• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 3 – O PETRÓLEO E OS CONFLITOS NO ORIENTE MÉDIO PARTE 1

3.4. A Revolução Islâmica no Irã

3.4.3. As Consequências da Revolução Islâmica no Irã

Em 1978, o medo de uma escassez de petróleo já tinha criado uma psicologia distorcida no mercado mundial, o que serviu para preparar o cenário para um 2º choque do petróleo. Faltava somente um catalisador para iniciá-lo. A Revolução Islâmica no Irã foi muito mais que um catalisador, foi uma tempestade que assolou o mercado mundial por quase 2 anos e elevou os preços do petróleo para os maiores patamares jamais vistos (MAUGERI, 2006). Como relatou Yergin (2009, p. 775):

E, do Irã, como se tivesse sido sacudido por um violento terremoto, uma onda gigante espalhou-se pelo mundo, varrendo tudo (...) A onda gerou o Segundo Choque do Petróleo, elevando os preços de US$ 13 para US$ 34 o barril, desencadeando mudanças maciças não apenas na indústria petrolífera internacional, mas também, pela segunda vez em menos de uma década, na economia e na política mundiais.

Para compensar a perda do petróleo iraniano no mercado, os países da OPEP aumentaram sua produção – como exemplo, a Arábia Saudita aumentou sua produção de 8,5 milhões bdp para 10,5 milhões bpd no final de 1978, passando para 10,1 milhões bpd no primeiro trimestre de 1979. Com isso, o mercado sofreu uma perda em torno de 2 milhões bpd, o equivalente a 4% da demanda mundial (50 milhões bpd). Entretanto, apesar de a perda ter sido pequena, o preço do petróleo sofreu um aumento de 150%. Para Yergin (2009), o principal fator que ocasionou o aumento astronômico no preço foi o “forte poder da emoção”: com a crise do petróleo iraniano, as pessoas se deixaram levar pelo medo (acreditavam que uma profecia de escassez de petróleo a partir da década de 80 tinha se cumprido) e pelas incertezas (não sabiam qual a repercussão e alcance a revolução iraniana podia tomar).

Os compradores foram os que mais se deixaram levar pelo medo: receosos com os aumentos progressivos dos preços e, mais ainda, com uma possível escassez de petróleo, passaram a acumular petróleo desesperadamente. Companhias petrolíferas, usuários industriais, servidores públicos, motoristas. Todos compartilhavam do mesmo medo e tiveram a mesma atitude: conseguir petróleo além do que era realmente preciso. Isso ocasionou uma demanda extra de 3 milhões bpd que, somada a perda de 2 milhões bpd do petróleo iraniano, fez que com o mercado sofresse uma perda de 5 milhões bpd (10% do consumo). “Em suma, as compras geradas do pânico para formar estoques mais que

dobraram a escassez real, alimentando em seguida o próprio pânico. Esse foi o mecanismo que elevou o preço do barril de US$ 13 para US$ 34” (YERGIN, 2009, p. 778).

Uma demonstração de quanto o medo estava tomando conta do mercado petrolífero mundial foi invocação em massa da cláusula force majeure (força maior, também chamada de “Ato de Deus”) no início de 1979 – temerosos com uma possível falta de petróleo, as empresas começaram a cancelar seus contratos de fornecimento de petróleo. A 1ª a fazer isso foi a British Petroleum, companhia petrolífera mais afetada pela crise no Irã (45% de seu petróleo era extraído daquele país). Antes da crise, a BP obtinha petróleo muito mais que o necessário e por isso vendia esse excedente, tanto para outras empresas como para refinadores independentes. Porém, com a crise, a empresa deixou de ter essa capacidade extra e cancelou vários contratos através da force majeure. A partir daí, houve um efeito dominó. Todas as outras empresas fizeram o mesmo, pois além de serem afetadas pelos cortes do Irã e da BP, foram tomadas pelo pânico. Com isso, vários refinadores independentes ficaram subitamente sem petróleo (principalmente o Japão, que comprava 20% do seu petróleo do Irã). O resultado: companhias (privadas e estatais) e refinadores independentes de vários países não tiveram outra saída a não ser entrar no mercado de petróleo à vista.

Esse mercado – conhecido como “Mercado Roterdam” – que até então não tinha expressão (em 1978, correspondia a apenas 4% do mercado total de petróleo), começou a ser o centro das negociações. Consequentemente, os preços alavancaram: em fevereiro de 1979, os preços no mercado à vista eram o dobro dos oficiais. Diante do boom do mercado à vista, os exportadores de petróleo viram, mais uma vez, uma oportunidade de lucrarem ainda mais. Assim, passaram a acrescentar bônus aos preços oficias dos carregamentos que possuíam contratos de longo prazo. E, paralelamente, passaram a invocar a force majeure e cancelaram vários contratos de longo prazo, para vender petróleo à vista.

No início de março/1979, a produção do Irã começou a se estabilizar e o petróleo desse país começou a voltar ao mercado. Com isso, os preços à vista recuaram e se aproximaram dos preços oficiais. Mas como relatou Yergin, (2009, p. 780), “o pânico e a competição febril do mercado haviam adquirido vida própria”. As dúvidas quanto à estabilização da produção iraniana começaram a surgir, juntamente com rumores de que vários países da OPEP diminuiriam suas produções. No final de março, com os preços à vista 30% mais caros, os países da OPEP se reuniram. Após a reunião, ficou decidido que cada país poderia acrescentar taxas e bônus nos preços oficiais “a seu bel-prazer” ou, nas palavras de Yamani, a partir dali era “cada um por si” (YERGIN, 2009, p. 780). O ministro árabe estava certo: os produtores começaram a disputar os maiores lucros, vendo quem

70 conseguia vender petróleo pelo preço mais alto. Aliado a isso, havia a busca frenética dos compradores por fornecimento. A situação do mercado de petróleo em meados de 1979 pode ser resumida por um relato de um coordenador de suprimentos da Shell:

Ninguém controlava nada. Nós só brigávamos pelo óleo. Em todos os níveis, tínhamos a sensação de que era preciso comprar agora, qualquer que fosse o preço era bom se comparado com o que custaria amanhã. Tínhamos que dizer „sim‟ ou fracassaríamos. Essa era a psicologia do comprador. Por piores que fossem as condições do nosso ponto de vista, amanhã seriam ainda mais terríveis. (YERGIN, 2009, p. 781)

Para piorar a situação do mercado petrolífero mundial, jovens iranianos fanáticos – partidários de Khomeini – invadiram a embaixada dos EUA em Teerã em 04/11/1979, fazendo 50 americanos reféns. Esse ato teve como principal motivador o exílio que o governo dos EUA fornecera, em outubro, para o xá Mohammed Pahlavi. Segundo Yergin (2009), Khomeini sabia do plano dos “estudantes” (como os jovens iranianos ficaram conhecidos) e, mais ainda, o encorajou – afinal, seu “ódio ao xá era comparável apenas ao horror que devotava aos Estados Unidos, que considerava o principal elemento de apoio ao regime de Pahlavi” (YERGIN, 2009, p. 764). O governo dos EUA reagiu ao ataque à embaixada embargando as importações de petróleo do Irã, além de congelar todos os bens iranianos. Em retaliação, o Irã proibiu a exportação de petróleo para os EUA e qualquer companhia americana. As atitudes dos 2 governos causaram uma redistribuição de petróleo no mundo, o que serviu para aumentar o pânico e, consequentemente, os preços – em determinadas situações, o petróleo passou a ser vendido por US$ 50 o barril.

No final de dezembro/1979, houve a 55ª reunião da OPEP. Reunidos em Caracas, os ministros do petróleo estavam extasiados com os preços do petróleo e objetivavam aumentá-lo ainda mais. Uma exceção era a Arábia Saudita. Os sauditas estavam temerosos com o rumo que a situação estava tomando e com as conseqüências que poderiam ocorrer, como perda de controle sobre o mercado e até uma grave crise econômica mundial. Assim, defendiam a diminuição e estabilização dos preços – estavam aumentando sua produção para forçar uma baixa nos preços, o que não estava ocorrendo. Na reunião, Yamani reiterou aos outros ministros o ponto de vista da Arábia, advertindo que a demanda estava diminuindo e que uma saturação poderia ocorrer em breve. Porém, não foi levado a sério. Os exportadores estavam confiantes de que a demanda aumentaria cada vez mais, possibilitando o aumento dos preços e, consequentemente, dos seus lucros. Nas palavras de Maugeri (2006, p. 124), “estavam convencidos de que os preços do petróleo poderiam desafiar a lei da gravidade enquanto não houvesse alternativa econômica para o petróleo”. Após a reunião, a maioria dos países aumentou novamente os preços do petróleo. Para Yergin (2009, p. 798), esse “foi o momento que os exportadores perderam contato com a realidade do mercado”.

Também no final de 1979, vários acontecimentos ocorreram no Oriente Médio, motivados pelo ódio aos EUA e ao Ocidente, como a tomada da Grande Mesquita de Meca por 700 fundamentalistas armados e os protestos xiitas na região petrolífera de Al-Hasa, na Arábia Saudita. Além disso, houve a invasão do Afeganistão pela União Soviética no final de dezembro/1979, cujo principal alvo era o Golfo Pérsico e suas gigantescas reservas de petróleo (MAUGERI, 2006) – “a primeira incursão em larga escala das forças militares soviéticas fora do bloco comunista desde a 2ª Guerra Mundial” (YERGIN, 2009, p. 795).

Diante de todos esses fatos, em janeiro/1980 o presidente Carter, em seu discurso anual The State of the Union, “vinculou o petróleo e a segurança do Golfo Pérsico em 2 parágrafos-chave” (FUSER, 2008, p. 139). No 1º parágrafo, o presidente reiterou a importância daquela região para o mercado petrolífero mundial:

A região que agora é ameaçada pelas tropas soviéticas no Afeganistão é de grande importância estratégica. Ela contém mais de 2/3 do petróleo exportável no mundo. O esforço soviético de dominar o Afeganistão trouxe as forças militares soviéticas a uma distância de 300 milhas do Oceano Índico, perto do Estreito de Hormuz, por onde passa a maior parte do petróleo do mundo. (CARTER, 1980 apud FUSER, 2008, p. 140)

No 2º parágrafo, anunciou a postura dos EUA em relação a situação, o que ficou conhecido como a Doutrina Carter:

Vamos deixar absolutamente clara a nossa posição: qualquer tentativa de uma força externa de obter o controle da região do Golfo Pérsico será considerada um ataque aos interesses vitais dos Estados Unidos da América, e esse ataque será repelido por todos os meios necessários, inclusive a força militar. (CARTER apud FUSER, 2008, p. 140)

Em abril/1980, diante do impasse da crise dos reféns no Irã, o presidente decidiu que os EUA interviriam militarmente. Assim, foi planejada uma operação de resgate: 8 helicópteros e 6 aviões de transporte Hercules C-130 seriam utilizados para que as forças militares americanas retomassem o controle da embaixada e libertassem os reféns. Entretanto, a missão foi abortada antes mesmo de os militares chegarem na embaixada, pois vários problemas ocorreram no caminho devido as condições climáticas: 3 helicópteros tiveram problemas mecânicos e outro se perdeu numa tempestade de areia e colidiu com um avião C-130, explodindo ambos e matando 8 soldados americanos (MAUGERI, 2006). A operação (denominada “Garra da Águia”), apesar de ter fracassado, foi a primeira intervenção militar norte-americana efetiva no Golfo Pérsico e “inaugurou uma nova era: o emprego direto da força militar norte-americana, exatamente como propõe a Doutrina Carter” (FUSER, 2008, p. 153).

A tentativa da operação de resgate e seu fracasso, juntamente com a queda da produção iraniana, agravaram o pânico no mercado petrolífero mundial. Em junho/1980, os

72 países da OPEP se reuniram novamente. A Arábia Saudita mais uma vez tentou convencer os outros países a abaixarem e estabilizarem os preços (desta vez com o apoio do Kuait), e mais uma vez fracassou. O preço médio do barril estava em US$ 32, quase 3 vezes o preço de meados de 1978, e o mercado já dava sinais de saturação: os estoques das empresas estavam cada vez maiores e a demanda estava diminuindo.

Entretanto, o mercado de petróleo estava prestes a sofrer uma crise de proporções inéditas e históricas.