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As diferentes formas de educar – práticas educativas direcionadas aos órfãos

No documento Belo Horizonte, 13 de fevereiro 2017 (páginas 195-197)

Órfãos morando com as mulheres

RELAÇÃO DE PARENTESCO DO TUTOR COM O TUTELADO Grupo 1 Grupo 2 Grupo

3.3 As diferentes formas de educar – práticas educativas direcionadas aos órfãos

Como já destacamos, a tarefa de educar os órfãos era entendida como uma das principais obrigações do tutor previstas nas Ordenações Filipinas293. Nesta legislação,

as determinações estavam relacionadas especialmente à instrução, isto é, o direcionamento para ensinos mais práticos, como: ler, escrever e também os ofícios294.

Entretanto, como ressaltamos no capítulo 1, a noção de educação existente no período englobava também a formação moral – civil e religiosa – e nos “bons costumes”. Diante desse aspecto, o compromisso do tutor com a educação dos órfãos também perpassa por esse ponto.

Tendo por base esse entendimento em relação à educação, a nossa intenção aqui é evidenciar as principais práticas educativas destinadas aos órfãos. Teriam as parcerias aumentado as chances dos menores de receberem algum tipo específico de ensino? Houve alguma forma de resistência em relação aos direcionamentos educativos por parte do tutor ou da mulher enquanto parceiros? E, finalmente, em que medida as mulheres teriam assumido o seu papel de educadoras junto às crianças e jovens quando eram partícipes?

Ao tentarmos responder a essas questões, estaremos considerando que o ato de educar era: uma possibilidade de garantir o sustento futuro do órfão a partir de uma ocupação; a oportunidade de promover determinada distinção social especialmente através do acesso ao mundo da escrita; e, também, possibilidade de inserção na sociedade por meio da aprendizagem dos preceitos civis e religiosos e dos “bons costumes”.

293 [Ordenações Filipinas] Código Filipino... Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2012. Livro 4,

Título 102, §15, p. 212.

294 Importante destacarmos que ao nos referirmos ao aprendizado da leitura e da escrita como algo prático,

nossa perspectiva é ressaltarmos que tais conhecimentos poderiam possibilitar alguma forma de ocupação. Além disso, eles poderiam ser entendidos como “práticos” em detrimento a outros tipos de educação, como: o aprendizado de valores civis e religiosos, por exemplo.

196 Para isso, dividimos as práticas educativas de acordo com as categorias: “ensino letrado”; “aprendizagem de ofícios artesanais e mecânicos” e “formação moral e dos costumes”. Conforme a exposição das diferentes formas de educar, tentaremos também estabelecer as diferenças e semelhanças de acesso segundo o pertencimento ao grupo social e o sexo dos órfãos.

Importante ressaltarmos ainda que não foi em todos os documentos eleitos para um estudo mais verticalizado que identificamos indícios de que os órfãos haviam recebido algum tipo de educação. Na verdade, de um total de 54 documentos eleitos, apenas 35 (64,81%) deles traziam alguma informação ligada a práticas educativas: 14 no grupo 1 —maiores patrimônios; 16 no grupo 2 — patrimônios intermediários; e apenas cinco no grupo 3 —menores patrimônios.

Uma vez salientados esses aspectos, comecemos pela primeira categoria.

3.3.1 – Práticas educativas direcionadas para o contato com as letras

Conforme destacaram Vartuli (2014) e Morais (2009), na Capitania de Minas Gerais, assim como na América portuguesa como um todo, era limitado o número de pessoas que sabiam ler e escrever. Entretanto, o mundo da escrita fazia parte da vida das pessoas, pois os moradores das Minas conviviam com as suas diferentes formas de manifestação: prestando serviços e recebendo encomendas; negociando produtos; fazendo compras; vendendo e comprando a crédito; descrevendo ou solicitando a descrição de dívidas e devedores; recebendo ou enviando cartas; fazendo ou pedindo que fizessem testamentos; participando de eventos religiosos e litúrgicos nas igrejas e irmandades, dentre outros (SILVA, 2011).

Fonseca (2008, p.05), por sua vez, ressaltou que “a cultura escrita estaria, na verdade, muito mais disseminada naquela sociedade do que supunha a historiografia tradicional, e a relação cultura escrita/alfabetização nem sempre se dava de forma direta e imediata”. Isso porque, conforme Morais (2009), apesar da pequena quantidade de escolas, as pessoas tinham outras formas de acesso à escrita e à leitura.

Na documentação investigada temos a possibilidade de vislumbrar o acesso ao mundo da escrita pelos órfãos a partir de três formas: na declaração de que eles estavam recebendo esse tipo de ensino, com mestres particulares ou em escolas; quando afirmavam que determinados objetos seriam utilizados para esse fim ou quando os órfãos assinavam documentos anexados aos inventários. No entanto, é possível que o número de menores que tiveram acesso à leitura e a escrita tenha sido muito maior, sobretudo quando levarmos em consideração o fato de que muitos processos de

197 inventários estão incompletos e que alguns tutores não declararam os direcionamentos educativos nas prestações de contas de tutoria.

A partir dos dados presentes nos documentos, podemos dizer que o aprendizado das letras esteve presente nos grupos 1 e 2 —maiores patrimônios e patrimônios

intermediários—, respectivamente, conforme o gráfico 11:

Gráfico 11

Fonte: Banco de Dados da Pesquisa

Os dados apresentados podem nos ajudar a fazer algumas considerações. Primeiramente, podemos observar que houve um esforço por parte das famílias dos grupos 1 e 2 para direcionar seus órfãos para o ensino das letras, já que a maior parte das famílias desses dois grupos fez esforço nesse sentido, nove em cada um deles.

Entretanto, fazendo a análise a partir da quantidade de famílias de cada grupo, podemos dizer que foi no grupo 1 – maiores patrimônios – que ocorreu o maior investimento nesse tipo de educação, pois 64,28% das 14 famílias direcionaram os órfãos para as letras. E no grupo 2 – patrimônios intermediários – as nove famílias correspondiam a 56,25% de um total de 16 grupos familiares.

O maior investimento no grupo 1 pode representar um cumprimento por parte do tutor e das mulheres daquilo que estava estabelecido nas Ordenações. Segundo esta legislação, a educação direcionada aos órfãos deveria respeitar a “qualidade de suas pessoas e fazendas”295. Sendo assim, esperava-se que os menores oriundos das

295 [Ordenações Filipinas] Código Filipino... Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2012. Livro 4,

Título 102, §15, p. 212. 9 5 9 7 5 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

Tiveram acesso Não declarado

Número de famílias em que os órfãos

No documento Belo Horizonte, 13 de fevereiro 2017 (páginas 195-197)