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Bernard Stiegler, o disruptivo: contra o ‘maucrescimento”, em prol de uma

3.2 Análise dos discursos dos entrevistados

3.2.4 Ideias originais ou dissidentes (“fora do eixo”)

3.2.4.2 Bernard Stiegler, o disruptivo: contra o ‘maucrescimento”, em prol de uma

Para Bernard Stiegler, o problema atual é que estamos vivendo “o antropoceno que é uma evolução catastrófica da sociedade e que produz entropia”. A questão reside em: “como fazer para diminuir a entropia, aumentar a neguentropia?”. Embora ele entenda que muitas pessoas que se reivindicam do decrescimento queiram dizer a mesma coisa, para ele não se trata de decrescimento. Na visão dele, o problema central é que “estamos numa sociedade que é baseada na destruição do que Sigmund Freud en 1923 chamava a economia libidinal”. Complementou:

O consumer capitalism é baseado na descartabilidade, no desperdício, porque nos tornamos uma sociedade capitalista que se tornou ultra curtotermista e que só vê o interesse dos acionistas. [...] Esse capitalismo autodestruidor baseia-se não somente no consumo da energia e das matérias primas (como o ar, a água, etc.) mas também sobre o consumo dos indivíduos, que estão cada vez mais proletarizados, cretinizados, infelizes e que se tornaram adictos (STIEGLER, 2015b).

Ou seja, o consumo é baseado na adição dos homens – embora esses mesmos a condenem e aparentemente sofram por ter esse tipo de comportamento.

Por isso, ele sugere que a solução seria reinventar a economia libidinal, que permitirá transformar nossas pulsões (de vida e de morte) em investimentos. E ele insiste na necessidade de “educar as pulsões”. O capitalismo explorou, e continua explorando, essas pulsões e destruiu “todos os sistemas de cuidados”, que são “as formas de re-educação da vida social, os sistemas sociais”, e que de fato constituem uma sociedade.

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Segundo ele, o grande problema que temos - antes de falar em crescimento ou decrescimento - é que “destruímos a civilidade das pessoas. Nós tornamos bárbaros”; precisamos nos reeducar para voltarmos a “tomar cuidado do coletivo; da juventude, da natureza, das pedras, etc.”. Mas por outro lado, havemos de considerar o homem como um ser vivo tecnológico, caracterizado pelo desenvolvimento de órgãos artificiais (as ferramentas, indo do sílex de pedra até a Inteligência Artifical atualmente). Para ele, não devemos lutar contra a tecnologia nem o crescimento, mas devemos sim questionar a irracionalidade da economia política e os excessos do capitalismo. Ele não acredita no fim do capitalismo, mas ele denuncia o aspecto “demencial” do capitalismo, “na maneira como mobilizou as ciências e as técnicas para alcançar seus objetivos, desprezando os problemas ambientais”, por exemplo.

Sobre Georgescu-Roegen (que considera fundamental como crítico da economia capitalista), Bernard Stiegler apontou que ele não era decrescente e que o seu aporte principal foi dizer que “o problema da economia é cuidar da neguentropia, enquanto hoje temos uma economia que a destrói, e produz entropia”. Então nesse quadro, devemos propor soluções que permitam aumentar a neguentropia.

Bernard Stiegler dá sua definição do trabalho – à diferença do emprego – explicando que “alguém que trabalha, é alguém que, ao trabalhar, produz algo que não existia antes dele; inscreve uma singularidade – que como médico, como artista, como mãe de família, como jardineiro [...] Essa é a singularidade do artesão, quem fabricou. Isso é muito, muito importante”.

A taylorização e a padronização destruiram a singularidade dos trabalhadores. Ou seja, a taylorização produiziu emprego mas destruiu o trabalho, matando os trabalhadores: os que sobraram se tornaram empregadores, sem nenhum saber e ao serviço das máquinas de dos robôs, que produzem entropia em dose muito alta. mas segundo ele, reverter esta situação nem só é possível como é imprescindível. e será possível produzindo neguentropia - conforme Georgescu-Roegen o sugeria em 1930 já - , o que a única coisa racional a ser feita no longo prazo. Além do fim do trabalho, o desmoronamento do emprego – 50% das atividades assalariadas podem ser automatizadas – deixa pressagiar uma explosão do desemprego (que já se iniciou em vários lugares do mundo), que afetará drasticamente a economia. Por isso, Bernard Stiegler pensa que novas formas de redistribuição dos ganhos de produtividade – que é

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a base do capitalismo consumerista – devem ser pensadas. Ele aposta, por exemplo, na possível implementação de uma renda contributiva em grande escala, inspirada no modelo de remuneração dos ‘intermitentes do espetáculo’78,

Segundo Bernard Stiegler, grandes industriais serão interessados em projetos alternativos de financiamento da “produção de valor neguentrópica, fora do trabalho”, já que terão interesse em e necessidade de pessoas consumidoras com um poder de compra satisfatório, e de trabalhadores capacitados que intervirão na sua empresa para desenvolver o que chamam de ‘cobotização’.79 Ele aposta numa “mudança radical da economia, macroeconômica, baseada na transformação do próprio industrial e dos instrumentos da indústria”. É a ideia que a equipe do Instituto de Pesquisa e Inovação (IRI, da sigla em francês) do Centre Pompidou apoia e quer implementar (num município do subúrbio de París). Permitirá gerar neguentropia e “reabrir o futuro”, um futuro que aparenta não ter mais expectativas para muitas pessoas desses subúrbios, mas que pode se tornar um futuro contributivo e deve privilegiar “o local”, “reinventando em profundidade os saberes”. Vendo que industriais estão enfrentando esse dilema, precisando demitir milhares de trabalhadores - já que esses não têm mais valor agregado e que eles mesmos são pressionados pelos acionistas -, e tendo que contratar outros (poucos) - detentores de saberes, valiosos, Bernard Stiegler entende que deve ser novamente priorizada e desenvolvida a capacitação.

Seguindo esta mesma ideia, critica a atuação das universidades e dos órgãos de transmissão do saber, que hoje ensinam competências, ou seja só transmitem “competências de adaptação, que são tarefas proletarizadas, sem saber”; quem detém o

78 Tradução literal da expressão francesa ‘intermittents du spectacle’, que abrange artistas e técnicos que trabalham por intermitência para empresas do espetáculo, do cinema ou do audiovisual. Sendo assalariados de maneira intermitente, eles beneficiam de um estatuto particular: a condição de trabalhar pelo menos 3 meses no ano, eles recebem uma , renda indemnizadora durante o resto do ano. Esse modelo assume como regra a alternância entre períodos de trabalho (uma turnê, a produção de um filme) e de desemprego, inerente às atividades artísticas e permite de certa forma amenizar essa precaridade. Na França, o ‘regime assalariado intermitente com empregadores multiplos’ (vulgarizado pelo termo ‘intermittents du spectacle’) foi estabelecido em 1936, e reforçado 25 anos mais tarde, pelos anexos 8 e 10 do regulamento geral do seguro desemprego (‘Assedic intermittent’). (Fonte: <http://www.mescachets.com/intermittent-spectacle/statut-intermittent-du-spectacle>).

Bernard Stiegler explicou que essa medida foi decidida pelo patronato francês do cinema e do espetáculo da época, financiando assim a geração de capacidades e de valor, de externalidades positivas, dos mesmos.

79 Os ‘cobôs’ são robôs colaborativos, que se propõem a ser seguros e a trabalhar “de mão dada” com os homens. São apresentados como uma das tecnologias-chave da indústria 4.0 e das fábricas do futuro (vejam os investimentos e aparentemente, a indústria (ou indústria.4) está investindo muito neles recentemente (MOAL, 2017).

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saber sãs as máquinas. A questão fundamental é que devemos “mudar o quadro de pensamento e reconstruir o trabalho”, formando “pessoas que tenham um verdadeiro saber, se apropriando das técnicas atuais”. E para isso, a estrutura de “produção e de transmissão do saber deve ser transformada profundamente”. Falando em capacitação e em saber - saber coletivo – Bernard Stiegler fez referência ao economista indiano Amartya Sen. Esse mostrou como, ao manter seus saberes e suas capabilidades (‘capabilities’ em inglês, que Bernard Stiegler traduz por ‘saber’, se referindo a um ‘saber coletivo’ e não a uma competência individual, para a qual o termo inglês seria ‘empowerment’), os Bengalis conseguiram manter sua sociedade e sua civilização, e assim enfrentar dificuldades extremas (secas e falta de comida), sendo mais “resistentes” e se sentindo melhor que habitantes de Harlem, em New York (os quais têm acesso a bens de consumo de fácil acesso). Pensando em saber coletivo e em autonomia coletiva, Bernard Stiegler reforça que uma grande questão atualmente é a “necessidade de reinventar os saberes compartilhados, e que é esse compartilhamento dos saberes que sustenta o software livre e o torna eficaz”. E “isso corresponde à desproletarização, já que a proletarização é baseada na privação dos saberes”. Assim, acaba com a apropriação industrial do segredo e do saber.... ”Eis o futuro!”, acredita.

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