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Alexander von Humboldt (1769-1859) foi um daqueles homens considerados “além do seu tempo”. Sua história de vida dá testemunho a sua magnitude intelectual; transitou por várias correntes do conhecimento em busca de uma resposta à sua visão holística do mundo. Em relação à obra de Humboldt, a mesma encontra-se estruturada a partir de um contexto enraizado simultaneamente em ideais positivistas e romântico em relação à natureza. Humboldt chegou a considerar os seus trabalhos como sendo uma Filosofia da Natureza. Ou seja, se havia uma visão holística da natureza por parte dos românticos, Humboldt buscou conciliá-la em seus trabalhos através de demonstrações empíricas, tal concepção idealista da harmonia universal da natureza concebida como um todo único, composto de partes intimamente relacionadas num todo harmonioso movido por forças internas. CAPEL (2008), tem a seguinte opinião:

Na introdução da Informação histórica da viagem às regiões equinociais do Novo Continente diz: ―Havia-me proposto um duplo fim na viagem cuja informação histórica publico agora. Desejava que fossem conhecidos os países que visitei e recolher fatos que lançassem luz sobre uma ciência apenas esboçada e muito vagamente designada com os nomes de Física do Mundo, Teoria da Terra ou de Geografia Física. De ambos os objetos pareceu-me mais importante o segundo (...) Preferindo sempre o conhecimento dos fatos isolados, ainda que novos, o do encadeamento dos fatos observados a longo prazo, parecia-me muito menos interessante o descobrimento de um gênero desconhecido que uma observação sobre as relações geográficas dos vegetais, sobre a migração das plantas sociais, sobre o limite de altitude a que se elevam seus diferentes grupos rumo ao cume das montanhas. (CAPEL, 2008, p. 14)

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De acordo com as informações de Helferich (2004), Humboldt estudou e divulgou as chamadas culturas pré-colombianas, principalmente as dos incas e astecas. Helferich (2004), acrescenta ainda que “Humboldt pusera a nu um continente selvagem e desconhecido, regressando com histórias fabulosas, plantas e animais estranhos e novas idéias a respeito da natureza”. Talvez um de seus maiores desafios em termos intelectuais tenha sido o seu intuito em combinar mundos aparentemente contrários no universo dos conceitos. Possuía um grande interesse por variados tipos de conhecimentos, pois, buscava através deles uma teoria que unificasse as disciplinas e desse uma explicação completa das forças naturais. Segundo Vitte (2010), Humboldt tem grande contribuição em termos de sistematização do conhecimento geográfico:

A partir destes trabalhos, fortemente marcados por informações sistematizadas, a obra de Alexander Von Humboldt, começará a gerar uma nova perspectiva metodológica que comporá, a partir de então, todos os seus trabalhos e que influ- enciará a formação da Geografia e das demais Ciências da Terra: Humboldt institui o valor das medidas e das atribuições numéricas como metodologia aplicada à compreensão da natureza, alinhando-se assim aos pressupostos gerais do racionalismo de cunho newtoniano na ciência. Pois passa a considerar que os números refletem matematicamente uma ordenação disposta à natureza. É a partir dessa concepção que se torna possível uma série de sistematizações, operadas no Essai sur la géographie des plantes, Le voyage aux régions equinoxiales du Nouveau Continent, Ansichten der Natur e mesmo no Kosmos. (VITTE, 2010, p. 182)

Além da grande contribuição em termos de estudos sistematizados, observa-se que a questão da pintura paisagística da natureza é tratada em primeiro plano por Humboldt. De acordo com Vitte (2011):

Na “construção” da idéia de paisagem, a inserção dos conceitos como a forma de olhar a natureza, de apreciar o belo e sublime, vem somar com a representação geométrica para pintura de paisagem e formação do conceito para as ciências geográficas. O sublime passa a ser padrão estético da “forma de olhar” e representar o mundo externo. (VITTE, 2011, p. 79)

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Pode-se observar nos escritos de Humboldt um domínio em relação aos relatos científicos, descritos de maneira pouco sensível, incorporando a eles uma manifestação viva da natureza. O seu método de relatar as situações vivenciadas no cotidiano, através de pinturas das paisagens e os escritos provenientes de suas observações, culminava na valorização tanto artística, quanto científica. Faz-se oportuno apresentar uma de suas falas em Quadros da Natureza (1965):

A vida de um pintor não seria bastante para reproduzir, ainda que se cingisse a um pequeno espaço de terra, as magníficas orquídeas que adornam os vales profundos dos Andes e do Peru.”.(HUMBOLDT, 1965 p.293)

Somado a isso, Ricotta (2000) considera que “O decisivo na ciência de Humboldt é a intersecção estabelecida entre dois modelos científicos: o modelo da descrição e o da especulação.”. (RICOTTA, 2000, p. 99). Apesar de seu interesse múltiplo, sonhou sempre com uma teoria que unificasse as disciplinas e desse uma explicação completa das forças naturais. Isso pode ser observado logo na primeira página do seu livro O Cosmos.

Ensaiando, depois de uma ausência suficientemente longa de minha pátria, desenvolver o conjunto dos fenômenos físicos do globo e a ação simultânea de forças que animam os espaços celestes eu experimento duas apreensões diferentes. De um lado, a matéria de que eu trato é tão vasta e tão variada, que eu temo abordá-la de uma maneira enciclopédica e superficial; de outro, devo evitar fatigar o espírito com aforismos que só ofereceriam generalidades sob formas áridas e dogmáticas. A aridez nasce frequentemente da concisão, enquanto uma muito grande multiplicidade de objetos que se pretende compreender de uma só vez conduz a uma falta de clareza e de precisão no encadeamento das ideias. A natureza é o reino da liberdade e para pintar vivamente as concepções e os prazeres que faz nascer um sentimento profundo da natureza é preciso que o pensamento possa se revestir livremente assim dessas formas e dessa elevação da linguagem, que são dignas da grandeza e da majestade da criação.(HUMBOLDT, 1997 apud RICOTTA, 2003, pg.60).

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Somado a isso, Vitte (2007) nos informa que “a partir de Humboldt a representação pictórica ou cartográfica da paisagem passa a ser sinônimo de estudo científico, em que a paisagem é a própria representação da natureza”. Ricotta (2003) aponta que “Humboldt traz, em sua produção cientifica para descrever a Natureza, uma forma de arte e estética romântica para atingir um estado estético e objetivo”. (RICOTTA, 2003, p. 63). Estas questões ilustrativas dos fenômenos da natureza e das paisagens concebidos por Humboldt estão presentes também em seus escritos filosóficos. De acordo com as declarações de Capra (1996), seu "hábito de ver o Globo como um grande todo levou Humboldt a identificar o clima como uma força global unificadora e a reconhecer a co-evolução dos sistemas vivos, do clima e da crosta da Terra”. Na opinião de Ricotta (2003), “a busca e todo esse cuidado tanto na escrita quanto no fato de representar através de imagens pictóricas está ligada à tentativa de provocar sensações que permitam uma série de ideias e pensamentos”. (RICOTTA, 2003, p. 65). Ao pesquisar a respeito, fora encontrado em um de seus textos que trata sobre o problema da estética da natureza, Humboldt (2004), a seguinte passagem:

A Natureza, considerada por meio da razão, quer dizer, submetida em seu conjunto à ação do pensamento, é a unidade na diversidade dos fenômenos, a harmonia entre as coisas criadas que diferem por sua forma, por constituição e pelas forças que as animam; é o Todo animado por um sopro de vida. A realização mais importante de um estado racional da Natureza é apreender a unidade e a harmonia existentes nesta imensa acumulação de coisas e forças; assumir com o mesmo interesse tanto os resultados das descobertas dos séculos passados como o que se deve às investigações dos tempos atuais e analisar as características dos fenômenos sem sucumbir sob sua massa. Penetrando nos mistérios da Natureza, descobrimos seus segredos e dominando pela ação do pensamento os materiais recolhidos mediante a observação, é como o homem pode mostrar-se mais digno de seu alto destino. (HUMBOLDT, 2004, p. 136)

Ao analisar a citação acima, observa-se que a concepção humboldtiana sobre a relação homem e a manifestação dos fenômenos da natureza encontra similaridade ou influência advindas dos escritos do Kant e do Goethe, sobre a forma representativa da natureza, já trabalhado por nós no segundo capítulo deste trabalho. Somente para

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relembrar, Kant interpreta a forma da natureza como um significado estético e transcendental. Goethe segue esta mesma idéia kantiana ampliando-a como portadora sintética do cosmos e ao mesmo tempo, pela experiência sintética. Ou seja, as idéias sobre forma dos três pensadores se entrelaçam a partir de uma possível estética transcendental da natureza e sua relação de sujeito em relação ao homem. Segundo Vitte (2009):

A entrada da concepção teleológica levou Kant a definir a natureza como uma unidade sistemática que possui uma função no domínio do julgamento reflexivo. A natureza passa a ser tomada como totalidade (In-bergriff) de objetos e formas, uma Naturwissenschaft, que dentro do juízo reflexivo pode ser considerada como uma Naturlehre, mantendo assim uma unidade entre a descrição e a história da natureza. Nesse jogo, Kant é levado a desenvolver a noção de arqueologia da natureza, concepção considerada importante para se entender complexa vida orgânica e as transformações de suas formas. (VITTE, 2009, p. 13)

Para melhor esclarecer esta questão, apresenta-se uma outra passagem do “O Cosmos de Humboldt.” Helferich (2004):

(…) Desde o momento em que o homem, ao interrogar a Natureza, não se limita à observação, mas articula fenômenos sob determinadas condições, desde que recolhe e registra os fatos para estender a investigação para além da curta duração de sua existência, a Filosofia da Natureza se despoja das formas vagas que a caracterizava desde sua origem; adota um caráter mais sério, confronta o valor das observações, já não adivinha, combina e raciocina. (HELFERICH, 2004, p.136)

Diante do exposto, observamos que há uma interação envolvendo homem e natureza, diferente das teorias cartesianas, expostas ainda no primeiro capítulo desta dissertação, em que homem e natureza estão separados e, a busca em sobrepor o homem em relação à natureza é uma constante. O distanciamento de Humboldt em relação às idéias mecanicistas de Descartes estão presente em vários momentos dos seus escritos, podemos perceber isso através de uma outra passagem, Helferich

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(…) A tentativa de decompor em seus diversos elementos a magia do mundo físico está cheia de riscos, porque o caráter fundamental de uma paisagem e de qualquer cenário importante da Natureza deriva da simultaneidade de idéias e de sentimentos que suscita no observador. O poder da Natureza se manifesta, por assim dizer, na conexão de impressões, na unidade de emoções e sentimentos que se produzem, de certo modo, de uma só vez. Se queremos detectar suas origens parciais, é preciso recuar por meio da análise à individualidade das forças... (HELFERICH, 2004, p. 137)

De acordo com o conteúdo exposto acima, entendemos que o Humboldt semelhante a Kant, Goethe e Schopenhauer, possuía uma visão do todo por intermédio de uma inter-relação das partes. Ou seja, através desta concepção, a forma da natureza só poderia ser compreendida pelo homem a partir de um processo ou ação participativa e dependente em relação ao universo. Tudo isso, embasado numa estética transcendental da natureza. Humboldt traduz esta visão em suas principais obras: Geografia das Plantas (1807), Quadros da Natureza (1809) e o Cosmos (1845).

Em Quadros da Natureza (1965), Humboldt faz a seguinte observação sobre a natureza, “na descrição da natureza os dados e fatos permanecem isolados, sendo necessários muitos esforços para reuni-los em grupos, constituindo um todo capaz de fornecer um real conhecimento sobre os aspectos naturais”. Isso revela a sua preocupação com a tarefa de observar e transmitir uma descrição que ao mesmo tempo traçasse uma visão panorâmica e organizada dos elementos da natureza, além da contribuição historiográfica. Na opinião de Humboldt, “o grande problema da física do mundo é determinar a forma destes tipos, as leis dessas relações, os laços eternos que relacionam os fenômenos da vida e os da natureza inanimada.” (Humboldt, apud, CAPEL, p.15, 2008). Capel (2008) realiza a seguinte análise sobre as concepções de Humboldt, “a gênese desse projeto intelectual humboldtiano deriva certamente da convergência de três correntes de pensamento: duas delas científicas – a botânica e a geognósia – e uma terceira de caráter filosófico e literário – o idealismo e o romantismo alemão”. (CAPEL, 2008, p. 16). Capel (2008) considera ainda que:

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Este sentimento da natureza e da paisagem reflete-se em toda a obra de Humboldt, porém aparece vivo, sobretudo em seus Quadros da Natureza, publicados primeiramente em alemão em 1808, obra na qual expõe literariamente, para um público amplo, o resultado de seu trabalho científico na América. A obra está inspirada em outra de Georg Forster, o companheiro de sua viagem europeia de 1790, Quadros do Baixo Reno (1791-1794), a qual foi considerada, apesar de sua forma de diário, outro claro precursor do método geográfico regional 29. Assim, através de Forster, de Goethe e da literatura pré- romântica, o sentimento da natureza foi elevado por Humboldt a uma clara expressão científica e difundido, por seu grande prestígio, a um público amplo. (CAPEL, 2008, p. 20)

Portanto, observamos ao término deste capítulo, o quanto as ideias sobre a forma da natureza advindas de Kant, Goethe e Schopenhauer, conseguiram influenciar as considerações do Alexander Von Humboldt. Através dos seus experimentos, buscava explicar, ou dar respaldo à visão holística da natureza concebida por seus antecessores alemães. A discussão passa também pelo crivo da relação natureza fenomênica e as suas conseqüências em nível de geografia. Verifica-se nos trabalhos de Humboldt, uma funcionalidade alimentada por contribuições artísticas, científicas e culturais. Isso concorre positivamente para a amplitude dos seus relatos geográficos que servirão de base para a consolidação da Geografia em nível de ciência no início do século XIX. Segundo Helferich (2004):

O fato é que Humboldt ajudou a criar o mundo tal como o conhecemos, e sua influência é sentida em todo o planeta, mesmo onde seu nome não é lembrado. Produto de uma rica tradição cultural que tem origem nos antigos gregos e abrange os titãs tão díspares do Iluminismo como Francis Bacon, Isaac Newton, René Descartes e Immanuel Kant, Humboldt passou essa tradição a seus próprios sucessores na ciência, incluindo Charles Darwin, Albert Einstein, Max Planck e Edwin Hubble. (HELFERICH, 2004 p. 24)

Desta forma, Humboldt significa um dos exemplos mais realista no que diz respeito à teoria de que a Geografia tem em sua gênese uma contribuição significativa

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em termos de conhecimentos advindos das mais diversas áreas do saber humano, destacando de imediato aqueles de envergadura filosófica (física e química) e naturalista, a exemplo da biologia. Os princípios filosóficos da natureza trabalhados por Humboldt, voltam-se à compreensão de tudo aquilo que age internamente no universo, possibilitando o advento de uma possível hermenêutica dos fenômenos naturais. Na concepção humboldtiana, a natureza se apresenta como sujeito do mundo e não seu objeto. Com isso, o pensamento de Alexander Von Humboldt representa uma grande contribuição à geografia moderna, somado a outras linhas do conhecimento científico. No capítulo seguinte, estaremos trabalhando de maneira acentuada, através de várias passagens e comentários das obras de Kant, Goethe e Schopenhauer, buscamos com isso argumentar sobre de que forma estes pensadores influenciam Humboldt na composição dos seus princípios geográficos.

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