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2 O ALICERCE TEÓRICO DAS AÇÕES COLETIVAS

2.2 A TEORIA DA MOBILIZAÇÃO DE RECURSOS

2.2.1 A estrutura de oportunidade políticas

Nos anos de 1970, em vista das lacunas presentes na teoria da mobilização de recursos, buscando elementos conceituais capazes de preenchê-las, o paradigma norte-americano adentra numa nova fase, elaborando conceitos como o de frames e o de oportunidade política. Estes conceitos foram inaugurados dentro da chamada teoria do processo político, que reacende a ideia de psicologia social para analisar o comportamento coletivo dos grupos sociais, a partir de três elementos: a reconfiguração da figura do ator, as microrrelações social face a face, e a tentativa de

especificar os elementos que surgem dentro de uma cultura sociopolítica (GOHN, 1997, p.73).

Da mesma forma que os teóricos da mobilização de recursos, os desenvolvedores da teoria do processo político54 concentraram-se nas condições de

emergência, de desenvolvimento e de sucesso da ação coletiva, a partir do modelo da racionalidade, diferenciando-se dos primeiros por substituírem o foco dado à mobilização dos recursos econômicos e organizacionais pelas esferas políticas e culturais dos movimentos sociais, enfatizando o papel do contexto político-institucional para o surgimento da ação coletiva (CARLOS, 2011, p.159).

Apesar de essa nova linhagem teórica ter sido constituída nos Estados Unidos, Angela Alonso (2009, p.54) alega que ela trouxe para dentro da sua análise casos europeus. Charles Tilly, por exemplo, teria pesquisado de forma aprofundada o movimento revolucionário francês e os movimentos por reforma na Inglaterra, ocorridos nos séculos XVIII e XIX. Sidney Tarrow teria se atido aos movimentos de redemocratização italiano da segunda metade do século XX e Dog McAdam nos movimentos pelos direitos civis norte-americanos.

Para Alonso (2009, p.54), um dos grandes representantes da teoria da mobilização política seria Tilly, que construiu uma sociologia política histórica, combinando tradições e buscando a identificação dos mecanismos que organizam os macroprocessos políticos no ocidente. Este enquadramento de Tilly na teoria da mobilização política não é uníssono, pois muitos autores o incluem na linhagem da teoria da mobilização de recursos, enquanto outros o encaixam no paradigma dos novos movimentos sociais.

Sobre essa questão, Gohn (1997, p.65) acredita que os trabalhos de Tilly devem possuir tratamento próprio, em vista da sua abordagem predominantemente histórica. Ainda, a autora discorda daqueles que o englobam dentro da perspectiva dos novos movimentos sociais, uma vez que o próprio Tilly apontaria para a essência estrutural de seus trabalhos, criticando as abordagens focadas apenas na identidade e na perspectiva microssocial. Ainda sobre a classificação dos trabalhos de Tilly,

54 Para Gohn (1997, p.69) essa corrente teórica passou a “ enfatizar a estrutura das oportunidades políticas, o grau de organização dos grupos sociais demandatários, e aplicar a análise cultural na interpretação dos discursos dos atores dos movimentos sociais. Ou seja, a linguagem, as ideias, os símbolos, as práticas de resistência cultural, tudo passou a ser visto como componente dos conflitos expressos nos discursos, numa análise menos preocupada com a desconstrução de textos e mais interessada nos símbolos e ideias presentes naqueles discursos, enquanto veículos de significados sociais que configuram as ações coletivas.

François Chazel (1995, p.321) acredita que, apesar das reservas que se possa fazer com relação aos seus escritos, eles estariam incluídos dentro da perspectiva da mobilização de recursos.

Feito esse adendo, retornando à pesquisa desenvolvida por Tilly, tem-se que ele lançou críticas à tradição sociológica porque ela teria retirado da análise dos movimentos populares a disputa entre elites. Para o autor, trata-se de uma única classe de fenômenos, pois eles seriam racionais e dotados da mesma lógica, diferenciando-se pelo grau de organização e pelo uso da violência, ao invés de pela natureza55. E a predominância de uma ou de outra dessas formas estaria interligada

a dois parâmetros: o político e o histórico-cultural (ALONSO, 2009, p.54). Dentre as principais contribuições de Charles Tilly, destaca-se o conceito de repertório e o de estrutura de oportunidade política, sendo este último um dos conceitos-chave da teoria do processo político.

Atribuído a Peter Eisinger (1973), o conceito de estrutura de oportunidade política, na realidade, originou-se nos trabalhos de Merton (1968). No entanto, é com Sidney Tarrrow, mais especificamente na sua obra Power in Movement, que esse conceito ganha maior refinamento, buscando compreender a origem dos movimentos sociais. Estes surgiriam a partir das oportunidades políticas oferecidas aos atores sociais mais carentes. Noutras palavras, quando as mudanças nas estruturas de oportunidades, seja pela maior permeabilidade das instituições políticas e administrativas em relação as reivindicações sociais ou pela presença de aliados potenciais, os caminhos se abrem ou se criam para esses atores (GOHN, 1997, p.98; ALONSO, 2009, p.54).

Dessa forma, Tarrow entende que os organizadores da ação coletiva se utilizariam de janelas de oportunidades políticas surgidas em situações de confronto, criando, a partir disso, identidades coletivas e reunindo pessoas em organizações para oporem-se contra os mais poderosos, conforme destaca o autor:

Reunir pessoas numa interação sustentada com opositores exige uma solução social – agregar pessoas com demandas e identidades diferentes e em locais diversos em campanhas conjuntas de ação coletiva. Esta solução envolve, em primeiro lugar, preparar os desafios coletivos; em segundo lugar, instigar redes sociais, objetivos comuns e quadros culturais; e, em terceiro,

55 A respeito disso, Lucas Coelho Brandão (2011, p.129) expõe: “Tilly defende a necessidade de se abandonar o uso de modelos estáticos e explicações causais; segundo o autor, ao focarmos o olhar nas interações, é possível desenvolver um modelo no qual a ação coletiva seja compreendida enquanto uma ação dinâmica dentro de um modelo propositivo de interação com atores múltiplos.

construir a solidariedade através das estruturas de ligações e das identidades coletivas para manter a ação coletiva (TARROW, 2009, p.20).

Tarrow (2009, p.38) segue o seu raciocínio alegando que as pessoas se envolvem em confrontos políticos quando ocorrem mudanças nos padrões de oportunidades políticas e, utilizando repertório de ação coletiva, elas criam novas oportunidades que serão utilizadas por outros em ciclos de confronto mais amplos. Assim, quando são criadas lutas relacionadas às grandes divisões sociais existentes na sociedade, quando as pessoas são reunidas em volta de símbolos culturais herdados e quando densas redes sociais e estruturas conectivas podem ser ampliadas ou construídas, os episódios de confronto resultariam nos movimentos sociais.

Nessa perspectiva, discorrendo sobre a teoria de Tarrow, Gohn (1997, p.99) afirma que, para ele, o poder dos movimentos sociais reside na soma de recursos internos e externos, ou seja, para que os organizadores de um movimento social tenham sucesso, eles não só dependem da organização, conforme afirmava os teóricos da mobilização de recursos, mas dependem também das redes sociais que darão alicerce ao movimento e das estruturas de mobilização que os conectam entre si, sendo que, nas sociedades modernas, também dependem da mídia para estabelecer a comunicação entre os seus aliados e os seus inimigos e para reinventar os seus repertórios, visando a atingir um maior número de pessoas.

No entanto, para que esse processo seja desencadeado, há a necessidade de oportunidades políticas favoráveis e/ou acessíveis, considerado por Tarrow o ponto mais importante. E quem criaria essas oportunidades seria o próprio Estado moderno, através de um ambiente que favoreça e/ou incentive a ampliação das ações coletivas (GOHN, 1997, p.99). De outro lado, quando as oportunidades políticas não estão presentes, os movimentos são conduzidos a um período de desmobilização, por mais que exista grupos insatisfeitos e com recursos abundantes.