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A CRIAÇÃO DA FEDERAÇÃO DA ÁFRICA CENTRAL BRITÂNICA: NOVO PARCEIRO OU

CAPÍTULO I – DAS CONFERÊNCIAS DE DEFESA AFRICANA AO CONFLITO EM ANGOLA

4. A CRIAÇÃO DA FEDERAÇÃO DA ÁFRICA CENTRAL BRITÂNICA: NOVO PARCEIRO OU

No início dos anos 1950, a Inglaterra empenhou-se em constituir na África Central “uma nação multirracial”, com boas bases económicas e sociais, que constituísse uma barreira à expansão territorial, demográfica e ideológica da África do Sul. Esta nação seria agregada sob a forma de uma federação, englobando a Rodésia do Sul, a Rodésia do Norte e a região do Niassa310. A Federação estava encravada a oeste por Angola, a norte pelo Congo Belga (região do Catanga), a leste por Moçambique e a sul pela África do Sul. Este projeto político inglês tinha como objetivo constituir-se como um “bloco britânico homogéneo e sólido” para mais tarde se transformar “num poderoso Domínio”. Com a criação da Federação, Londres impedia que o território da Rodésia do Sul fosse anexado pela África do Sul e, ao mesmo tempo, impedia que o Niassalândia sofresse o “contágio terrorista que na África Oriental tem espalhado a seita assassina dos Mau-Mau”. Além do mais, a união económica dos territórios facilitaria a exploração comum dos recursos agrícolas e mineiros, “conduzindo a uma elevação mais rápida do nível de vida dos indígenas” 311.

Apesar da justificação baseada nas pretensões de expansão territorial da África do Sul, um dos aspetos que teve um importante peso para a criação da Federação da África Central (ou Federação das Rodésias e Niassalândia) terá sido a corrida ao armamento nuclear logo após o final da 2ª Guerra Mundial. Tendo inicialmente dependido das fontes de urânio portuguesas e congolesas, previa-se que o aumento do arsenal nuclear iria fazer aumentar o preço do minério, o que apressou o governo de W.

310 Ver Anexo A.

311 AHDMNE – CRM: Bártolo, Augusto Coelho, A Federação da África Central Britânica (Relatório Anual referente ao ano de 1952), pp. 1-5. Cf. Butler, L. J. (2007), “Business and British Decolonization: Sir Ronald Prain, the Mining Industry and The Central African Federation”, The Journal of Imperial and Commonwealth

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Churchill a preparar as conferências para a criação da Federação em meados de 1952312. A criação da Federação da África Central foi uma expressão da vontade do governo inglês, não estando refletida a vontade dos povos negros dos três territórios. Além disso, a ligação desses territórios ao Governo Britânico era substancialmente diferente para cada um dos territórios, já que a Rodésia do Sul gozava de ampla autonomia, enquanto a Rodésia do Norte e o Niassalândia eram apenas protetorados. Apesar da importância económica para a região, relativamente à agricultura e à indústria mineira, estava amplamente dependente das suas ligações ao mar. Estas podiam fazer-se através do porto moçambicano da Beira e do porto sul-africano de Port Elisabeth, estando também, no momento da sua criação em 1953, a projetar-se a ligação para o Lobito através do Caminho de Ferro de Benguela, designadamente da Rodésia do Norte e da província do Catanga (Congo Belga). O aumento do tráfego dos bens produzidos nesses territórios tinha tornado insuficiente a capacidade do porto da Beira, levando o Governo Português, através de uma convenção assinada em Lisboa com a Rodésia do Sul e com a África do Sul em abril de 1950, a desenvolver a estação portuária desde que continuasse a ser utilizada para escoamento dos seus produtos313.Na realidade, o interesse de Portugal na criação da Federação era essencialmente económico, devido ao facto de ser através de Angola e Moçambique que os seus territórios mais facilmente podiam comunicar com o mar, um aspeto essencial a ambas as economias.

De acordo com um relatório elaborado pelo Colonial Office em 1951, era premente para os três territórios da África Central a sua união sob a forma de federação, com evidentes benefícios económicos e políticos para a região. A Rodésia do Sul, que já dispunha de ampla autonomia, era um território sem acesso ao mar e altamente dependente da mão-de-obra externa que lhe poderia ser fornecida pela Rodésia do Norte e pelo Niassalândia. Na Rodésia do Norte tinha chegado uma significativa comunidade de brancos sul-africanos que ultrapassava a comunidade originária da Grã- Bretanha. O Niassalândia era o território mais pobre e dependia de apoios externos, pelo que uma união com os outros dois lhe seria muito favorável. Todavia, a política indígena da Rodésia do Sul e o

312 Butler, L. J. (2008), “The Central African Federation and Britain’s Post-War Nuclear Programme: Reconsidering the Connections”, The Journal of Imperial and Commonwealth History, Vol. 36 (3), pp. 509-525. 313 AHDMNE – CRM: Bártolo, Augusto Coelho, A Federação da África Central Britânica (Relatório Anual referente ao ano de 1952), pp. 1-5. Sobre importância do porto da Beira e a Federação da África Central Cf. Hance, William A e Irene S. Van Dong (1957), “Beira, Mozambique Gateway to Central to Central Africa”,

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“self-government” eram sérios entraves ao sucesso desse projeto político devido ao mais que provável enfraquecimento de Salisbúria314.

A vontade de Londres seria constituir uma federação dotada de um estatuto constitucional moldado no estatuto da Rodésia do Sul, em que as competências no âmbito da sua política interna seriam da responsabilidade de cada um dos territórios, alvitrando-se uma política racial diferenciada da África do Sul 315. Contudo, havia indícios de que a África do Sul era contrária à sua criação devido às históricas pretensões sobre a Rodésia do Sul. De acordo com a imprensa norte-americana da época, esta ideia federativa poderia desencadear a atração de outros territórios – Bechuanalândia, Sudoeste Africano, Tanganica e Quénia – para a sua órbita, o que desagradava a Pretória316. Isto poderia querer dizer que a África do Sul considerava que a existência de um conjunto de territórios unidos por questões políticas e económicas, com uma política racial diferenciada do apartheid, que vinha sendo reforçado desde 1948, poderia ser um exemplo contagiante que punha em causa o projeto político do Partido Nacional.

A opinião pública britânica e norte-americana manifestava a sua preferência por uma solução que representasse uma maior participação política dos negros, tal como era a intenção do Partido Trabalhista britânico. Mesmo com o risco do predomínio dos brancos na Rodésia do Sul, era reconhecida a importância da vontade britânica pelo valor que esses territórios representavam para a defesa dos interesses do Ocidente e dos EUA317. Estava em causa a riqueza em metais estratégicos que eram fundamentais na corrida nuclear com os soviéticos e que não poderiam cair sob controlo de governos nacionalistas negros com ligações ao “comunismo internacional”.

Para Londres, possuir territórios em África no decurso da Guerra Fria, para além da sua tradição imperial, estava ligado à importância estratégica de possuir bastiões da resistência imperial ao comunismo. Para o governo britânico, no momento da criação da Federação, em junho de 1953, África e Médio Oriente poderiam ser determinantes em face “da expansão comunista”. De acordo com o historiador John Darwin, Londres deveria assegurar a Washington que as suas políticas em África não afastariam os seus territórios do interesse do Ocidente. Por essa razão, na ideia do governo

314 AHDMNE – PAA, Proc. 341, Maço 112: Informação da Embaixada de Portugal em Londres (15/6/1951). 315Darwin, John (2009), The Empire Project: The Rise and Fall of the British World-System, 1830-1970, Cambridge: University Press, p. 619.

316 AHDMNE – PAA, Proc. 341, Maço 112: Ofício da Embaixada de Portugal em Washington (28/6/1951). 317 AHDMNE – PAA, Proc. 341, Maço 112: Ofício da Embaixada de Portugal em Washington (31/12/1952).

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conservador britânico, a Federação teria uma política multirracial e uma economia dinâmica318. É também relevante notar que no início dos anos 1950 se estava a iniciar uma campanha internacional contra a África do Sul por causa do apartheid319. Por estas razões, a decisão britânica poderia ser entendida como um passo importante na afirmação europeia em África e, ao mesmo tempo, um avisado travão contra a suposta tentativa de preponderância sul-africana na região ao sul do Sahara, apostando na “convivência racial oposta […] ao apartheid. O novo slogan britânico era o ‘partnership’, a cuja concretização ninguém parecia encontrar […] quaisquer dificuldades ou perigos especiais” 320.

Porém, parte sensível do eleitorado branco da Rodésia do Sul entendia que a inclusão numa Federação lhe era politicamente prejudicial. Na realidade, a Rodésia do Sul dispunha já de uma ampla autonomia, podendo evoluir mais rapidamente para ‘Domínio’ do que submeter-se em algumas matérias, como Federação, ao Colonial Office. Também do lado indígena, a resistência à criação da Federação foi intensa, especialmente devido à prevalência do domínio europeu321. Em 1953, destas circunstâncias resultou a Constituição da Federação, “um documento ambíguo” que “mais parecia uma exposição de promessas e reservas contraditórias pouco definidas”. Destes, salienta-se a possibilidade de completa independência, dentro da “Commonwealth, quando a maioria dos seus habitantes mostrar desejá-la”. Só que, para os rodesianos do sul, o significado real de “habitantes” era o de “votantes”, restando a necessidade de definir, sob o aspeto racial, qual seria a sua composição para que Londres o consentisse. A este respeito, é de lembrar que quando a Federação começou a ser projetada era o governo trabalhista de Clement Attlee que estava no poder, bem mais sensível “às influências mundiais, em alvoraçado ao subversivo favor das raças de cor”. Por outro lado, não preservar a proteção britânica seria “dar à União [da África do Sul] mais um argumento para reclamar os protetorados [britânicos] que permanecem na sua área: Basutolândia, Bechuanalândia e Suazilândia”. Nesses territórios, não consagrar uma política racial diferente poderia dar a entender uma afinidade

318 Darwin (2009), Ob. Cit., p. 619.

319 De Roche (2003), Ob. Cit., p. 108; Cf. Noer (1985), Ob. Cit., p. 60; Cf. Fraser (2000), Ob. Cit., pp. 257-264. 320 AHDMNE – CRM: Cruz, António Leite, A Federação da Rodésia e Niassalândia (Relatório, junho de 1957), pp. 11-12.

321 AHDMNE – CRM: Cruz, António Leite, A Federação da Rodésia e Niassalândia (Relatório, junho de 1957), pp. 11-12.

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que se queria evitar, deixando as portas mais abertas a uma influência britânica na região322. Por conseguinte, a criação da Federação da África Central foi influenciada por um conjunto de dimensões políticas a que não podia ficar alheio o Governo Português.

Foi com este enquadramento que foi negociada durante 1953 a criação da Federação e as suas autonomias, nomeadamente a representação e relações externas, que anos mais tarde, em 1965, viria a ser objeto de um diferendo luso-britânico durante a crise que envolveu a declaração unilateral de independência da Rodésia do Sul com o importante envolvimento de Lisboa. O Governo Britânico acordou confiar ao Governo Federal a responsabilidade pelos assuntos exteriores “na mais larga medida compatível com a responsabilidade de direito internacional” que deveria continuar a ter enquanto a Federação não fosse uma entidade internacional autónoma. Em 1957, o então primeiro- ministro Roy Welensky entendeu que, de acordo com a Constituição de 1953, a Federação estava habilitada a conduzir todas as relações e trocar representantes com os países da Commonwealth, sem necessidade de consultar a Grã-Bretanha. A Constituição dava-lhe também poderes para conduzir negociações e celebrar acordos com países estrangeiros, desde que se salvaguardassem as responsabilidades internacionais britânicas. Poderia ainda nomear representantes junto das embaixadas britânicas e nomear os seus próprios agentes que teriam pleno estatuto diplomático, tendo a seu cargo “missões federais” em qualquer país estrangeiro disposto a aceitá-las. Esta interpretação tinha um muito maior alcance do que à primeira vista Lord Malvern, primeiro-ministro rodesiano (1933-1953) que negociou a criação da Federação, tinha conseguido junto do Governo Britânico. Lord Malvern tinha conseguido do Governo Britânico o seu consentimento para uma fórmula transitória, mediante a qual os cônsules gerais de carreira, que tivessem internamente a categoria de ministros, teriam o tratamento diplomático reservado aos altos-comissários e comissários dos países da Commonwealth323.

A criação da Federação da África Central teve também especial relevância para a política externa da África do Sul nos anos 1950, porque corporizava uma ideia já antiga da “criação de um subimpério sul-africano dentro do império britânico”. Isto coincidia com um projeto político de Jan Smuts que estava ligado à sua conceção de um “pan-africanismo de caráter federativo” que foi visto

322 AHDMNE – CRM: Cruz, António Leite, A Federação da Rodésia e Niassalândia (Relatório, junho de 1957), p. 15.

323 AHDMNE – CRM: Cruz, António Leite, A Federação da Rodésia e Niassalândia (Relatório, junho de 1957), pp. 19-22.

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por Lisboa como uma tentativa de alargamento territorial da África do Sul e que passou “taticamente para uma fórmula menos política de cooperação técnica e económica” sob a liderança sul-africana, a CCTA324. Embora arrefecesse a sua tradição de expansão, a CCTA era uma fórmula atualizada de colaboração internacional em que persistia a ideia da liderança política da África do Sul, nomeadamente as ideias da “preservação Ocidental, da defesa racial e do anticomunismo”325. O plebiscito realizado na Rodésia do Sul em 10 de abril de 1953 deu a vitória ao projeto federativo, determinando a vontade no início de uma política de cooperação racial, o “ racial partnership”, com implicações para toda a África326. O sonho de J. Smuts, rejeitado em 1923 na Rodésia do Sul, voltava a ser posto de parte pela criação da Federação da África Central327.

Dados os receios de Lisboa em relação à preponderância política sul-africana na África Austral, a criação da Federação da África Central foi, à primeira vista, um acontecimento benigno. As relações entre Portugal e a Federação foram marcadas pela imposição geográfica de que Moçambique e Angola eram as principais portas para o mar. O caminho de ferro do Limpopo permitia a ligação da Rodésia do Sul ao Índico através do porto de Lourenço Marques sem ter de passar pela África do Sul. O Caminho de Ferro de Benguela e o caminho de ferro de Moçâmedes, que se pretenderia ligar à Rodésia do Norte, permitiam a ligação ao Atlântico. Como se verá no capítulo seguinte, a consideração geográfica relativa à ligação ao mar seriam fatores determinantes na manobra diplomática com os países saídos da secessão da Federação em 1964.

Não obstante o evidente sentido “antissul-africano na criação da Federação, o assunto da união entre as Rodésias e a África do Sul era recorrente nos meios políticos, já que alguns dos seus dirigentes políticos teriam discutido várias vezes o desejo de ver “unidas as partes civilizadas de África”. Desde então, o assunto passou a ser uma assunção de caráter teórico, especialmente em certos meios intelectuais sul-africanos. Na Universidade de Witwatersrand (Joanesburgo) corria no seio dos professores a opinião de que a evolução natural do sul de África seria a constituição de uma federação, deixando os territórios escolherem a língua, cultura, tradições e autonomia governativa. Um dos projetos abrangeria “uns dez Estados predominantemente brancos e negros da África do Sul, Sudoeste

324 AHDMNE – PAA, Proc. 341, Maço 112: Ofício da Embaixada de Portugal em Pretória (15/4/1953).

325 AHDMNE – CRM: Cruz, António Leite – A Federação da Rodésia e Niassalândia, (Relatório, junho de 1957) pp. 26-27.

326 Darwin (2009), Ob. Cit., p. 619.

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Africano, Rodésias, dos três protetorados [Bechuanalândia, Basutolândia e Suazilândia], Congo Belga, Angola e Moçambique e talvez as terras altas do Quénia”. As ideias confederativas na África Meridional não estavam relacionadas apenas a África do Sul, sendo também um assunto político recorrente nos meios políticos da Federação da África Central. Lord Malvern chegou a propor, num congresso do Partido Federal, que o governo da Federação deveria promover ativamente com as organizações apropriadas da África do Sul, do Quénia, do Tanganica, de Moçambique, de Angola e do Congo a criação de uns Estados Unidos da África328. Também a “Capricorn Africa Society” era o exemplo de que, num futuro próximo, essa zona de África, definida desde o sul do Sahara ao rio Limpopo, incluindo Federação da África Central, Quénia e Tanganica, se poderia constituir nos “Estados Unidos de África do Capricórnio […] levados a efeito pelo desejo natural de uma união mais próxima entre […] territórios que [viessem] a adotar […] uma cidadania comum”. Todavia, a “África Portuguesa” e o Congo não faziam parte dos seus objetivos, mas o futuro próximo traria inevitavelmente um maior estreitamento de relações329.

Portanto, estas ideias, muito ou pouco fundamentadas, com mais ou menos apoios da Grã- Bretanha, da Federação da África Central ou da União da África do Sul, tinham sempre implicações políticas nos territórios vizinhos do Catanga, Angola e Moçambique. O Catanga, por confinar com a Rodésia do Norte e ser rico em recursos minerais, poderia ser incluído com o patrocínio de diversas companhias mineiras e dos interesses financeiros que a família sul-africana Oppenheimer e a Union Miniére tinham na região. Além do mais, circulava a notícia de que os europeus do Catanga desejariam formar uma “Federação Branca” com as Rodésias, considerando esse desejo como um passo no caminho para a possível construção duma “federação destes territórios com a União da África do Sul como baluarte europeu numa África despedaçada pelo nacionalismo negro”330.

Roy Welensky, primeiro-ministro da Federação, declarou que em abril de 1958 havia sido contactado por personalidades influentes do Catanga e da Bélgica para que esta província fosse integrada na Federação da África Central. Esta declaração surgiu na sequência de notícias publicadas

328 AHDMNE – CRM: Cruz, A. De A. Leite, A Ideia Confederativa na África Meridional (Relatório Anual, 1959), pp. 52-55.

329 AHDMNE – CRM: Cruz, A. De A. Leite, A Ideia Confederativa na África Meridional (Relatório Anual, 1959), p. 61.

330 AHDMNE – CRM: Cruz, A. De A. Leite, A Ideia Confederativa na África Meridional (Relatório Anual, 1959), pp. 62-66.

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na imprensa inglesa de que indicavam que R. Welensky teria combinado com o Governo Belga a união com o Catanga após a independência do Congo Belga331.

Em maio de 1958, o cônsul português em Salisbúria foi abordado pelo chefe do protocolo do consulado rodesiano na Beira para a necessidade de uma “maior aproximação política” entre a Federação e a “província portuguesa”. Esta aproximação era já conhecida de Lisboa e tinha sido sempre rejeitada, razão pela qual Lord Malvern a tinha substituído por uma política aberta de cooperação. Determinadas individualidades políticas rodesianas e outras pertencentes a importantes companhias chegaram também a sugerir que em Salisbúria deveria haver junto do Consulado-Geral uma delegação especial de Moçambique. Por conseguinte, era opinião do cônsul que o futuro da Federação da África Central passaria pelo porto da Beira, estando, por esse motivo, sempre muito presente a ambição de Salisbúria sobre esse seu “porto natural”. Esta era a principal razão pela qual Moçambique surgia muitas vezes associado a uma espécie de “Estados Unidos de África” ou como uma extensão da Federação da África Central, ideias que estavam relacionadas com o meio político mais antibritânico e que propunha a separação da Rodésia do Sul da Federação. Na opinião do cônsul português, R. Welensky, um “político astucioso e oportunista, estava inclinado a capitalizar as ideias da oposição” e, de acordo com o seu programa eleitoral, mantinha “aberta a possibilidade de os países vizinhos se tornarem parte da Federação”. Portanto, as abordagens que eram feitas nesse sentido não eram riscos desprezíveis para o Governo Português. Além do mais, “nos meandros da opinião pública influente”, ou seja, no seio da comunidade branca latifundiária, “o governo de Lisboa [era] considerado, nas relações [da Federação da África Central] com Moçambique, um obstáculo a ladear ou excluir progressivamente”. Por esse motivo, haveria que ter cuidado com quaisquer visitas oficiais “que pudessem sugerir qualquer aquiescência” a esses sentimentos, sem prejuízo da cordialidade das relações de vizinhança e da colaboração técnica onde fosse possível, obrigando a manter Lisboa como o interlocutor nas relações entre a Federação da África Central e as províncias ultramarinas332. Portanto, apesar da criação da Federação poder ser um obstáculo à expansão sul-africana para norte, o que agradava ao Governo Português, aparecia também como um projeto aglutinador que colocava a possibilidade de “atrair” Angola e Moçambique num projeto que ameaçava a soberania portuguesa.

331 Kalinga, Owen M. (2005), “Independence Negotiations in Nyasaland and Northern Rhodesia”, International

Negotiation, (10), p. 253

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De acordo com um relatório do Centro de Estudos Políticos e Sociais da Junta das Missões