• Nenhum resultado encontrado

As definições e a nebulosa, ou constelação, do decrescimento

3.2 Análise dos discursos dos entrevistados

3.2.2 Pontos de convergência

3.2.2.1 As definições e a nebulosa, ou constelação, do decrescimento

Segundo Jean Gadrey, o que ele chama a ‘objeção ao crescimento’ é simplemente a ideia de que “é preciso orientar-se rumo a ‘menos’ : consumir menos, produzir menos, sem abandonar objetivos de viver bem, de buen-vivir, para hoje e talvez ainda mais para amanhã”. E citando André Gorz, ele acrescenta: “menos, porém melhor”. Para Arnaud Diemer, “o decrescimento é um modelo de a-desenvolvimento, que questionava a maneira de pensar o desenvolvimento econômico”; há “fortes ligações entre desenvolvimento sustentável, decrescimento e ecologia política”, apresentando assim “uma crítica do modelo capitalista, do modelo liberal”.

Quase todos os entrevistados fizeram referência – de maneira mais ou menos direta e mais ou menos forte – à diversidade de origens e de leituras do decrescimento. A leitura mais comum seria a do surgimento do movimento pela vertente ecologista (dos Nature writers como disse Arnaud Diemer) e materialista ou tecnicista. Franck-Dominique

49 Serge Latouche fala de « Alain Caillé, Jean-Marie Harribey, René Passet, Alain Lipietz e muitos outros », que se consideram como aderentes às ideias do decrescimento, “embora com algumas matizes”. (LATOUCHE, 2005b).

51

Vivien e Arnaud Diemer não deixaram de sublinhar a “segunda perna” do decrescimento: a crítica culturalista da economia, ou corrente contestatária do capitalismo, que diz respeito a “uma espécie de filosofia política e social” (na qual se inserem Jacques Ellul, Ivan Illich e André Gorz, e agora Serge Latouche, segundo Arnaud Diemer e Franck-Dominique Vivien). De fato, essa vertente de “crítica forte da sociedade” foi a primeira entrada do decrescimento, e a dimensão ambiental veio bem mais tarde.

Nas palavras de Enrique Ortega, “o decrescimento é um projeto político, cultural e ecológico; [...] é uma mudança de rumo da civilização para adotar modos de produção e consumo realmente sustentáveis”, e não pode ser confundido com recessão.

Para Serge Latouche, “o decrescimento não é uma alternativa mas sim uma matriz de alternativas”. Da mesma forma, Franck-Dominique Vivien explicou que sua motivação inicial principal quando se interessou pelo tema era de entender o que podia ser “essa nebulosa, esse mundo do decrescimento”, que abrange coisas diversas oscilando entre aspectos muito técnicos, “engenhariais” (falando em consumos energéticos e materiais, e em emissões), e entre “o que representaria um Serge Latouche, uma espécie de filosofia política, onde tratar-se-ia de indivíduos que se organizassem socialmente de maneira diferente e tentassem produzir, consumir e compartir diferentemente”, da sociedade moderna capitalista. Franck-Dominique Vivien já conhecia a “perspectiva naturalista” do economista Georgescu-Roegen, e depois descobriu a segunda abordagem que é a “crítica culturalista”, na qual se insere Serge Latouche, segundo ele. Arnaud Diemer, que foi colega de Franck-Dominique Vivien nos anos 90, também “entrou [no tema do decrescimento] pela questão ambiental, mas [expliquou] que na época, as pessoas que trabalhavam nisso tinham uma entrada social – de desenvolvimento ou a- desenvolvimento – já que para muito, o decrescimento era uma opção para sair dos modelos de desenvolvimento econômico.” Enquanto Franck-Dominique Vivien qualificou de ‘nebulosa’, Jean Gadrey chamou de ‘constelação’ essas ideias que se referem à objeção do crescimento.

Para Jean Gadrey, as preocupações ecológicas tampouco eram as principais na crítica inicial, embora hoje passaram a sê-lo. Lembrando o jornal mensal La décroissance que nasceu de um movimento antipublicidade, ele especificou que o “tema principal focava nos danos do consumerismo, da adição ao consumo”.

52

Para Fabrice Flipo, existem “cinco correntes – que também correspondem às origens - do decrescimento: ecologista, bioeconômica, antropológica, democrática e espiritual” (FLIPO, 2015). Mas de maneira pragmática, no início da entrevista, ele definiu o decrescimento como: “uma corrente de pensamento, e possivelmente um movimento também, que pensa que o decrescimento do PIB é uma opção interessante e a ser explorada para a nossa situação”. Sublinha que é diferente do pós-crescimento, que não considera o decrescimento do PIB; ou seja, o decrescimento expressa algo preciso, sem fugir de dizer que as consequências de uma mudança de padrões, rumo a um ‘desenvovimento sustentável de fato’, seriam um decrescimento do PIB.

A jornalista Agnès Sinaï também considera que há múltiplas definições possíveis e confessa que ela mesmo se inscreve na linha castastrofista dos decrescentistas. Segundo ela, trata-se da :

Inevitável descida/queda material do mundo em razão dos limites dos recursos e dos limites do espaço atmosférico: o decrescimento é uma forma de descida/diminuição energética e material inevitável. Eu me apoio no Nicholas Georgescu-Roegen, quem para mim é a referência sobre o tema. Por isso penso que o decrescimento é antes de tudo um processo físico, ligado à entropia. [...] Ao mesmo tempo, é uma questão material ligada à entropia, e uma necessidade política de compartilhar o que sobra de recursos para evitar um tipo de caos e proteger a democracia; para evitar a barbárie em período de risco de colapso devido à rarefação de recursos e aos impactos do aquecimento global. Para mim, o decrescimento é uma política da catástrofe. (SINAÏ, 2015).

O professor Carlos Alberto Pereira Silva baseia-se nos verbos -“perenizar, reencantar, reduzir, etc. – para compor a matriz do buen-vivir, definidos por antinomia aos verbos - “apreçar, apressar e descartar” da matriz “convencional” desenvolvimentista.

Emilio Lèbre La Rovere também sublinhou o fato do decrescimento ser decorrente de várias escolas e possuir “várias vertentes e vários níveis”. Foi o único a resgatar a crítica anterior um pouco neomalthusiana – que leva em conta a variável do problema populacional.

Franck-Dominique Vivien, Arnaud Diemer e Sylvie Ferrari são estudiosos de Georgescu-Roegen, e na fala respectiva de cada um, pude perceber esse alinhamento para criticar questões essenciais de modelos de produção. Arnaud Diemer explicou que o início de sua aproximação com o tema do decrescimento foi após um colóquio sobre Georgescu-Roegen, e junto com seus pares, começou a se interessar por “questões de

53

produção - modos e processos de produção”, porque já tinham um olhar crítico frente ao modelo econômico padrão. Até chegar ao questionamento central que seria : “Como, em teoria, mas também em prática, pode-se definir modos de produção e modos de consumo mais qualitativos?”

Por fim, Jean Gadrey disse: “um dos principais interesses desta corrente é de levar a pensar sobre uma dupla alienação: a alienação pelo consumerismo e a alienação pelo trabalho subordinado.” Ou seja, o decrescimento representa uma contribuição pertinente ao “pensamento da alienação ligada ao ‘sempre mais’, tanto do lado da produção quanto do consumo.”