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2 O ALICERCE TEÓRICO DAS AÇÕES COLETIVAS

2.5 AS DIMENSÕES SIMBÓLICAS, PERFORMÁTICAS E EMOCIONAIS

A partir da década de 1990, o silêncio que pairava a respeito das emoções foi quebrado por uma gama de estudiosos que as descreveram nos protestos, nos movimentos sociais e nos conflitos políticos. Ao longo dos anos, as emoções foram inadequadamente estudadas por diversas razões, dentre as quais menciona-se que o seu conceito foi utilizado para abranger uma série de entidades distintas, possuindo diferentes fontes e afetando as ações de diferentes formas (GOODWIN; JASPER; POLLETTA, 2004).

Somente na virada cultural ocorrida nas últimas décadas, nas ciências sociais, o caminho foi aberto para uma abordagem cultural às emoções, que se moldam de diferentes maneiras e de diferentes graus, do entendimento de cultura e de normas pré-estabelecidas. Atualmente, já não existe a necessidade de ligar as emoções aos conceitos biológicos lançados por Darwin, bem como não é preciso relacioná-la às relações-estruturais. O paradigma biológico tem pouca utilidade para os sociólogos, enquanto o paradigma das relações-estruturais são pouco interessantes à análise dos movimentos sociais, concentrando-se em posições de hierarquias sociais (GOODWIN; JASPER; POLLETTA, 2004).

Apesar dessas colocações, Jasper (1997) entende que as emoções podem ser analisadas utilizando-se as mesmas ferramentas teóricas e metodológicas empregadas na compreensão das crenças cognitvas e das visões morais. E compreender que as emoções fazem parte da cultura não significa negar a sua correlação fisiológica, como as atividades cognitivas, ou insistir que elas são construções puramente culturais. Dessa forma, entede-se que ela possui natureza ambivalente: fisiológica e cultural (GOODWIN; JASPER; POLLETTA, 2004).

Ativistas políticos usualmente utilizam as emoções de forma estratégica, demarcando suas características, tanto para os seus membros, quanto para os indivíduos que não compõem o movimento. Para realizar essa ação, esses atores dependem de regras culturais sobre como, quando e em qual local experimentar e expressar diferentes emoções, acionando “repertórios emocionais” para empregá-los em diferentes contextos (GOODWIN; JASPER; POLLETTA, 2004).

No que tange a sua trajétoria, a análise das emoções e a perspectiva da psicologia social foram “manchadas” pelos teóricos das multidões e dos comportamentos coletivos, sendo que as teóricas que deram ênfase à racionalidade continuaram a negar o devido tratamento às emoções. A insatisfação com os teóricos anteriores permitiu a inserção da análise cultural dos movimentos sociais, apesar de suas limitações (GOODWIN; JASPER; POLLETTA, 2004).

O conceito de identidade coletiva, por exemplo, apesar da sua popularidade e da promessa de se chegar às emoções por intermédio da cultura, pecou ao defini-la como questões cognitivas. Dessa forma, as emoções somente foram reclamar o seu devido lugar nos trabalhos que as incorporaram para explicar os movimentos sociais e de como os organizadores desses movimentos agem, como o reforço da lealdade do grupo, o orgulho que é insipirado nele, a calma, etc (GOODWIN; JASPER; POLLETTA, 2004).

Assim, uma vez que as emoções são vistas, pelos autores aqui tratados, como realizações culturais, ao invés de respostas fisiológicas automáticas, eles sistematizam as emoções da seguinte forma:

a) emoções reflexas: ela corresponderia a seis classes: o modelo, a surpresa, a raiva, o nojo, a alegria e a tristeza. Surgiriam, aparentemente de forma repentna, sem um processo cognitivo consciente, uma vez que está ligada a mecanismos diferentes da cognição normal, operando mais rapidamente e envolvendo rotas neurológicas mais primitivas que permitem uma resposta rápida. Há evidências de que ela existe em todas as culturas, sendo conceituada como “emoções fora de controle”, pelos indivíduos, podendo causar ações irracionais. Ainda existe a necessidade de se tomar cuidado ao associar as emoções reflexas a respostas irracionais, uma vez que elas também podem tornar os indivíduos mais alertas, através do medo.

Ainda, Jasper (2016, p.100) informa que esses protestos de cunho moral e emocional também são afetados pelas mídias disponíveis para transmitir essas visões morais e emocionais, uma vez que isso irá determinar o seu público alvo. De acordo com o autor, nos últimos anos, tem-se visto uma expansão das possibilidades de se transmitir as opiniões dos indivíduos. Ativistas buscam espalhar suas ideias de forma ampla, no entanto, na maioria dos casos, para Jasper (2016, p.101), quanto maior o veículo de informação, menor o controle que se tem sobre a mensagem que se quer transmitir. Narra o autor:

Vimos que no século XIX surgiram movimentos sociais de todos os tipos, em parte porque o rápido crescimento das cidades facilitou a comunicação e os transportes. Em bairros operários super lotados, bater panelas pode levar multidões às ruas, para construir barricadas ou sair em passeata rumo aos quartéis de política. (...)

A comunicação também melhorou, especialmente com a invenção dos jornais baratos (e politicamente engajados). Insurgentes potenciais não precisavam mais ir a cafés para acompanhar eventos, sobretudo com a simultânea ampliação da alfabetização (...)

O alcance da mídia continuou a se expandir, com rádio e depois a televisão penetrando num número crescente de lares, locais de trabalho e praças por todo o mundo (JASPER, 2016, p.101)

Na sequência, a internet permitiu a transmissão e a difusão de mensagens a partir de canais menos centralizados e unidirecionados, sendo bastante utilizada nas manifestações da atualidade, que criam os seus próprios meios de circulação da informação, seja através de blog, sites, etc, que são baratos e ficam ao alcance de qualquer um (JASPER, 2016, p.103). Em vista dessa facilidade, movimentos podem se apropriar de temas que são de ordem privada para transformá-los numa questão de moralidade pública, difundida pelas redes, objetivando mobilizar participantes. No que diz respeito a isso:

Essas redes e organizações por vezes originam protestos mais visíveis em arenas públicas, especialmente quando um evento ou decisão atrai a atenção e atiça a imaginação. Essa é uma das razões pelas quais grandes protestos podem surgir tão rapidamente: já há uma infraestrutura para ajudar a mobilizar pessoas. Esta consiste não apenas numa lista de telefones ou e-

mails (ou cartões de Natal, para os militantes cristão), mas também em

padrões de confiança, respeito e afeição que envolvem as pessoas num nível emocional. Elas podem alimentar entre si a indignação, o ódio, a compaixão e outros sentimentos que acabarão servindo de apoio ao protesto público (JASPER, 2016, p.106).

A partir daí, surgem organizações em torno daquela demanda por parte dos chamados “empreendedores morais”, que são aqueles indivíduos que inventam novas estruturas e novas causas para atrair a atenção e a simpatia dos demais, visando levar à mobilização (JASPER, 2016, p.110). Tais esforços desses “empreendedores” poderão ser averiguados no capítulo seguinte, através da criação, no caso brasileiro, de inúmeros endereços on-line (perfil no Facebook, no YouTube, no Twitter, no

2.6 CONCLUSÃO

Baseando-se nas considerações elencadas anteriormente, percebeu-se que as teorias sobre os movimentos sociais e ações coletivas não são capazes de abarcar uma série de nuances dos protestos ocorridos no Brasil, bem como aqueles ocorridos noutras partes do globo. Em vista disso, diversos autores tentam elaborar novos horizontes teóricos capazes de preencherem essas lacunas, trazendo, por exemplo, para dentro da análise das ações coletivas, perspectivas de cunho moral e emocional. Estes, segundo Jasper, ocorrem há anos, mas foram ignoradas pela maioria dos teóricos.

Os apontamentos feitos por Jasper talvez sirvam para explicar alguns pontos levantados no primeiro capítulo desta investigação, como por exemplo, o protesto e a manifestação de indivíduos que não possuem tradição contestatória. Isso porque, apesar de aparentarem indiferença a respeito de uma série de questões de cunho político, tais indivíduos procuram canais alternativos para manifestarem-se sobre aquilo que de alguma forma os atingem, geralmente por intermédio da denúncia pública, tema que será abordado com maior profundidade no capítulo final desta dissertação.

Seguindo a sua linha de raciocínio, Jasper, da mesma forma que Bennett, afirma que os protestos feitos por indivíduos desvinculados de organizações não devem ser ignorados, pois esses indivíduos não deixam de expressar suas opiniões sobre uma série de questões existentes na sociedade. E, justamente a capacidade de moralizar determinadas situações, como é o caso das questões levantadas sobre a corrupção nos protestos brasileiros, é que tornaria o ato de protestar uma atividade satisfatória, o que explicaria a atuação de indivíduos tidos como privilegiados, ao invés de oprimidos, em protestos.

Para o autor aqui tratado, a questão da moralidade nos protestos tem íntima ligação com questões emocionais e que, juntas, são capazes de construir heróis e vilões, que devem ser defendidos ou combatidos, como poderá ser observado nos trechos extraídos das entrevistas trazidas no capítulo final deste trabalho. Ainda, importa saber que essas duas perspectivas teóricas são afetadas pelas redes sociais

on-line e/ou novas mídias, uma vez que essas concepções morais e emocionais