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A filosofia crítica de Kant (1996), está dividida em: “teórica (domínio da natureza) e prática (domínio da liberdade)”. A primeira tem garantida sua condição de possibilidade pelo entendimento que dá à priori um princípio para faculdade do conhecimento atuar na natureza. E a segunda tem garantida sua condição de possibilidade pela razão que dá à priori um princípio para a faculdade de apetição atuar no domínio da liberdade. Assim, faz-se oportuno remeter-se ao seu método proposto em sua Estética Transcendental, analisado da seguinte maneira por Leite (2008):

(…) o método pode ser decomposto nas seguintes etapas: a) isolar a sensibilidade com o intento de buscar a intuição empírica; b) separar na intuição empírica tudo que pertence à sensação com o propósito de encontrar a intuição pura, pois esta é o único elemento que a sensibilidade pode fornecer a priori; c) encontrar as formas puras da intuição sensível, são elas o espaço e o tempo. Seguir este método implica efetivar o objetivo da “Estética Transcendental”, pois esta é exatamente o conhecimento dos princípios da sensibilidade a priori. (LEITE, 2008, p.03)

Nos escritos do Kant (1996), pode ser observado ainda que, o termo espaço corresponde ao que ele classificou de forma da sensibilidade a priori. Isso, sendo analisado dentro de um contexto metafísico e também transcendental. Segundo Kant (1996), “a forma da sensibilidade é o que nos permite ter percepções”, ou seja, a forma

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consiste no existir da percepção. O exemplo disso seria o formato das coisas observadas por nós, representadas através de figuras e dimensões espaciais. Assim, o espaço é a forma a priori da sensibilidade e existe em nossa razão antes e sem a experiência. Kant (1996) explicita que:

Em nossa teoria da verdadeira natureza destas duas formas primitivas da sensibilidade ficam resolvidas ambas as dificuldades. Finalmente é óbvio que a Estética Transcendental não pode conter mais do que esses elementos, a saber: espaço e tempo, posto que todos os outros conceitos, que pertencem à sensibilidade, mesmo o de movimento que reúne os dois anteriores, implicam algo empírico, porque o movimento supõe a percepção de algo movível. (KANT, 1996, p. 07)

Ao procurar expor metafisicamente a definição de um conceito de forma representativa, Kant recorre à explicitação detalhada daquilo que o compõe dentro de sua originalidade, entendendo isso como um dado a priori. Concedendo assim ao espaço, o significado de uma representação a priori. Vale lembrar que, a condição de algo vir a ser a priori, em Kant, significa que a coisa ou objeto percebido por nosso sentido externo, necessariamente precisa antes estar na mente antes de qualquer tipo de experiência. Desta maneira, Kant (2010) afirma que:

O espaço é uma representação necessária, “a priori”, que serve de fundamento a todas as intuições externas. É impossível conceber que não exista espaço, ainda que se possa pensar que nele não exista nenhum objeto. Ele é considerado como a condição da possibilidade dos fenômenos, e não como uma representação deles dependente; e é uma representação “a priori”, que é o fundamento dos fenômenos externos. (KANT, 2010, p. 17)

Para chegar a esta dedução, Kant utiliza como argumento metafísico a justificativa de que “não é possível pensar nenhum objeto fora do espaço”, (KANT,1996, p. 05). Com isso, Kant (1996) caracteriza o espaço como uma intuição pura.

Pois a representação do espaço já tem de estar subjacente para certas sensações se referirem a algo fora de mim, e igualmente para eu poder representá-las como fora de mim e uma ao lado da outra e, por conseguinte

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não simplesmente como diferentes, mas como situadas em lugares diferentes. Logo, a representação do espaço não pode ser tomada emprestada, mediante a experiência, das relações do fenômeno externo, mas esta própria experiência externa é primeiramente possível só mediante referida representação. (KANT, 1996, p. 06)

Contudo, o argumento da exposição transcendental é basicamente o mesmo da exposição metafísica, em sua justificativa transcendental, Kant (1996), entende a explicação de um conceito de espaço como o princípio a partir do qual se possa compreender a possibilidade de outros conhecimentos sintéticos a priori. Ele se vale dos princípios geométricos intentando determinar de modo sintético e a priori as propriedades do espaço. Em sua Crítica da Razão Pura (1996), Kant discute o problema do juízo dentro de uma possibilidade de vir a ser tanto a priori, quanto sintéticos. O grande desafio desta explicação kantiana consiste em justificar e convencer de que forma os juízos sintéticos passem a ser a priori. Pois, em Kant (1996), um juízo para se caracterizar sintético é necessário o predicado não estar contido no sujeito enquanto que, um juízo para se caracterizar a priori independe da experiência. Na opinião de Araújo (1993):

Kant identifica o juízo com o pensar. Pensar é, para Kant, "o conhecimento mediante conceitos". E o juízo é "o conhecimento mediato de um objeto". Tanto o pensamento quanto a atividade que gera o juízo (ato de julgar) são habilidades ou poderes que o sujeito humano possui de se relacionar com objetos com a mediação dos conceitos (sempre dados à priori se o conhecimento é necessário e universalmente válido). O sujeito, em ambos os casos, nunca se relaciona diretamente com os objetos, há sempre um conceito que realiza a mediação entre eles (seja este conceito pertencente à intuição ou ao entendimento). Pensar ou julgar não é se relacionar diretamente com o objeto e sim, representá-lo, apreendê-lo sob um conceito dado a priori. Usando uma terminologia jurídica, pensar ou julgar é acusar um objeto de estar submetido a um conceito pré-determinado. (ARAÚJO, 1993, p. 08)

Além do exposto, Araújo (1993) considera ainda que a faculdade do juízo em Kant é o meio que o sujeito humano possui para encontrar um princípio a priori para

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regular a diversidade e a multiplicidade da natureza sob um conceito comum (universal). Ou seja, se for considerado a faculdade do juízo, como igual ao juízo reflexionante, a mesma acaba por funcionar de uma maneira técnica. Kant (1996) pressupõe que a faculdade do juízo é intermediária entre o entendimento e a razão, este princípio significa que a natureza especifica suas leis universais em empíricas em conformidade com a forma de um sistema lógico, em função do Juízo. Isto é, analisada por este prisma, a natureza é regulada por uma lei universal aliada ao poder humano de pensar, tudo isso assegurado pelo juízo. A função da faculdade do juízo, nesse plano, é então satisfazer a razão nessa sua carência, por meio daquilo que Kant (1996) denomina de técnica da natureza. Lembrando que, esta lei universal que regula a natureza é a idéia de que tudo na natureza acontece segundo um determinado fim, como se houvesse uma finalidade na natureza. O filósofo constrói este princípio após verificar e chegar a uma conclusão de que a natureza possui por lei, adquirida a priori pelo entendimento, a garantia de desenvolver qualquer experiência. Funcionando ela como um sistema e não como um mero agregado. É como se um entendimento desse a condição de possibilidade de a natureza funcionar como um sistema, de agir de acordo com uma finalidade. Assim, o princípio a priori que garante que a faculdade do juízo atue de forma universal e necessária é dada por esta própria faculdade no seu ato de refletir, é dada de forma superior. Ernildo Stein (1988) diz em sua abordagem que:

Em Kant,as idéias puras da razão (liberdade, imortalidade, Deus, lei moral) garantem a ação prática do homem, e os conceitos fundamentais são a base do conhecimento empírico-matemático tratado pelo universo do ser. Temos aí, então, razão pura e razão prática (Teoria e Prática), mas estanques ainda, cuja síntese entre ser e dever ser (Prática e Teoria) Kant nunca conseguiu realizar. Temos aí, também, a marginalização do campo estético que, para Kant, não pertencia nem à razão pura nem à razão prática e que foi tratada pelo filósofo alemão, na Crítica do Juízo. (STEIN, 1988, p.104)

A segunda forma da sensibilidade a priori, Kant a concebe como sendo o conceito de tempo. Quanto à explicação metafísica do conceito de tempo, Kant (1996) afirma que ele é forma pura da intuição sensível porque tem que estar subjacente à

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priori para que a simultaneidade ou a sucessão de algo seja dada à percepção. Na sua argumentação transcendental a respeito do conceito de tempo, Kant (1996) acredita que ele é a possibilidade de um conhecimento sintético a priori para a doutrina geral do movimento, pois se essa representação não fosse intuição (interna) a priori, nenhum conceito, seja qual for, poderia tornar compreensível a possibilidade de uma mudança.

Portanto, o espaço e o tempo, acabam sendo constituídos dentro da concepção kantiana, como as duas formas da intuição sensível. Isto por conta destas formas, espaço e tempo, dentro do raciocínio kantiano, pertencerem à nossa organização do pensamento e representarem recursos de possibilidade para pensar os fenômenos em geral. Assim, as formas do espaço e tempo acabam por serem concebidas como realidades subjetivas, ou seja, estão vinculados ao sujeito do conhecimento, mesmo possuindo validade objetiva. Estas teorias kantianas são válidas apenas quando utilizadas no contexto dos objetos dos sentidos. No que diz respeito à noção de forma, Kant (1996) a define:

Toda a representação na qual não há traço daquilo que pertence à sensação chamo pura (em sentido transcendental). A forma pura das intuições sensíveis em geral, na qual todo o diverso dos fenômenos é percebido pela intuição sob certas relações, encontra-se “a priori” no espírito. Esta forma pura da sensibilidade pode ainda ser designada sob o nome de intuição pura. Assim, quando na representação de um corpo eu me abstraio daquilo que a inteligência pensa, como substância, força, divisibilidade etc., bem como daquilo que pertence à sensação, como a impenetrabiidade, a dureza, a cor etc., ainda me resta alguma coisa desta intuição empírica, a saber: a extensão e a figura. Estas pertencem à intuição pura, que tem lugar “a priori” no espírito, como uma forma pura da sensibilidade e sem um objeto real do sentido ou sensação. (KANT, 2010, p. 15)

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Entretanto, segundo a teoria do kantiana, busca-se que o sujeito de maneira geral tenha igual capacidade de representação dos elementos formadores do conhecimento. Faz-se pertinente a fala de Silveira (2010), apontando que:

Kant operará uma ruptura ontológica e epistêmica com a noção de forma, como a herdada da escolástica, fato que não tinha ainda acontecido no século XVIII e que ao contrário, estava revigorado com a filosofia de Leibniz. Para Kant, a forma seria a portadora de uma energia transformativa, o produto de uma transformação da matéria no espaço e no tempo e cuja função ao conhecimento humano seria inicialmente a de produzir um estranhamento e ao mesmo tempo a experiência do empírico. (SILVEIRA, 2010, p. 01)

Vale lembrar que Kant, antes da sua Terceira Crítica do Juízo, carrega ainda em seus escritos sobre os juízos teleológicos guarda uma certa afinidade e aproximação com a filosofia teórica, com o passar do tempo afastou-se por completo. Neste tratado, Kant busca por meio de algumas teorias voltadas à questão do sujeito, somadas a outras presentes em sistemas anteriormente criado por ele, assegurar a possibilidade do Juízo, do pensamento de toda a sua obra. O seu maior desafio nesta empreitada consiste em sua capacidade de criar mecanismos que venham a realiza uma união envolvendo duas esferas: natureza e liberdade. A solução encontrada por Kant, para tentar explicar o problema, seria a garantia da homogeneidade envolvendo os domínios da natureza e da liberdade, a partir da atitude humana de reflexão.

Ao chegar a última década do final do século XVIII, Kant se volta a uma interpretação da forma partindo de um significado estético e transcendental. Ele atribuirá à forma a função de transformar o espaço. Segundo Domingues & Vitte (2010):

Isso significa que, em sua Terceira Crítica, Kant expõe um modelo de inteligibilidade da natureza radicalmente distinto do da Primeira Crítica. Na Crítica do Juízo, a natureza é entendida para além de um mero agregado de formas ou de um amontoado de leis particulares que explicam este ou aquele fenômeno isoladamente; logo, ela é julgada de uma perspectiva substancialmente diferente daquela que correspondia ao uso das categorias, próprio da Crítica da Razão Pura. (DOMINGUES & VITTE, 2010, p. 09)

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De acordo com Vitte (2010), o pensamento geográfico receberá uma grande contribuição advinda das idéias kantiana e que culminará no nascimento da paisagem em nível de categoria de análise da geografia:

Ainda em sua Crítica da Faculdade do Juízo (KANT, 1995) Kant estabelece uma noção importante para o pensamento geográfico nascente e, conseqüentemente, para a fundação da paisagem como uma das categorias de análise da Geografia. Estamos falando do princípio teleológico da natureza, a representação de uma finalidade natural expressa em seus processos e manifestações. (VITE, 2010, p. 09)

O responsável por dar uma maior ênfase a esta teoria naturalista será Goethe, para quem a forma possui simultaneamente o cosmos e a experiência estética, além de manifestar os fenômenos e sua possibilidade de ser estudado pela ciência, esta considerada por Goethe como uma construção artística.

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