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Contexto e potencial brasileiros

6.2 Sobre o potencial de aceitação dos valores e propostas veiculados

6.2.4 Contexto e potencial brasileiros

Vamos começar por listar os elementos aparentemente negativos, para terminar com as notas que possam trazer um pouco mais de esperança.

Para Enrique Ortega, no Brasil está vigente “o paradigma de neodesenvolvimento – que continua se almejando do crescimento”.

Para Liz Rejane Issberner, o governo brasileiro continua seguindo opções de desenvolvimento predatório – com gigantescas usinas hidrelétricas em terras indígenas; uma autorização à mineradora canadense Belo Sun de atuar na volta do Xingu – prejudicando os biomas nativos e pondo em risco os direitos e a qualidade de vida das populações tradicionais (grupos indígenas, ribeirinhos, quilombolas) (ISSBERNER e LENA, 2017). Ainda persegue a estratégia chamada “catching-up” para driblar o atraso em relação aos países desenvolvidos, justificando assim esse uso excessivo de recursos.

A política brasileira vai na contramão do que seria necessário no antropoceno. Recentemente, [...] a implantação de um modelo de desenvolvimento baseado na expansão do mercado interno e no consumo de massas, demonstrou a opção pelo modelo hegemônico adotado nos países mais avançados, com todos os seus problemas ambientais e sociais (ISSBERNER e LENA, 2017).

Medidas como a isenção de Imposto sobre Produtos Industrializados visavam a manter o mercado automobilístico em alta, sem penalizar os consumidores (nem on construtores), e o governo que absorveu esse prejuízo de não arrecadação de impostos ainda nem exigiu

160 Na cidade do Rio de Janeiro, essa população aumentou de 4,5 mil em 2007 (segundo os dados da Pesquisa

Nacional sobre a População em Situação de Rua, do Ministério do Desenvolvimento Social e combate à fome (BRASIL, 2009)) para uma população estimada a 14,2 mil em 2017 (MERELES, 2017).

161 A Inglaterra e a Irlanda registraram um aumento da população de ‘sem teto’ de 169% (entre 2010 e 2016) e 145% (entre 2014 e 2017) respectivamente – segundo os dados publicados pela FEANTSA (Fédération Européenne des Associations Nationales Travaillant avec les Sans-Abri), e teria aumentado de 50% na França entre 2001 e 2012, segundo os dados da Fondation Abbé Pierre (BOSEN, 2018; FONDATION ABBÉ PIERRE, 2017).

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contrapartida para a diminuição dos danos ambientais (por inovações, por exemplo). A manutenção das indústrias – a indústria automobilística em primeiro lugar –, e dos supostos empregos que dependem delas, continuam prevalecendo em detrimento à promoção dos transportes públicos e à preservação dos comuns ambientais e sociais.

Emilio Lèbre La Rovere apontou um traço da população brasileira dominante a priori, e na contramão da proposta decrescentista: “a maioria da população brasileira quer mais. consumir mais, ter mais recursos, comer mais, quer ir para Orlando”, almejando um aumento de consumo de bens e de serviços de entretenimento.

Num segundo momento, Emilio Lèbre La Rovere também sublinhou a conjuntura de “precarização das relações de trabalho para as gerações mais novas”. Nesse contexto, por solidariedade pela própria família, as pessoas têm tendência a acumular no nível coletivo, da família – mesmo se individualmente, elas não aspirassem a isso – para “ter tranquilidade sobre o futuro de sua família”. É um fenômeno que parece se verificar recentemente no Brasil dentro da classe média, pelo menos, na qual os pais se inseriram no mercado de trabalho numa época mais proveitosa e seus filhos se encontram hoje sem perspectiva de emprego e renda estável.

Quanto à “elite intelectual, que já tem bastante bem resolvida a questão da sobrevivência” (que seja por fonte própria ou pelo acúmulo da família), está acontecendo um fenômeno de só se interessar por diversão – o que resulta no consumo alto de bens e serviços. Ele percebe que esse mesmo fenômeno começa a acontecer também em outras faixas – mais baixas – da população.

Sobre a questão dos programas sociais governamentais, cuja implementação foi reforçada durante os governos do Partido Trabalhista (entre 2003 e 2015), com o Programa Bolsa Família, principalmente, Emilio Lèbre La Rovere entende que “o subsídio que é dado aos grupos sociais de menor renda [...] torna mais eficiente a redistribuição” e assim diminui as desigualdades – o que foi verificado pelas estatísticas oficiais, de maneira macro. Sublinhou que o Estado de bem- estar social, a solidariedade social (pela transferência de renda), é fundamental em países muito desiguais como o Brasil, e outros países em desenvolvimento. Citou o exemplo específico “do recurso [do Programa Bolsa Família, por exemplo] que vai direito para a dona de casa, [como um] ganho extraordinário”. Mas ao aumentar a renda da parcela mais baixa da população, não deva ajudar para o decrescimento do consumo, mas sim reequilibrar outro problema, de desigualdade.

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Peter May mencionou que o IBGE tem um projeto que começaria sobre a iniciativa de PIB Verde (já que seria uma incumbência da ONU). Essa iniciativa transformou-se em lei em setembro de 2017 e o PIB Verde deve ser divulgado anualmente no Brasil. 162

Para Carlos Alberto Pereira Silva, há no Brasil um reforço do altruísmo, em oposição ao individualismo – o que seria um aspecto bastante positivo. Entretanto, todo o país continua intoxicado pelo crescimento, já que é muito difícil sair dessa lógica à qual “somos convertidos, no sentido religioso do termo”. Em 2016 (no momento da entrevista), o país estava passando por um momento bastante complicado – “um processo de retração econômica involuntária” – e no imaginário do crescimento, isso reforça a impressão que deve se retomar o rumo do crescimento a qualquer custo.

Continuando com os traços mais característicos dos Brasileiros, para Peter May “no interior do país, há um potencial de ressurgimento de preocupação com o local, com as raízes, [deseja-se] ficar mais perto das famílias e de suas raízes”, e citou o exemplo do Sertão.” Isso condiz com o valor de convivialidade e de sentimento de pertencimento – pela identificação com o território -, levantados nos discursos decrescentistas.

Por fim, Carlos Alberto Pereira Silva apontou uma especificidade brasileira importante a ser tomada em conta para pensar como desenvolver o país. Segundo ele:

O Brasil tem três temporalidades em um tempo só: a tradição, indígena; a modernidade, inacabada; e a modernidade, com a lógica de supérfluo.

Sempre optou-se pela lógica mimética, de imitação. É preciso que o Brasil se desenvolva por completo, seguindo este caminho – embora o país seja desenvolvido ao meu ver. (PEREIRA SILVA, 2016).

162 O Projeto de Lei da Câmara (PLC) 38/2015 foi aprovado em 20/09/2017. A lei nº 13.493 – pela qual IBGE deverá divulgar anualmente o PIB Verde - determina que o patrimônio ecológico do país também terá peso no Sistema de Contas Nacionais. Além disso, exige que a metodologia para o cálculo do PIB Verde seja amplamente discutida com a sociedade e as instituições públicas, incluindo o Congresso Nacional, antes da criação de um sistema nacional de contas ambientais.., considerando o patrimônio ecológico nacional (BRASIL, 2017; IBGE, 2017).

159 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS