brasileira. Contudo, a escola, que por muito tempo teve como função a promoção de ascensão social das elites, não estava preparada para receber esse novo sujeito. Inicia-se, então, um processo de remodelação nas suas ações a ponto de haver um sucateamento e desinstitucionalização de suas atividades típicas de acesso ao conhecimento. Diante dessa situação, as classes mais abastadas saíram dessa escola pública para formarem espaços de excelência, numa espécie de apartheid educacional. Conforme destaca Peregrino (2006, p. 60),

[...] nem todas as instituições de ensino experimentam o mesmo destino desqualificador: ao sucateamento progressivo das escolas que abrigam as classes populares, corresponde um correlato incremento de nichos de excelência que continuarão a formar as classes hegemônicas.

A autora ainda adverte que esse processo de escolarização das classes populares assegura o acesso, mas adia a saída, pois há um longo processo de “habitação” que fragiliza o processo de escolarização e promove o surgimento de novas formas de marginalização. Isso causou uma alteração no perfil institucional da escola, em que a dimensão “escolar” cedeu espaço para a assistência, causando uma “metamorfose”: de escola pública para “escola de pobres”. Para Peregrino (2006), essa dimensão assistencialista alcançou o auge no período de 1994 a 2002, no Governo Federal de Fernando Henrique Cardoso, seguindo a tendência educacional do final do regime militar.

A escola pública, portanto, por ser uma das organizações mais presentes à população, tem a vantagem de se tornar um espaço propício para as ações assistencialistas do Estado, tornando-se uma espécie de posto avançado. Esse movimento, segundo Peregrino (2006), gera uma ação contrária para o propósito de educar a população pobre: expande o acesso à escola ao passo que diminui a aprendizagem no seu interior com o esvaziamento e aligeiramento dos conteúdos escolares, reforçando, dessa maneira, a desigualdade social do seu entorno.

Na concepção de Nestor Lopes (2005), sociólogo argentino, as competências cognitivas dos alunos oriundos das classes populares nem sempre correspondem ao esperado pelas escolas, causando um distanciamento entre os hábitos culturais do seu local de origem e as habilidades e competências esperadas.

O papel da escola pública, esperado pela população, é a promoção de processos significativos de aprendizagem. Nesse sentido, Lopes (2005) traz para o debate a seguinte questão: é possível educar em qualquer contexto social? Qual o mínimo de equidade necessária para que as práticas educativas sejam exitosas junto aos alunos de condições sociais tão difíceis? Para o autor, existe uma lógica nessa relação: não é possível uma boa educação se não mudarem as condições sociais do contexto. Por outro lado, não é possível uma sociedade justa, com equidade, sem uma boa educação.

Para Lopes (2005), as sociedades estão cada vez mais heterogêneas e a distribuição de riquezas cada vez mais injusta, causando uma crescente desigualdade entre as pessoas, passando pelas suas origens, suas carreiras e pelos pertences culturais. A oferta de uma educação igual para todos, nesse contexto, reproduz essas desigualdades e seu efeito é pouco significativo para um desenvolvimento social justo pela da educação. É preciso que os diferentes tenham tratamento diferente, proporcionando, segundo Lopes (2005), uma desigualdade legítima e tolerada que tenha como base o princípio da equidade para se alcançar os objetivos de igualdade.

É preciso, portanto, nesse cenário, assegurar aos alunos das classes populares as condições de educabilidade a fim de possibilitar sua aprendizagem na escola. Na visão de Nestor Lopes (2006), isso implica em assegurar um conjunto de condições materiais, imateriais e sociais ao processo educativo que possibilitam às crianças e adolescentes ingressarem na escola e obterem bons resultados nos seus estudos,

baseados em um horizonte de igualdade cuja meta vise ao êxito dos alunos na educação, independentemente de suas condições sociais.

No campo educacional, os horizontes de igualdades se assentam, pelo menos, em quatro princípios fundamentais, segundo Lopes (2006): igualdade de acesso, igualdade nas condições e nos meios de aprendizagem, igualdade de resultados e igualdade social na realização dessas conquistas, sendo o pressuposto fundamental das práticas educativas e ponto de partida das políticas educacionais e sociais. Nessa perspectiva, para se desenvolver e alcançar esses princípios é preciso reconhecer as diferenças dos sujeitos, na sua cultura, na sua classe social e nas suas condições de aprendizagem.

Lopes (2006) adverte para o comprometimento das condições de educabilidade pela própria escola e pela sociedade em geral. Traz como exemplo, no caso da escola, as medidas e ações que são inviáveis de serem atendidas pelos alunos, como uniforme obrigatório, comportamentos que os alunos culturalmente não têm e até mesmo a falta de expectativa de aprendizagem por condições de raça, condições sociais e econômicas. Essa falta de “adequação” ao ambiente escolar dos estudantes dos contextos aqui relatados, promove sua expulsão do direito à educação, manifestado pelo abandono escolar e pela reprovação.

No contexto social, atentam contra a educabilidade, a ausência de políticas públicas de inclusão social pelo trabalho, as políticas econômicas que aprofundam as desigualdades sociais e a falta de disponibilidade de recursos necessários para a promoção da educação adequada.

A escola, diante dos múltiplos desafios de efetivar uma educação de qualidade, precisa, segundo Lopes (2006) desenvolver estratégias adequadas com práticas pedagógicas diversificadas, em uma relação harmoniosa das condições sociais e educacionais dos alunos com as condições da proposta pedagógica. A maneira que muitos processos acontecem na escola, não por sua única responsabilidade, mas também induzidos muitas vezes pelos próprios sistemas de ensino, não favorece aos jovens da classe pobre as condições de educabilidade, propostas nessa discussão. De longe, a escola pública, de maneira geral, está habituada a promover a educação escolar, planejada sem interação com as condições dos sujeitos a quem se destina.

Na visão do pesquisador em educação para as camadas pobres da população, Marcelo Burgos (2012, p. 1015),

[...] o principal desafio colocado para a escola pública brasileira é o de redefinir os termos da sua relação com o meio popular, de onde vem a maior parte de seu público: do padrão assimétrico e frequentemente paternalista que tradicionalmente a caracteriza, ela está obrigada a construir um padrão igualitário e equitativo. Ou seja, um padrão capaz de interpelar tanto a desigualdade social que caracteriza a estrutura social brasileira, quanto a diversidade presente no próprio meio popular.

Essa nova realidade que a escola pública precisa enfrentar e a reinvenção de suas práticas não são apenas mudanças que irão atender a um novo público, mas é a realização de sua própria missão. Na visão de Burgos (2006), a missão da escola no projeto constitucional brasileiro é “... de ensinar e educar para a vida em sociedade; de contribuir para a formação cidadã; e de proporcionar o ingresso em um mercado de trabalho cada vez mais exigente e competitivo.” A escola hoje, segundo o autor, é a principal referência institucional da sociedade para a formação de cidadãos autônomos e livres para uma sociedade mais fraterna.

A referência da escola como espaço privilegiado da promoção do acesso ao conhecimento produzido pela humanidade, ao longo dos anos, é muito forte junto à sociedade, mesmo pelas camadas da população que não tiveram acesso a elas, mas que a desejam para seus filhos. Esse “otimismo pedagógico” segundo Burgos (2006), por parte da população, deposita na escola a responsabilidade pela educação voltada para o mundo do trabalho e a formação para a cidadania, na expectativa de que o “efeito escola” impacte nas condições sociais e econômicas, protagonizando um importante papel na vida popular.

A escola, contudo, ainda parece indiferente a tudo isso. O novo aluno, notadamente, os jovens das classes populares, oriundos de situações de adversidades sociais, quer ser reconhecido como sujeito de direitos, na sua individualidade e nos seus costumes, e não aceita mais um modelo tradicional de escolarização baseado na reprodução das desigualdades. Ao contrário, as famílias das classes populares esperam da escola, segundo Burgos (2006), um papel além do “ler e escrever”. Acreditam na inserção social dos seus filhos na diversidade urbana e nos níveis mais altos da educação, promovendo um “capital social” para os oriundos dos extratos sociais mais pobres.

Assim, a escola pública tem à sua frente grandes desafios para dar conta do papel que lhe cabe para promover a ascensão das classes populares ao conhecimento científico e cultural básico da educação nacional.

Nesse sentido, a proposta do Projeto Professor Diretor de Turma busca atender a uma postura nova da escola de romper com a massificação que tem se tornado uma prática nos processos educativos no seu interior, especificamente, na sala de aula, diante do público das classes populares que são atendidos de forma igual, sem levar em conta sua individualidade e sua realidade econômica, social e cultural. O PPDT, como descrito no Capítulo 1, propõe a concepção de uma escola que conhece e compreende o aluno, diante do seu meio social, tendo como ponto de partida da ação pedagógica as diferentes necessidades desse sujeito, com foco na equidade, visando à igualdade de aprendizagem e de condições de permanência na escola.

Na próxima subseção, apresenta-se uma discussão sobre as diferenças culturais que os jovens trazem para o mesmo espaço, desafiando a escola a compreendê-los diante da sua tradicional forma de ensino e convivência.

2.1.2 O multiculturalismo juvenil e os desafios da escola para a promoção da