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Schopenhauer, trabalha em determinado momento do seu pensamento filosófico, numa busca para distinguir o problema do fenômeno e a coisa-em-si (Ding an sich), apresentados por Kant. Lembrando que, como pode se observar no tópico anterior deste capítulo; Kant, ao contrário da filosofia clássica do seu tempo, julgava que a coisa-em-si (aquilo que existe em si mesmo), não poderia representar um problema no plano do conhecimento científico, ao contrário dos fenômenos, que se apresentam aos nossos olhos. Desta forma, Kant afirmara que poderíamos somente ter conhecimento pleno, ou experienciar, somente aquilo manifestado pela natureza através das “formas a priori da sensibilidade”. Que seriam representadas pelo “espaço e o tempo” e pelas “categorias do entendimento”. Assim, Schopenhauer em seu tratado O Mundo como Vontade e Representação (1980), analisa o mundo da forma como ele se apresenta à consciência humana. A partir, como já dissemos, das formulações kantiana sobre a forma da natureza, apresentada ao conhecimento humano. Entretanto, Schopenhauer, mesmo influenciado diretamente pelas concepções de Kant, sobre a diferença envolvendo os fenômenos e a coisa-em-si, irá romper, a exemplo do que fez com o Goethe sobre a teoria das cores, em termos de idéias como o seu grande “mentor filosófico”. Isso porque Schopenhauer adotará uma nova forma de interpretar o mundo dos fenômenos definido por Kant (1983), através das suas formas a priori da sensibilidade e as categorias do entendimento. O caminho trilhado por Schopenhauer inicialmente remete-se a uma possível realidade exterior e à consciência humana. Segundo Schopenhauer (1980):

Tais idéias, portanto, se manifestam em indivíduos e particularidades inumeráveis, comportando-se como modelos para estas suas imagens. A multiplicidade de tais indivíduos é concebível unicamente mediante o tempo e o espaço, seu surgir e desaparecer unicamente mediante a causalidade, em cujas formas reconhecemos somente as diversas modalidades do princípio último de toda finitude, toda individuação, forma geral da representação, tal como esta se dá na consciência do indivíduo como tal. (SCHOPENHAUER, 1980, p. 05)

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Observa-se nesta passagem que, até este ponto Schopenhauer concede ao espaço e ao tempo, assim como fora concebido nas idéias kantianas de formas a priori, Schopenhauer os concede a capacidade de filtrarem e interpretarem o mundo representativo. Na concepção schoperauriana a noção do conhecimento possui alguns limites que nos incapacita de conhecer o mundo como ele é em sua essência. É porque só o conhecemos por meio das formas a priori do espaço e do tempo e sob a categoria da causalidade que não podemos apreender nada que não esteja inscrito nestas formas que não seja objeto da experiência. Com isso, segundo Schopenhauer (1980), “do mundo conhecemos apenas seu fenômeno ou, a representação”. (SCHOPENHAUER, 1980, p. 06). Em nível de complemento, para Vitte (2010):

Assim como na Estética Transcendental tudo o que é dado na experiência se submete à intuição espaço-temporal, da mesma maneira, na Analítica, se colocam as representações sob o regime das leis do entendimento. Temos disso que é necessária aqui uma ligação entre a representação dada à intuição e a as categorias do entendimento. (VITTE, 2010, p. 107)

A partir da leitura do texto O Mundo como Vontade e Representação (1980), observamos que Schopenhauer em várias passagens sinaliza caminhos percorridos por Kant, em sua busca por explicar a relação da “coisa-em-si” e o “mundo dos fenômenos”. Schopenhauer, por sua vez faz questão de explicitar a sua atitude em traçar meios diferentes dos utilizados por Kant, creio ser oportuno destacar uma outra passagem onde Schopenhauer trata de deixar isso claro:

(…) Espero ter sido bem sucedido no livro precedente no formar a convicção de que é denominado coisa em si na filosofia de Kant, apresentado em doutrina sobremodo importante, porém obscura e paradoxa, sobretudo devido à maneira pela qual Kant a introduziu, concluindo do efeito para a causa, era encarado como ponto conflitante, e até mesmo como o lado débil de sua filosofia, que isto, assim pretendo, quando atingido pelo caminho bem diverso por nós percorrido, nada mais é do que a vontade, na esfera deste conceito ampliada e determinada do modo indicado. (SCHOPENHAUER, 1980, p. 06)

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Diante do exposto, observa-se que Schopenhauer rompe bruscamente com o seu grande inspirador intelectual, frisamos isso em parágrafo anterior deste tópico, a questão em pauta diz respeito à representação primeira do mundo; ou melhor dizendo, na concepção de Kant, a “coisa-em-si” transcende o entendimento da racionalidade, pois a mesma se localiza num ponto em que se torna inacessível ao conhecimento humano, este referencial viria s ser classificado por Kant como “síntese dos dados da intuição sensível”, para que fosse possível ocorrer tal ato do pensamento, faz-se necessário a intervenção das “categorias a priori do entendimento”. Por outro lado, Schopenhauer irá desenvolver um argumento extremamente incisivo quanto à funcionalidade da “coisa-em si” definida por Kant; para tanto, Schopenhauer resolveu investigar dentro do plano metafísico a “coisa-em-si” kantiana, traduzindo-a através do termo vontade, que segundo Schopenhauer (1980), seria a “raiz metafísica da realidade”. Sabemos que, em Kant a relação sujeito-objeto se traduz a partir da relação fenômenos-coisa-em-si. Em Schopenhauer (1980), “a experiência interna também revela ao individuo que ele é um ser que se move a si mesmo, um ser ativo cujo comportamento manifesto expressa diretamente sua vontade”. Neste ponto observamos mais uma similaridade na questão da forma representativa trabalhada nas idéias dos pensadores. No entanto, as diferenças em nível de opiniões transparecem constantemente no texto de Schopenhauer (1980), exemplo, “se as representações têm sua fonte no entendimento, elas são intuitivas; se, de outro modo, elas são extraídas de outras representações por meio da faculdade da razão, elas são abstratas: são os conceitos”. A partir deste ponto de vista, Schopenhauer trata de realizar uma divisão em quatro classes representativas. Sendo que, as provenientes do entendimento, “intuitivas”, ele as subdivide em três classes, juntando-as às “abstratas”. Além disso, Schopenhauer tratou de reunir algumas normas que determinam cada classe a priori, dentro de um sistema denominado “princípio da razão suficiente”. As bases deste princípio utilizado por Schopenhauer encontra suas origens nos trabalhos de Leibniz, esse tentou estabelecer uma distinção entre princípios lógicos do conhecimento (representações abstratas) e princípios ontológicos (representações intuitivas); mas, assim como ocorrera em relação a Kant, houve uma discordância por parte de

35 Schopenhauer em termos de classificação.

Sendo assim, neste segundo capítulo, a questão da forma apresentada através das considerações de Kant, Goethe e Schopenhauer consegue reafirmar o que nós já havíamos chamado a atenção no final do primeiro capítulo, no que diz respeito à composição da forma em nível físico e metafísico. Observamos que, neste segundo capítulo, mesmo o problema da forma sendo trabalhado por Kant, Goethe e Schopenhauer, a partir das manifestações fenomênicas da natureza, vale lembrar que tais considerações reportam-se às considerações já trabalhadas por Aristóteles e Descartes sobre a relação homem e natureza; porém, a diferença se localiza na composição de que a natureza é trabalhada como um todo, inclusive na absorção do homem. Tais concepções traduzidas a partir das idéias genéricas de Kant sobre uma estética da natureza e comungadas por Goethe e Schopenhauer, irá ganhar respaldo e influenciar fortemente a composição das teorias sobre o mundo de Alexander Von Humboldt, conseqüentemente as suas considerações geográficas ganharão contornos a partir destas concepções de natureza da filosofia da natureza concebida por estes alemães. Isso será trabalhado por nós no próximo capitulo, onde teremos a oportunidade de verificar o quanto as afinidades de idéias sobre a forma da natureza estão vivamente presentes e interligadas entre este capítulo e o próximo.

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