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AS CONFERÊNCIAS DE DEFESA AFRICANA DE NAIROBI (1951) E DE DACAR (1954): EVITAR

CAPÍTULO I – DAS CONFERÊNCIAS DE DEFESA AFRICANA AO CONFLITO EM ANGOLA

2. AS CONFERÊNCIAS DE DEFESA AFRICANA DE NAIROBI (1951) E DE DACAR (1954): EVITAR

Em 1950, os governos Francês e Britânico traçaram um plano de cooperação técnica que se tinha iniciado durante a 2ª Guerra Mundial e que foi posteriormente alargado a Portugal, à Bélgica, à União da África do Sul e às Rodésias (Rodésia do Sul e Rodésia do Norte), que se denominava Comissão de Cooperação Técnica em África ao Sul do Sahara (CCTA). O objetivo principal da CCTA, para além de facilitar a cooperação em assuntos técnicos de relativa importância para o continente africano, era o de promover com regularidade o encontro entre as delegações dos países que tinham interesses vitais em África. De acordo com Adriano Moreira, a CCTA foi posta em funcionamento no momento em que a ONU pretendia “tratar África como um detalhe do problema geral dos territórios subdesenvolvidos” quando as potências europeias pareciam querer a “consagração da África como um logradouro comum da Europa”. Por conseguinte, a criação da CCTA foi uma afirmação de “nacionalismo, particularismo e regionalismo” que via a “Euráfrica” como a integração das metrópoles com os seus domínios ultramarinos144.

Todavia, na ideia dos seus fundadores, a CCTA era um organismo puramente técnico, que não conseguia levar a cabo os seus objetivos e atividades nem conseguia responder com a notoriedade necessária às agências e organismos da ONU, como era o caso da UNESCO. Segundo F. Nogueira, a França considerava que a UNESCO, “em face dos [seus] progressos”, iria criar “embaraços” à CCTA

144 Moreira, Adriano (1956), Estudos de Ciências Sociais e Políticas I: Política Ultramarina. [Lisboa]: Ministério do Ultramar (Centro de Estudos Políticos e Sociais), pp. 328-329.

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para que não se tornasse “um obstáculo às [suas] atividades em África”, tendo ficado conhecida nos corredores da ONU como o “clube dos colonialistas” 145.

De acordo com A. Moreira, a CCTA não pretendia discutir questões de ordem política por serem divergentes os princípios que regiam as políticas coloniais dos seus membros, ocupando-se de aspetos técnicos como as condições de trabalho, condições sociais, sanitárias, etc., na esperança que a ONU e as pressões anticolonialistas dos EUA fossem desanuviadas. Contudo, para se manter um instrumento relevante para os seus membros necessitava de passar do campo puramente técnico para o campo político146. Foi com a certeza de que a CCTA era um organismo incapaz de afirmar os interesses das potências coloniais europeias, que estas iniciaram contactos formais ao nível político para conceber uma ideia de cooperação que lhes permitisse manter o controlo dos seus territórios em África.

De facto, foi a convicção da necessidade de defender os interesses ocidentais em África que levou África do Sul e a Inglaterra a procurarem estreitar as relações entre as potências coloniais europeias para a cooperação no âmbito da defesa em África. A razão principal era a evidência de que a expansão soviética no Médio Oriente e em África poderia por em causa o acesso a minerais estratégicos e o controlo da rota do Cabo. Por essa razão, havia desde o início a intenção de incluir os EUA pelo peso da “luta anticomunista” na sua estratégia global. Assim, a valorização política de posições geográficas e interesses que se acomodassem ou contribuíssem para o reforço político de qualquer país perante os EUA era um importante contributo para a sua política externa147.

Foi com esta intenção que no início de 1950 o primeiro-ministro da África do Sul, Daniel François Malan, apresentou ao embaixador dos EUA em Pretória a disponibilidade sul-africana em garantir todo o apoio possível no caso de um conflito com a União Soviética, propondo-lhe que considerasse a inclusão da África do Sul no Pacto do Atlântico. O embaixador dos EUA, apesar de não rejeitar liminarmente essa proposta, respondeu que a OTAN “era apenas um pacto regional”, embora não houvesse que excluir a “possibilidade de arranjos em outras áreas geográficas”148. Com a resposta lacónica do embaixador e preocupado com a evolução da progressão da influência soviética no Médio

145 AHDMNE – PAA, Proc. 34.1, Maço 115: Apontamento de Franco Nogueira acerca de uma conversa telefónica com um funcionário da Embaixada de Portugal em Londres (24/2/1954).

146 Moreira (1956), Ob. Cit., p. 332.

147 Birkby, Carel (1978), “Cape Sea Route”, Africa Institute Bulletin, (16), p. 50. 148 FRUS, 1950, Vol. V: The Near East, South Asia and Africa, pp. 1815-1816.

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Oriente e no Norte de África, especialmente a partir do Egito, o Governo Sul-Africano iniciou de imediato diligências com os países europeus com interesses em África, que redundariam na realização da conferência de Nairobi, conseguindo reunir as potências com objetivos de defesa na África ao sul do Sahara.

Em agosto de 1950, o ministro da Defesa da África do Sul, Frans Erasmus, viajou para Washington para pôr o Governo Norte-Americano ao corrente das preocupações do seu governo sobre a defesa de África. Pretória, embora estivesse determinada e preparada para “apoiar um bloco de potências anticomunistas”, não dispunha de meios suficientes para o fazer. O foco das forças armadas sul-africanas estava orientado para a segurança interna, já que Pretória temia que a maior parte da população negra aderisse ao comunismo em caso de guerra entre o Ocidente e a União Soviética149.

Em outubro desse ano, F. Erasmus regressa aos EUA para reiterar a necessidade de apoio nos esforços de modernização das forças sul-africanas. Decidido a resistir a “uma agressão comunista em qualquer parte de África”, onde incluía também o “Médio Oriente”, o Governo Sul-Africano apresentou como base para a sua política de defesa o princípio orientador de que “qualquer ataque comunista em África” era um ataque direto à África do Sul. O Governo Sul-Africano estava também disponível para empregar as suas forças armadas fora do seu território, já que reconhecia que a sua luta contra o comunismo poderia estar muito para além de África150. Concretamente, F. Erasmus solicitava o apoio dos EUA para equipar uma divisão blindada e uma esquadrilha aérea, a serem empenhados “como força expedicionária” para qualquer ponto de África ou Médio Oriente, e o reforço dos seus meios navais para “auxiliar o ocidente a controlar as águas africanas” 151. Se os EUA acedessem a esse esforço de cooperação, então poder-se-ia estar a um pequeno passo de estender a influência da OTAN ao Atlântico Sul ou a patrocinar um acordo ou pacto de defesa onde a África do Sul pretendia desempenhar um papel de primordial importância.

Na sequência dos esforços em Washington, F. Erasmus veio também a Portugal para convencer o Governo Português da necessidade de realizar uma conferência com todos os países que “exercem soberania em África” para tratar de assuntos de defesa comum, que considerava seriamente

149 FRUS, 1950, Vol. V: The Near East, South Asia and Africa, p. 1826. 150 FRUS, 1950, Vol. V: The Near East, South Asia and Africa, p. 1836. 151 FRUS, 1950, Vol. V: The Near East, South Asia and Africa, p. 1842.

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ameaçada152. A visita de F. Erasmus a Lisboa vinha no seguimento de outros contactos que já tinha efetuado junto da Inglaterra, França e Bélgica, que tinham acolhido a ideia e se tinham mostrado interessados em participar. A conferência seria organizada conjuntamente entre Pretória e Londres e tinha como objetivo inicial discutir as “facilidades a conceder ao movimento de tropas e material militar” entre a África do Sul e o Médio Oriente em caso de guerra ou de emergência. Foi com esse mesmo objetivo que o embaixador britânico em Lisboa endereçou o convite a Portugal para participar na “African Defence Facilities Conference”, cuja participação “esperava dada a necessária e importante contribuição de Portugal para a defesa de África”153.

Todavia, o Governo Português reconhecia a insuficiência de meios para um arranjo de defesa, desconfiava das pretensões de Pretória quanto à hegemonia política e militar na região e não escondia o receio de aproximações multilaterais. Por conseguinte, levantou desde logo um conjunto de obstáculos à sua participação. De acordo com o ministro Paulo Cunha, Portugal não poderia participar sem analisar profundamente a agenda da conferência por considerar os seus aspetos demasiado “complexos”. No convite havia três aspetos formais que desagradavam ao Governo Português: o convite referia Angola e Moçambique como participantes individuais, em vez de se referir simplesmente a Portugal; a data prevista, finais de agosto e início de setembro de 1951, não dava tempo suficiente para analisar o dossier; e, talvez o mais importante, havia uma desconfiança latente em relação à intenção sul-africana, uma vez que o ministro F. Erasmus já se tinha referido a esse assunto no ano anterior154. Assim, a primeira resposta foi a recusa de participação devido à “exiguidade do prazo” disponível para a preparação, à “extensão da agenda” e à importância dos assuntos a serem tratados155. Parecia evidente que o Governo Português tinha sido apanhado de surpresa, não estando preparado para assumir um papel de relevo que pretendia na conferência.

152 AHDMNE – PAA, Proc. 34.1, Maço 113: Ofício do ministro da Defesa para o ministro dos Negócios Estrangeiros (3/7/1951).

153 AHDMNE – PAA, Proc. 34.1, Maço 113: Ofício da Embaixada da Grã-Bretanha em Lisboa (9/7/1951). 154 AHDMNE – PAA, Proc. 34.1, Maço 113: Informação de Serviço elaborada por Paulo da Cunha para servir de orientação para a preparação da conferência (s.a.).

155 AHDMNE – PAA, Proc. 341.1, Maço 113: Telegrama da Secretaria Geral do MNE para a embaixada de Paris para orientações ao embaixador (11/7/1951).

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A resposta de Lisboa causou alguma apreensão em Londres156. Por isso, o Governo Britânico informou Lisboa que as suas preocupações não tinham razão de ser e esperava que os possíveis acordos a alcançar seriam apenas “considerações gerais resultantes do bom senso entre as partes”. Porém, se o Governo Português continuasse a considerar que o tempo de preparação da reunião era insuficiente, deveria comunicar-lhes quando mais lhe convinha participar na conferência157. Também em Pretória a recusa inicial do Governo Português causou algum embaraço. Por esse motivo, o Governo Sul-Africano pressionou o embaixador português em Pretória a transmitir a Lisboa que, embora as razões apontadas fossem justas, se esperava que Portugal não deixaria de aceitar o convite158.

Ao mesmo tempo, a pressão sobre Lisboa era veiculada por meios indiretos. O jornal Daily

Telegraph, citando um porta-voz do Foreign Office, publicava uma notícia em que sublinhava que a

conferência já não se realizaria porque alguns países tinham mudado de ideias quanto à sua participação. Todavia, o Governo Britânico apressou-se a informar Lisboa que essa notícia tinha resultado de uma “inconfidência” de um funcionário diplomático em Alexandria e que seria prontamente negada por Londres159. O Foreign Office sabia muito bem que o Governo Português era muito sensível a fugas de informação sobre assuntos que requeriam discrição.

Um outro ponto também importante para Lisboa era o de não querer tomar nenhuma posição sem saber o que Bruxelas e Paris pensavam, já que pretendia alinhar-se com as outras potências coloniais. Inicialmente, o Governo Belga mostrou também alguma relutância em participar na conferência. Em 18 de julho de 1951, o embaixador português em Bruxelas informou que o Governo Belga ainda não tinha tomado posição porque não tinham sido ainda ouvidos os ministérios das colónias e da defesa. Para o embaixador, não obstante a mais que provável participação, o Governo Belga era da opinião que a conferência se destinava quase exclusivamente a servir os interesses sul- africanos. Por isso, a sua participação devia-se à necessidade de impedir quaisquer “deliberações que, direta ou indiretamente, pudessem vir a prejudicar o Congo”160. Segundo o embaixador português em

156 AHDMNE – PAA, Proc. 341.1, Maço 113: Apontamento de conversa entre secretário da Embaixada da Grã- Bretanha em Portugal com o Secretário do MNE (12/7/1951).

157 AHDMNE – PAA, Proc. 341.1, Maço 113: Nota entregue pelo Embaixador da Grã-Bretanha em Lisboa à Secretaria Geral do MNE (12/7/1951).

158 AHDMNE – PAA, Proc. 341.1, Maço 113: Telegrama da Embaixada de Portugal em Pretória (11/7/1951). 159 AHDMNE – PAA, Proc. 341.1, Maço 113: Telegrama da Embaixada de Portugal em Londres (14/7/1951). 160 AHDMNE – PAA, Proc. 341.1, Maço 113: Telegrama da Embaixada de Portugal em Bruxelas (19/7/1951).

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Paris, o Governo Francês estava determinado a participar na conferência, tendo o “maior interesse” em que Portugal também estivesse presente pelo facto da conferência se “referir a problemas de defesa geral da África Oriental”. Por conseguinte, a ausência de Lisboa seria “muito embaraçosa” para todos161. Além do mais, o Governo Francês pretendia que os seus interesses na África Ocidental e no Mediterrâneo fossem também salvaguardados. Para Paris, a “importância estratégica de África” estendia-se muito para “além dos limites” definidos em Nairobi, porque as rotas marítimas que circundavam o continente eram a ligação entre “a defesa do Ocidente e a defesa de África”, sendo esse o principal motivo pelo qual o Governo Norte-Americano tinha sido convidado a participar, embora como observador162.

O facto de Bruxelas e de Paris se mostrarem determinados em participar na conferência levou o Governo Português a não querer ficar de fora, dando início à preparação dos seus dossiers. Nesse sentido, Lisboa solicitou a Londres e a Pretória que lhe fornecessem os tópicos que seriam levados a discussão em Nairobi e que eventualmente pudessem vir a ser alvo de um pedido da colaboração. O embaixador britânico em Lisboa transmitiu às “Necessidades” que o que poderia ser levado a discussão na conferência seria a utilização do Caminho de Ferro de Benguela (CFB), a construção e o aproveitamento de aeródromos e de estradas163. Além disso, Londres esperava que a África do Sul e a Rodésia do Sul comunicassem a Lisboa as suas reais preocupações, porque eram os países que “tinham o maior interesse em discutir as facilidades de trânsito e de comunicação com as autoridades portuguesas”164.

A questão das facilidades a conceder por Portugal tinha já sido alvo de vários tratados com a Inglaterra. De acordo com um documento elaborado para preparar a participação da delegação portuguesa na conferência, desde 1870 que o território de Moçambique tinha tido elevada importância estratégica para Londres na África Austral. Isso tinha sido evidente durante a guerra anglo-bóer, na 1ª Guerra Mundial e na 2ª Guerra Mundial. Moçambique permitia ao Niassalândia e à Rodésia do Sul o acesso ao mar através do caminho de ferro da Beira165. Portanto, o Governo Português sabia muito

161 AHDMNE – PAA, Proc. 341.1, Maço 113: Telegrama da Embaixada de Portugal em Paris (25/7/1951). 162 NASA/DFA – BLB, Vol. 6/1-6-10-1: Extrato do discurso do Almirante Auboyneau, chefe da delegação francesa (31/8/1951).

163 AHDMNE – PAA, Proc. 341.1, Maço 113: Apontamento de conversa entre Paulo Cunha com o Embaixador Britânico (26/6/1951).

164 AHDMNE – PAA, Proc. 341.1, Maço 113: Ofício do Foreign Office para MNE (s.a.).

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bem que os seus territórios desempenhavam um importante papel nas comunicações com os oceanos Índico e Atlântico, sendo um fator que deveria ser explorado ao máximo166.

Todavia, não deveria permitir qualquer tipo de perda de soberania, um aspeto muito caro a Lisboa. No início dos anos 1950, as desconfianças de Lisboa eram muitas e não tinham sido ainda dissipadas. Por isso, o Governo Português tentava a todo o custo que Londres e Pretória informassem “previamente qual o quadro político” em que Portugal deveria conceder “certas facilidades”, uma vez que cada situação era única e dependia de “diversas hipóteses” que podiam variar conforme o país, ou países, com os quais se encarasse a possibilidade de hostilidades. Da informação obtida pelo ministro Paulo Cunha junto do embaixador britânico em Lisboa em Agosto de 1951, a ideia de um acordo para a concessão de facilidades em Angola e Moçambique resultava da reconhecida incapacidade britânica em garantir sozinha a defesa do Egito e do Canal do Suez, razão pela qual pretendia partilhar esse esforço e essa responsabilidade com a África do Sul. Este era um processo consonante com o que a Grã-Bretanha estava a fazer em outros pontos do mundo, nomeadamente com o projetado Pacto do Pacífico, no qual Londres preparava a transferência de responsabilidades de defesa para os seus domínios da Austrália e da Nova Zelândia167.

No início de julho de 1951, o Governo Belga também propôs a Londres e aos outros parceiros europeus uma reunião preparatória para discutir as “questões políticas de interesse comum” que poderiam ser levantados na conferência a fim de esclarecer o seu alcance político e militar. Segundo o embaixador português em Bruxelas, o Governo Belga estava preocupado com as repercussões que a conferência podia ter na Índia e que podia afetar a comunidade hindu no Congo Belga, uma vez que as relações entre a África do Sul e a União Indiana eram já muito tensas por causa da discriminação racial de que era alvo aquela comunidade168.

166 Sobre a importância do acesso ao mar na guerra anglo-bóer consultar: Costa, Fernando (1998), Portugal e a

Guerra Anglo-Boer. Política Externa e Opinião Pública (1899-1902), Lisboa: Cosmos. Guevara, Gisela (2006), As Relações entre Portugal e a Alemanha em torno de África (Finais de Século XX e Inícios de Século XX),

[Lisboa:], Instituto Diplomático. Sobre a importância do acesso ao hinterland rodesiano consultar Ferreira, José Medeiros (2006), Cinco Regimes na Política Internacional, Lisboa: Editorial Presença, pp. 40-41. Cf. Teixeira, Nuno (1996), O Poder e a Guerra, 1914-1918. Objectivos Nacionais e Estratégias Políticas na Entrada de

Portugal na Grande Guerra, Lisboa: Estampa.

167 AHDMNE – PAA, Proc. 341.1, Maço 113: Apontamento de conversa entre Sua Excelência o Ministro e o Embaixador de Inglaterra (3/8/1951).

168 AHDMNE – PAA, Proc. 341.1, Maço 113: Telegrama da Embaixada de Portugal em Bruxelas para MNE (26/7/1951).

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Paris recusou a proposta de Bruxelas porque entendia que os ingleses “estavam comprometidos com os sul-africanos” e uma reunião naquele momento podia “ser uma fonte de mal-entendidos e sérias dificuldades”, mesmo antes de se realizar. Por conseguinte, o Governo Francês considerava que a proposta belga se devia limitar a Portugal, França e à Bélgica169. Assim, essa reunião preparatória acabou por se realizar em Paris sem a presença de representantes portugueses porque Lisboa não pretendia correr o risco de suscitar “melindres” em Pretória nem em Londres170.

Esboçava-se assim uma certa divisão entre os países da Europa continental, por um lado, e os britânicos e sul-africanos, por outro. Do que se pode avaliar, Portugal, França e Bélgica estavam dispostos a colocar entraves a Londres e a Pretória para a realização da conferência de Nairobi, apesar de cada governo ter as suas razões. Os motivos do Governo Português estavam sobretudo ligados com a desconfiança que Lisboa nutria pela África do Sul, uma vez que não pretendia que esta assumisse o papel mais relevante ao nível regional. Além disso, como já se referiu, o ministro F. Erasmus ter abordado esse assunto em Lisboa em outubro de 1950 depois de um périplo pela Europa e pelos EUA, e de apenas ter formalizado o convite em agosto de 1951, induzia Lisboa a pensar que havia um qualquer pacto ou combinação entre Londres e Pretória.

Porém, a realidade não permitia a Lisboa afastar-se claramente de Pretória. De acordo com o ministro da Defesa Nacional, Santos Costa, a ideia da realização da Conferência de Nairobi estava baseada na concertação dos interesses de defesa dos países com territórios africanos para fazerem face ao “perigo russo em relação a África, que se poderia manifestar tanto por ataque direto como por infiltração”. A Rússia “podia atacar em três lados: na Europa, no Extremo-Oriente e em África.” Não sendo muito provável o ataque na Europa e no Extremo-Oriente, a possibilidade de um ataque através do “Vale do Nilo” era um rude golpe nas linhas de comunicações entre a África e o Médio-Oriente e colocava em perigo Angola e, em especial, Moçambique. Portanto, a transferência de responsabilidades de defesa para a África do Sul era vantajosa para Portugal, uma vez que não dispunha de meios capazes de as assumir. S. Costa também previa que um ataque da Rússia era

169 AHDMNE – PAA, Proc. 341.1, Maço 113: Telegrama da Embaixada de Portugal em Bruxelas para MNE (31/7/1951).

170 AHDMNE – PAA, Proc. 341.1, Maço 113: Apontamento da reunião no Secretariado da Defesa Nacional, presidida por Sua Excelência o Ministro da Defesa Nacional (4/8/1951).

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“inevitável”, pelo que o estudo dos fatores a ter em conta na participação de Portugal deveria desde logo ser iniciado171.

Entretanto, como foi anteriormente referido, a 9 de agosto de 1951, em Paris, a Bélgica e a França tinham reunido para discutir os pontos a coordenar para a sua participação na Conferência. Ambos os países queriam evitar que a conferência incluísse a discussão de questões de ordem política e se focasse apenas nos “aspetos técnicos”172. Os belgas e os franceses pretendiam também contacto permanente com a OTAN e a inclusão de um observador da Aliança em Nairobi, o que acabou por não acontecer. Um outro ponto enfatizado nessa reunião, e com o qual o Governo Português concordou em absoluto, foi a não permissão de intervenção por parte de qualquer um dos participantes na Conferência no caso de “tumultos internos e atos de sabotagem”173. De facto, essa era a principal