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A nomeação dativa

No documento Belo Horizonte, 13 de fevereiro 2017 (páginas 112-115)

família e educação dos órfãos desenvolvidas pelas tutoras

2.2 A escolha do tutor

2.2.3 A nomeação dativa

Finalmente temos a nomeação dativa. Conforme as Ordenações, quando o juiz de órfãos não encontrava um parente para assumir a tutoria tinha lugar essa forma de nomeação. Nela, apenas os homens poderiam ser nomeados pois, como já dito, as mulheres poderiam ser tutoras apenas se fossem instituídas em testamento ou a partir da nomeação legítima.

Era estabelecido na legislação que o juiz deveria constranger um "homem bom do lugar", "abonado", "discreto" e "digno de fé"164. Só aqueles que tivessem os privilégios

mencionados anteriormente poderiam recusar a tutela. Uma vez tutor, a pessoa nomeada poderia pedir a exclusão desse encargo depois de dois anos.

Carvalho (1840, 2 parte, p.06), ao falar a respeito dessa forma de nomeação, não deixou de mencionar que, muitas vezes, eram eleitas pessoas incapazes, que não tinham condições de administrar bem a tutela. Nas palavras do jurista, os juízes delegavam essa função da escolha aos escrivães, o que, muitas vezes, resultava em muitos problemas, pois eram nomeadas pessoas que não o poderiam ser.

Oliveira (2008, p.66) identificou isso na sua pesquisa a respeito da educação feminina na Comarca do Rio das Velhas. Segundo a autora, ela encontrou vários casos de tutorias mal administradas que traziam grandes prejuízos para os órfãos, inclusive com a apropriação indevida da herança dos tutelados165. Ao mesmo tempo, a autora

(2008, p.116) não deixou de mencionar a dificuldade que existia para a nomeação de tutores por parte do juiz, já que muitos homens recorriam da decisão, alegando inúmeros fatores que pudessem "aliviá-los da função.

Na documentação aqui estudada, também conseguimos perceber alguns indícios a respeito desses dois aspectos, como apresentaremos no terceiro capítulo. Como veremos, havia casos em que as mulheres não eram as tutoras, mas estavam com os órfãos. Nesses casos, algumas vezes elas apresentavam várias suplicações aos juízes, nas quais reclamavam da ausência dos tutores, da falta de repasse de dinheiro para os gastos com alimentação, saúde e educação dos órfãos, de que alguns tinham se mudado da localidade ou estavam presos, etc.

164 [Ordenações Filipinas] Código Filipino... Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2012. Livro 4,

Título 102 § 06, p. 1002.

165 Importante mencionar que Oliveira não restringe os casos de má administração às tutorias dativas.

Entretanto, acreditamos que nessa forma de nomeação isso era mais comum, dado o fato de que havia o agravante de que esses homens eram constrangidos a assumir a tutoria.

113 Assim, como essa forma de nomeação poderia trazer muitos problemas, ela era o último recurso a ser empregado pelo juiz de órfãos.

2.3 - As tutoras do Termo de Vila Rica: definindo um perfil

Definimos como objeto desta pesquisa a participação das mulheres na educação dos órfãos e gerenciamento de suas famílias. E, para isso, nossos sujeitos são as mulheres do Termo de Vila Rica. Neste capítulo, buscamos nos ater àquelas que exerceram a tutoria. Como já dito, acreditamos que a função de tutor poderia ser uma boa oportunidade para desenvolver estratégias voltadas para a educação dos órfãos e sobrevivência das famílias. Isso porque as mulheres poderiam ter relativa autonomia para influenciar nessas duas frentes.

A fim de chegarmos às tutorias femininas, fizemos um cruzamento de fontes variadas. Além das informações presentes nos inventários, conseguimos identificar 14

Autos de Justificativas no AHMINC/IBRAM166 e 18 no Arquivo Histórico Ultramarino

AHU167. Dessas 32, selecionamos 28 obedecendo à seguinte organização: 23 Autos de

Justificativas foram incluídos na perspectiva de trazerem mais dados aos casos de

tutoria que já tínhamos identificados nos inventários. Outros quatro serviram de base para identificar tutorias femininas, pois nos inventários não havia essa informação. E mais um foi incluído mesmo sem a informação do inventário do pai do órfão168.

A partir daí, buscamos entender um pouco mais sobre essas mulheres e suas tutorias. Para isso, procuramos traçar inicialmente o perfil delas. Quem eram elas? Qual era a relação de parentesco dessas mulheres com os órfãos e com os pais deles? Em quais circunstâncias assumiram a tutoria: a partir da nomeação em testamento, solicitação de mercê real via Desembargo do Paço ou indicadas pelo juiz de órfãos?

166 Há no arquivo um fundo genericamente identificado como "ações cíveis". Nele é possível identificar

vários tipos de documentos, como: processos de reconhecimento de filhos, justificativas e notificações de dívidas e Autos de justificativa, etc.

167 Os documentos existentes no AHU foram catalogados e digitalizados graças ao "Projeto Resgate". Há

documentos catalogados para as diferentes regiões do Brasil, separados conforme a capitania. Esse projeto e os documentos digitalizados podem ser acessados no site da Biblioteca Digital Luso-brasileira: https://bdlb.bn.gov.br/?page_id=10

168 Trata-se da solicitação de Ana Maria de Jesus para não apresentar as contas de sua tutoria. Apesar de

não encontrarmos o inventário de seu marido — Jacinto Pereira Ribeiro — julgamos interessante incluir o requerimento de Ana Maria de Jesus devido à grande participação que a mesma teve na vida de sua família, inclusive quando seu marido ainda estava vivo. Como veremos, nós a classificamos como pertencente ao grupo 1 — maiores patrimônios. Essa classificação baseou-se no trabalho feito por Antunes (2005, p. 36) quando destacou que o filho de Ana Maria de Jesus era um importante advogado e também que a família dela era uma das principais do Arraial de Ouro Branco. Para compor a análise dessa família, utilizamos, além do trabalho de Antunes, o Inventário de Ana Maria de Jesus. AHMINC/IBRAM. 2º Ofício, Códice 56, Auto 626, Ano 1807. Os outros quatro Autos de Justificativas foram excluídos da análise, pois não encontramos mais nenhuma informação sobre as mulheres requerentes da tutoria. Isso se fez necessário, pois não teríamos como classificá-las nos grupos sociais, conforme explicado na introdução e retomado a seguir.

114 Quantas prestaram contas do exercício de sua tutoria? Quantas declararam alguma forma de educação dispensada aos menores? Qual o tipo de educação que foi dada aos órfãos?

Como já indicado na introdução, classificamos as famílias estudadas nesta tese como pertencentes a três grupos distintos: maiores patrimônios; patrimônios

intermediários e menores patrimônios. Nossa intenção era analisar vertical e

horizontalmente esses grupos na tentativa de identificar o que era semelhante e o que se diferenciava. Para o grupo de maiores patrimônios, identificamos 33 mulheres que exerceram a tutoria. No grupo de patrimônios intermediários encontramos 59 tutoras, e no grupo 3 — menores patrimônios — foram localizadas 17 tutoras. Somando-se os três grupos, identificamos 109 tutoras.

Nosso primeiro esforço foi buscar a relação delas com os pais dos órfãos. Percebemos que majoritariamente as tutorias femininas foram assumidas pelas esposas dos pais falecidos. No grupo 1 — maiores patrimônios — apenas uma mulher não era casada com o inventariado169. Já no grupo 2 — patrimônios intermediários —,

das 59 tutoras, 5 (8,47%) mulheres estabeleceram outros laços com o falecido: 2 eram filhas; e 3 eram mulheres com quem os inventariados mantiveram relações "ilegítimas". No grupo 3 — menores patrimônios —, todas as mulheres que assumiram a tutoria eram as esposas.

Quando analisamos a relação de parentesco estabelecida entre as tutoras e os órfãos (gráfico 4), percebemos que, no grupo 1, além da já mencionada Maria Pereira Vila Nova, que era madrinha da menor, uma não teve filhos do marido, mas foi eleita para tutora dos enteados, e outras três, além da tutoria dos filhos, foram também eleitas pelos maridos para o mesmo encargo dos filhos naturais. No grupo 2, duas eram também mães e madrastas, duas eram madrastas, e duas eram irmãs. Já no grupo 3, todas as mulheres nomeadas como tutoras eram mães dos menores.

169 Trata-se de uma comadre — Maria Pereira Vila Nova. No testamento feito pelo inventariado Manoel

Marques Ferreira, ele declarou que sua filha estava em poder de sua comadre Maria Pereira Vila Nova. Assim, por entender que a dita sua comadre tinha "toda a probidade, capacidade e inteireza para educar a dita minha filha", era sua vontade que a mesma fosse a sua tutora. Manoel era solteiro, Sargento Mor e português. Inventário de Manoel Marques Ferreira. AHMINC/IBRAM. 2º Ofício, códice 31, Auto 349, 1817.

115 Gráfico 4:

Fonte: Banco de Dados da Pesquisa

Ao buscarmos identificar a “qualidade e condição” dessas mulheres que assumiram a tutoria, quase não encontramos informação a respeito170. Apenas em seis

inventários foi possível identificar essa informação: duas pertencentes ao grupo de

maiores patrimônios e quatro do grupo 2 — patrimônios intermediários. A primeira tutora do grupo 1 era a parda Quitéria Gonçalves Fontes, casada com Antônio Rodrigues Fontes, com quem teve três filhos. Para exercer a tutoria, Quitéria solicitou a provisão régia. A segunda tutora era a parda forra Romana Maria da Conceição casada com o português Antônio da Costa Lopes e que foi nomeada em testamento. Já as outras quatro do grupo 2 eram: a preta forra Josefa Mendes Ribeiro, ex-escrava do inventariado, que havia sido alforriada para se casar com ele. Ela foi nomeada pelo juiz de órfãos. A segunda era a mulata forra Maria da Silveira da Costa, casada com o português Francisco Rodrigues Graça, de quem teve dois filhos dos quais foi tutora instituída em testamento. Temos ainda Rita Vaz de Carvalho, que era parda e casada com o ferreiro João Francisco dos Santos, e sua sobrinha, também parda, Tereza Vaz de Carvalho, casada com o Capitão Francisco João Tavares171.

Além disso, tentamos identificar quantas tutoras estabeleceram algum tipo de contato com a escrita — gráfico 5. Para isso, buscamos as assinaturas dessas mulheres

170 Quando falamos em qualidade e condição dos indivíduos, estamos nos referindo à cor (qualidade) e se

eram livres ou forros (condição). Importante ressaltar que os escravos não poderiam assumir tutoria.

171 Inventário de Antônio Rodrigues Fontes. AHMINC/IBRAM. 1º Ofício, códice 18, Auto 169, 1817.

Inventário de Antônio da Costa Lopes. AHMINC/IBRAM. 2º Ofício, códice 59, Auto 669, 1781. Inventário de João Teixeira Mendes Ribeiro. AHMINC/IBRAM. 2º Ofício, códice 23, Auto 243, 1787. Inventário de Francisco Rodrigues Graça. AHMINC/IBRAM. 1º Ofício, códice 48, Auto 590, 1783. Inventário de João Francisco dos Santos. AHMINC/IBRAM. 1º Ofício, Códice 70, Auto 831, Ano 1788. Inventário de Francisco João Tavares. AHMINC/IBRAM. 1º Ofício, Códice 54, Auto 653, Ano 1793.

28 1 3 1 53 2 2 2 17 0 10 20 30 40 50 60

mãe madrasta irmã madrasta + mãe madrinha

Relação de parentesco entre as tutoras e os

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