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2 A CAMPANHA NEGATIVA NAS ELEIÇÕES

2.2 Campanha negativa: o conceito

2.2.2 As críticas ao conceito

Como se pode perceber a partir da subseção anterior, todas as definições de campanha negativas apresentadas têm como pano de fundo as disputas eleitorais. Essa é a principal crítica necessária a ser feita a essa linha de estudos. São poucos os trabalhos que abordam a questão das campanhas negativas permanentes, ou seja, a ação de agentes políticos, no exercício de seus mandatos regulares, com o objetivo de atingir a imagem de adversários (HECLO, 2000; ROSE, 2012; SCHNEIDER, 2005).

Heclo afirma que, no último quarto do século XX, os partidos norte-americanos tornaram-se mais adeptos de construir estratégias para atacar a legenda rival – considere-se a bipolarização da política norte-americana entre os partidos republicano e conservador. “Ao mesmo tempo, o conflito entre os dois partidos no Congresso tornou-se mais ideologicamente carregado e pessoalmente hostil” (HECLO, 2000, p. 19 e 20)27. Segundo o autor, a penetração do marketing na política contribuiu para manter um clima de campanha adversária permanente, com vistas à obtenção do apoio do público.

26 Conforme será demonstrado no Capítulo 4 deste trabalho, o candidato Aécio Neves também atacou bastante

Marina Silva durante o primeiro turno das eleições de 2014.

27 No original: “At the same time, two-party conflict in Congress became more ideologically charged and

39 Ao analisar a conjuntura do segundo mandato do governo de George W. Bush (2005-2008), Schneider (2005, p. 724)28, afirma que a política norte-americana transformou-

se em um espaço que “parece uma guerra”, com “ataques o tempo todo”. Em ensaio, o autor

apresenta declarações de políticos dos dois partidos em que os representantes assumem o objetivo de atacar incessantemente. Nesse sentido, a tecnologia auxilia a transmitir as

mensagens a seus apoiadores. “Ambos os partidos se concentram em mobilizar suas próprias

forças – seus verdadeiros apoiadores, a quem eles agora podem chegar rapidamente e de forma barata” (SCHNEIDER, 2005, p. 724)29.

Rose (2012) afirma que os partidos políticos canadenses tornaram-se mais frágeis e, por conta disso, passaram a recorrer mais à publicidade como uma forma de promover campanha permanente durante os anos não eleitorais. A consequência disso, segundo o autor, é um aumento da prática de propaganda negativa nesses espaços.

Apesar de não se ter encontrado registros do tema na literatura nacional30, é possível comprovar que há campanha negativa permanente no Brasil. Tome-se como exemplo a fan page do senador Aécio Neves (PSDB-MG), candidato derrotado nas eleições presidenciais de 2014. Durante a semana entre 29 de março e 4 de abril de 2015, foram feitas dez postagens na página do candidato no Facebook. Dessas, sete são facilmente enquadradas na categoria de campanha negativa permanente, que, adaptando-se o conceito original, pode ser tida como a ação de um determinado agente político com o intuito de atingir a imagem de um partido ou representante político rival. Um exemplo é a figura 1 a seguir:

28 No original: It looks like a war”; “all atacks, all the time”.

29 No original: Both parties concentrate on rallying their own forces the true believers, whom they can now

reach quickly and cheaply”.

30 Em pesquisa realizada nas bases de dados do Portal de Periódicos da Capes, da Biblioteca Brasileira Digital

de Teses e Dissertações do Ibict, da Scielo, da Web of Science, do Google Acadêmico, do Academia.edu, da biblioteca da Compós, do diretório de teses e dissertações da Compolítica e nos anais dos principais eventos nacionais de comunicação, ciência política e ciências sociais (BRAGATTO; NICOLÁS; SAMPAIO, 2012), nenhum trabalho brasileiro sobre campanha negativa permanente foi encontrado. Foram feitas buscas pelas expressões “campanha negativa permanente” e “propaganda negativa permanente”.

40 Figura 1 – Postagem da fan page de Aécio Neves em

31/03/2015

Fonte: Neves (2015).

Alguns teóricos também criticam o conceito e as pesquisas sobre campanha negativa. Hansen e Pedersen (2008) afirmam que a maioria das definições expressas na literatura internacional considera apenas ataques a candidatos, o que é próprio do sistema bipartidário norte-americano. Esse cenário não contempla a possibilidade de propagandas negativas contra partidos e outros personagens ligados aos candidatos, que acabam também tendo impacto na desconstrução da imagem do oponente, portanto, não podem ser desprezadas.

Sem se referir especificamente ao conceito de campanha negativa, Verón (1987) pondera que todo discurso político, obrigatoriamente, leva a um enfrentamento, visto que a atividade política, por si só, pressupõe o embate de ideias entre rivais:

A enunciação política parece inseparável da construção de um adversário [...] De certo modo, todo ato de enunciação política, por sua vez, é uma resposta e supõe (ou antecipa) uma resposta [...] Podemos dizer que o imaginário político supõe não menos que dois destinatários: um destinatário positivo e um destinatário negativo. O discurso político se dirige a ambos ao mesmo tempo (VERÓN, 1987, p. 3 e 4)31.

31 No original: “La enunciación política parece inseparable de la construcción de un adversario [...] En cierto

41 Por sua vez, Steibel (2005) critica o fato de algumas definições apresentarem uma classificação dicotômica das mensagens em positiva ou negativa, enquanto outras pesquisas defendem uma concepção trinomial (positiva/negativa/comparativa). Por conta disso, o autor

indaga: “Sem a concordância dos termos em localizar a campanha negativa, como dialogar entre as pesquisas se muitas delas não se referem a um mesmo objeto?” (STEIBEL, 2005, p.

9). Ao mesmo tempo em que é preciso reconhecer a problemática apontada pelo autor brasileiro, esta pesquisa permitir-se-á classificar as mensagens postadas pelos candidatos Dilma Rousseff e Aécio Neves no Facebook apenas quanto à presença de campanha negativa ou não, para depois detalhar a escolha por esse tipo de estratégia. Dessa forma, quando houver mensagens comparativas, o que se investigará é se elas atingem a imagem de um rival ou não, sem necessidade de atribuir a essas postagens uma terceira categoria.

Por fim, Sappir, Sullivan e Venn (2013) apresentam uma série de críticas quanto a uma possível falha metodológica dos trabalhos sobre campanha negativa, os quais desconsiderariam a existência de diferentes níveis de negatividade. Segundo os autores, trabalhos com alta e baixa carga de conteúdo negativo não podem ser enquadrados

conjuntamente, pois isso tornaria a propaganda negativa uma “categoria suspeita” (SAPPIR;

SULLIVAN; VEEN, 2013, p. 523)32. Além disso, quando há tentativas de mensurar a prática

de campanha negativa, os teóricos consideram essas medidas inválidas e não confiáveis. Para sanar a suposta deficiência, eles propõem uma classificação em quatro níveis, dividindo as mensagens em críticas a questões políticas, qualidades, valores e apelos pelo voto. Em seguida, verificam se a mensagem foca no autor ou no rival e calculam o número líquido derivado da subtração entre mensagens positivas e negativas.

Nesta dissertação, opta-se por não se estabelecer uma escala de negatividade, visto que isso poderia deixar a pesquisa por demais subjetiva. Contudo, a fim de que haja um indicador para aferir se os níveis de campanha negativa verificados nesta investigação empírica são altos ou baixos, comparam-se os resultados de uso da estratégia nas fan pages de Dilma e Aécio às médias verificadas por Borba (2015) nas eleições presidenciais de 1989 a 2014, em análise longitudinal dos programas do HGPE na TV nesse período.

Conforme a aludida pesquisa, o percentual médio de ataques nos primeiros turnos ao longo de sete pleitos (1989 – 1994 – 1998 – 2002 – 2006 – 2010 – 2014) atingiu 13%, ao passo que nos segundos turnos a média foi de 21% no cálculo dos cinco pleitos que chegaram decir que el imaginario político supone no menos de dos destinatarios: un destinatario positivo y un destinatario negativo. El discurso político se dirige a ambos al mismo tiempo”.

42 a essa etapa da disputa (1989 – 2002 – 2006 – 2010 – 2014). Considerando-se os dois períodos juntos, o índice padrão de campanha negativa entre 1989 e 2014 no HGPE televisivo presidencial foi de 16% (BORBA, 2015).