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As condições materiais e sociais como factor de diferenciação de papéis

Parte IV – (des)Ocultando actores tempos e espaços de intervenção – da

2. O percurso histórico das instituições como influência identitária

2.1. As condições materiais e sociais como factor de diferenciação de papéis

A criação da componente de apoio à família surgiu de políticas sociais criadas para res- ponder à necessidade das famílias, sob proposta da OCDE, devido ao aumento da necessidade de mão-de-obra feminina nos estados membros.

As medidas que foram sendo implantadas passaram no entanto a reclamar que o aten- dimento prestado às crianças pelas instituições privadas e públicas garantisse condições de qualidade. Os serviços não deveriam atender só à necessidade social de libertar os pais para o trabalho, mas deveriam assegurar a vertente educativa, que olhasse a crian- ça como um ser único, cujo desenvolvimento e aprendizagens requer o planeamento de actividades significativas.

Foi neste contexto que o poder político publicou normas reguladoras e definiu o perfil profissional e tarefas a serem desempenhadas nas duas redes, pública e privada. As instituições públicas passaram, assim, a incluir um outro tempo denominado de compo- nente social enquanto o sector privado passou a contemplar a vertente educativa, asse- gurado por pessoal habilitado, até então inexistente em muitas instituições.

A profissão de auxiliar não é nova nem na rede privada nem na rede pública. No entanto foi na rede pública que se sentiu mais o efeito desta mudança, de orientação política. O alargamento da rede pré-escolar, na rede pública, passou a exigir que o atendimento passasse a ir para além das 5h lectivas, envolvendo os docentes no acompanhamento das crianças durante este período de funcionamento dos Jardins de Infância. A função das auxiliares, de controlo das entradas e saídas; de cooperação nas actividades; de limpeza, arrumação, conservação das instalações e do material didáctico ou da recepção e transmissão de mensagens foi alargada de acordo com o horário. Cabe-lhes agora também efectuar no exterior e interior tarefas indispensáveis ao bom funcionamento dos serviços neste novo horário de funcionamento, dos Jardins de Infância.

Nesta definição de funções fica omissa a função de acompanhamento das crianças em momentos de transição, em que o desenvolvimento e a manutenção de relações de con- fiança e o direito e condições de prazer nas actividades lúdicas requereriam conhecimen- tos específicos conforme defende Gabriela Portugal (1995)

Numa análise às funções que desempenham constatamos que a Carla e a Sofia, Auxilia- res da rede pública, desempenham todas as funções enunciadas nos Decretos-Lei nºs 57/80 e 515/99, que vão desde o apoio à «segurança; serviços de limpeza; portaria; apoio externo; serviços diversos»; «jardim e horta»; «telefone; serviço polivalente, qualifi- cado ou semi-qualificado; guarda» e «apoiar a organização e a gestão, bem como a acti- vidade sócio-educativa [[] incluindo os serviços especializados de apoio sócio- educativo».

Em contraponto a Fátima que trabalha na instituição da rede privada continua a definir o seu perfil profissional como fornecimento de cuidados básicos, de guarda e protecção das crianças, apesar de também dar apoio e participar na gestão da componente educa- tiva. O mesmo acontece com a Maria que trabalha numa IPSS coordenada e supervisio- nada por religiosas residentes e onde lhe cabem, sobretudo, as funções de limpeza e de apoio à sala das actividades. Embora lhe caiba também a preparação dos materiais o que implica uma dimensão pedagógica que ela mesma desvaloriza, na medida em que existe uma educadora presente durante todo o tempo de funcionamento do Jardim-de- infância.

Pensamos que outro dos factores que diferencia a auto percepção do papel profissional pelas auxiliares das duas redes é as condições físicas e materiais dadas a cada grupo durante a componente não lectiva.

Ao longo do dia a interacção das auxiliares da rede privada com as crianças ocorre nos mesmos espaços, onde os mesmos materiais estão ao dispor das crianças. Nem as crianças nem as auxiliares sentem qualquer perda de qualidade ou de recursos na transi- ção entre as duas componentes. As auxiliares podem manter a sua função de “ajuda” às crianças na ultrapassagem de obstáculos, independentemente da educadora estar ou não presente neste “outro” tempo de actividade. O modo de relacionamento com as crianças não requer o mesmo esforço adaptativo, ao contrário do que é esperado das auxiliares da rede pública.

As auxiliares da rede pública apontam como um dos constrangimentos ao desempenho do seu papel educativo o facto da componente lectiva e de apoio à família serem em espaços diferentes, exíguos e com poucos materiais. Dizem mesmo que na “sala da edu- cadora” a própria estrutura e organização do espaço, os cantinhos que lá existem, impõe limites e o respeito às crianças. Quanto ao tempo do prolongamento, tanto as crianças como elas, ficam saturadas no espaço destinado para o efeito, daí muitas vezes o ambiente ficar pesado e terem de recorrer aos castigos para controlo do grupo.

Pelo que contam e pelas condições que possuem dizem que só lhes resta impor as regras de uma forma coerciva de modo a serem respeitadas e a garantirem que “che- guem todos inteiros” no final do dia. Embora tentem, sempre que possível, propor deter- minados trabalhos às crianças a escassez de materiais e a limitação dos espaços não lhes permite ficar a trabalhar com um determinado grupo, como fazem na sala de activi- dades, obrigando, na maior parte das vezes, a limitarem-se a “vigiar” e a “tomar conta”. Reconhecem que neste outro tempo as crianças deveriam desenvolver relações de con- fiança e de prazer umas com as outras mas, pelas limitações de espaço e tempo não podem fazer muito mais.

De facto, ao contrário do sector privado, o sector público vê-se desprovido de materiais que potencie o desenvolvimento da autonomia das crianças existindo um relacionamento onde o papel do adulto determina a acção das crianças, não havendo lugar para as suas escolhas e decisões.

2.2. O lugar da experiencia pessoal e social na construção do papel profis-