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2 O ALICERCE TEÓRICO DAS AÇÕES COLETIVAS

2.4 NOVAS PERSPECTIVAS PARA A ANÁLISE DA AÇÃO COLETIVA

Em vista das limitações presentes nos paradigmas teóricos abordados anteriormente, quando defrontados com a avalanche de manifestações e protestos ocorridos nas últimas décadas – Movimento Antiglobalização, Primavera Árabe, Indignados, etc –, inúmeros estudiosos juntaram esforços para se pensar novas perspectivas teóricas capazes de abranger as peculiaridades desses recentes protestos. Dentre esses autores, encontram-se Jacquelien van Stekelenburg, Conny Roggeband e Bert Klandermans que, em parceira com diversos pesquisadores, lançaram no ano de 2013, uma série de artigos compilados em The Future of Social

Movement Research. Dynamics, Mechanism, and Processes.

Além desses estudos, novos delineamentos teóricos podem ser encontrados nas obras The Blackwell Companion to Social Movements, de David A. Snow, Sarah A. Soule e Hanspeter Kriesi, de 2004, nos estudos de James M. Jasper, nas pesquisas desenvolvidas por Lance Bennett (abordada no Capítulo 1), na qual propõe o conceito de “ação conectiva”, entre outros livros e artigos que têm surgido sobre as ações coletivas e os movimentos sociais. Dentre as sugestões para se perceber a recente onda de manifestações, feita por esses autores, menciona-se a ótica das emoções e a da moralização, que pouco encontrou lugar nos estudos dos movimentos sociais desde os anos de 1970 (GOODWIN; JASPER; POLLETA, 2004; JASPER, 1997).

Para introduzir essas óticas, inicialmente, far-se-á um compêndio das análises elaboradas por James M. Jasper em The Art of Moral Protest. Culture, Biography and

Creativity in Social Movements (1997). Dessa forma, rememorando os paradigmas

teóricos que pairavam sobre os movimentos sociais, Jasper salienta que as queixas dos indivíduos sempre estiveram presente e, por isso, não poderiam ser usadas para explicar a ascensão ou a queda de um movimento social, que, mais tarde, passou a ser determinado por fatores objetivos, como recursos e estruturas políticas. Na sequência, o terreno dos movimentos sociais foi invadido por uma série de trabalhos que os enxergavam a partir de um ponto de vista cultural, situação que rendeu insights que não poderiam ser ignorados.

Apesar da sua importância, deve-se atentar para o fato de que a cultura, por mais que esteja em todos os lugares, não é tudo. Essa situação, conforme Jasper alega, pode ser claramente percebida ao contrastá-la com biografias, estratégias e recursos. Estas, não podem ser compreendidas antes de se conceituar a cultura, uma

vez que, defini-la de forma muito abrangente, implicaria na invasão de terrenos que não lhe caberiam explicar. Entretanto, quando ignorada, faria com que outras variáveis fossem forçadas a se estenderem para abranger determinados fenômenos, além das suas capacidades.

Traçando um paralelo entre cultura e moralidade, Jasper menciona que a cultura pode ser facilmente percebida, enquanto que a moralidade, para além de meras opiniões pessoais, é difícil de ser identificada. É nesse panorama que os movimentos de protestos são interessantes, pois, dado o seu caráter coletivo, permitem que se perceba os valores morais compartilhados pelos indivíduos de uma sociedade, os quais direcionam as ações dos indivíduos.

Sobre os protestos de cunho moral, o autor afirma que eles não são novidade, havendo inúmeros exemplos deles, em momentos anteriores passados, tais como aqueles protestos contrários à bebidas alcoólicas, aos jogos de azar e à “libertinagem”, bem como muitas outras movimentações que culminaram na proibição de diversos filmes, jogos, livros, pinturas e músicas, por não serem moralmente aceitáveis.

Nessa sequência, Jasper menciona que, apesar de aparentemente indiferentes a uma série de questões políticas, muitos indivíduos são compelidos, na realidade, a manifestarem-se politicamente, fora dos canais convencionais, posicionando-se contra aquilo que os contrariam de muitas formas: eles distanciam-se dos seus papéis organizacionais; eles ignoram regras das quais discordam, etc. Além dessas possibilidades, outra notável forma de protesto surge em forma de denúncia pública, que consiste na publicização de transgressões das quais se julgam vítimas, prática bastante comum dos usuários do Facebook.

Jasper, da mesma forma que Bennett, entende que há manifestação, mesmo quando os indivíduos não compõem uma organização. Diferentemente de alguns estudiosos que descartam as ações desses indivíduos, o autor considera que essa opção torna invisíveis todas as formas pelas quais atos individuais de protesto se transformam ou não em movimentos mais organizados, uma vez que essas manifestações possuem uma variedade de relação com os grupos formais mais evidentes nos movimentos de protesto.

Nesse sentido, Jasper afirma que, o fato de determinados indivíduos não comporem uma organização, não significa que eles deixaram de expressar o seu desprezo e a sua indignação sobre as práticas existentes. E, a possibilidade de fornecer uma voz moral é que tornaria os protestos uma atividade satisfatória.

Atualmente, os protestos morais, mostram-se em diferentes estilos e inovam- se, ao longo dos anos, sendo exemplos os comícios e as marchas públicas, as ocupações simbólicas ou as ocupações de locais estratégicos, as provocações verbais e as visuais, etc.

Segundo o estudioso, a maioria das teorias acadêmicas sobre os movimentos sociais não está preparada para explicar uma série de atividades de protestos, principalmente aquelas desencadeadas por cidadão tidos como privilegiados, ao invés de oprimidos. As abordagens iniciais, desenvolvidas antes dos movimentos pelos direitos civis, rejeitou os protestos morais, classificando-os como explosões irracionais dos indivíduos. Já as teorias desenvolvidas com inspiração nos movimentos pela cidadania, por outro lado, resumiram os protestos a cálculos racionais.

Contrapondo-se a essas duas visões, ele afirma: ‘(...) somos criaturas tomadas de símbolos, com uma teia de significados em torno de nós mesmos. Nós proliferamos metáforas e linguagens para descrever o mundo; elaboramos teorias, hipóteses e previsões para satisfazer a nossa curiosidade (...)”. E, englobada nessa atividade cognitiva, encontram-se as emoções e as avaliações morais, a construção de heróis, vilões e bobos, a raiva, a inveja, a admiração e a indignação, acrescentando o autor:

Nós adicionamos camadas sobre camada, criando pensamentos sobre pensamentos anteriores, anexando novos valores morais aos existentes, trabalhando como se sentir sobre os nossos próprios sentimentos. Estamos conscientes da nossa consciência sobre os nossos sentimentos (...). Estamos constantemente aprendendo, revendo as nossas visualizações, nos adaptando à novas circunstâncias criadas, muitas vezes, por nós mesmos (JASPER, 1997).

Diante disso, o pesquisador alega que, da mesma forma que se constroem equipamentos para gerar dados científicos, as instituições promovem constantemente certas crenças morais e suprem outras, sendo, inclusive, a maioria das emoções dos indivíduos moldadas pelo entendimento e pela reposta daquilo que os cercam. Dessa mesma forma, os protestos também são construídos, uma vez que nenhum indivíduo ou grupo possui metas ou interesses que lhes são dados sem que ocorra uma prévia interpretação cultural.

Disso, decorre o fato de que, muitas vezes, os protestos ocorrem porque o sistema de significação dos indivíduos é colocado em cheque, criando-se vilões que, por sua vez, devem ser combatidos. Seria dessa criação de sentidos que os valores

morais se originariam, dando energia emocional para que os indivíduos busquem a transformação da sociedade, questões que serão analisadas no tópico seguinte.