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As doutrinas das gerações de direitos fundamentais

CAPÍTULO 1 OS DIREITOS SOCIAIS E A CONSTITUIÇÃO

1.3 Os direitos sociais como direitos fundamentais

1.3.2 As doutrinas das gerações de direitos fundamentais

Embora a questão da origem dos direitos fundamentais possa apresentar diversas teorias condizentes com o período histórico correspondente a cada conquista efetuada pela reivindicação popular ou comunitária e representada em atos estatais de reconhecimento de direitos e garantias, o modelo atual de direitos fundamentais tem seu fundamento de validade a partir da Constituição.

A cada fase da vida humana, em um determinado tempo e espaço, correspondia uma cúpula de direitos e obrigações. Estes direitos, doutrinariamente são separados para fins didático-históricos em grupos onde cada parte apresente uma similitude de direitos integrantes daquele período ou por que foram nesta época previstos e outorgados em diplomas legais, ou seja, por representar o lapso final separando a conquista de algo até anteriormente não previsto ou aceito. A estas parcelas de tempo em que são confeccionados os direitos os

68 COMPARATO, Fabio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 5. ed. São Paulo: Saraiva,

2007. p. 58-59.

69 DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria geral dos direitos fundamentais. São Paulo: Ed. Revista

dos Tribunais, 2008. p. 53. Para estes autores os direitos fundamentais são conceituados como “[...] direitos público-subjetivos de pessoas (física ou jurídicas), contidos em dispositivos constitucionais e, portanto, que encerram caráter normativo supremo dentro do Estado, tendo como finalidade limitar o exercício do poder estatal em face da liberdade individual.” (Ibidem, p. 54).

estudiosos atribuiram por denominar “gerações”, encontrando-se expressas referências à adoção desta terminologia nos estudos jurídicos nacionais e estrangeiros, inclusive com a clássica identificação de três gerações de direitos: os de primeira, de segunda e de terceira.

Para parcela de estudiosos da temática dos direitos fundamentais que aceitam e propugnam por visão divisional destes direitos em tempos específicos de manifestação histórica, o termo gerações expõe uma forma errada de conceber as conquistas apresentadas no passado compatibilizando-as com novos direitos, como conseguidos nos tempos atuais. Denotar-se-ia, para seus divulgadores, que uma fase sucederia à outra, em subsituição à anterior especificaria novos conceitos suprimindo as anteriores do qual tomaria lugar, uma sucessão não somente pela cronologia, mas também pela melhoria. Quanto aos direitos fundamentais se percebe não uma superação total das conquistas anteriores senão a completude de novos direitos somados aos perteritamente reconhecidos e declarados; somam- se e se acumulam formando uma pleiade de direitos conquistados pela sucessão do desenvolvimento da sociedade e de suas instituições políticas e jurídicas.

É de ressaltar, todavia, a circuncisão somente em relação ao termo designativo do conjunto de direitos fundamentais em determinado período, pois guardadas as devidas diferenciações entre um estudioso ou outro, a conexão entre eles reside basicamente no conteúdo de direitos expressos em cada parcela. Por isso mesmo para alguns doutrinadores o termo dimensão é em si o mais correto em substituição à geração. E a divergência entre os entendedores da matéria não se dissipa somente quanto à nomeação destes conjuntos de direitos alcançando ainda acirrados debates sobre quantas dimensões de direitos é possível de se reconhecer na sucessão das trajetórias humanas.

Embora haja, segundo o entendimento sobre o tema, várias dimensões de direitos fundamentais nossa atenção se fixará estritamente aos direitos de primeira e segunda. Partiremos dos direitos ditos individuais consistentes nas liberdades públicas para culminarmos nos direitos sociais ou de coletividade: objeto de nossa preocupação no primeiro capítulo desta dissertação.

1.3.2.1 A primeira dimensão de direitos: individuais.

Os direitos de primeira dimensão correspondem aquilo que parte dos estudiosos costuma denominar de direitos de liberdade. Seriam caracterizados por representar direitos do indivíduo quando em confronto com Estado, com o objetivo de lhe fazer frente e com isso limitar a interferência do poder frente à vida dos sujeitos.

Nascidos a partir das reivindicações do pensamento liberal e como exigência da burguesia ascendente como classe representativa no cenário político, estes direitos tidos como de defesa representavam conquistas relevantes no campo político com a possibilidade de participação eleitoral; e no campo da liberdade com a fixação de conquistas processuais por meio de garantias.

Na visão de Manoel Gonçalves Ferreira Filho “[...] essas liberdades são direitos subjetivos. São poderes de agir reconhecidos e protegidos pela ordem jurídica a todos seres humanos.”70 Reconhecer-iam-se estes direitos por apresentarem categorias de garantias, ou seja, meio capazes de fazer valer o comando preciptivo de direito. Por essa razão junto ao direito de liberdade se reconhece as garantias condizentes a serem utilizadas contra o Estado para impor respeito ou fazer cessar lesão a ele. Junto à prescrição da propriedade como direito são previstas formas de tutela contra terceiros e contra o Estado. Isto sem contar os direitos políticos e de participação democrática, contudo, restritos a determinada parcela do povo.

1.3.3.2 Direitos de segunda dimensão: econômicos e sociais.

Os direitos fundamentais de índole econômica e social surgem como barreira à exploração exercida pelas indústrias e fábricas aos operários e empregados, no final do século XIX. Os direitos de face social têm grande efervescência no século XX especialmente após os períodos bélicos, momento em que sua expansão se deu de forma mais abrangente mediante a previsão em textos constitucionais do segundo pós-guerra.

Embora ainda reconheça os direitos econômicos e sociais como direitos subjetivos – do mesmo modo que o são os direitos de primeira dimensão – aqueles se diferenciam destes por ser mais do que apenas poderes de agir. Enquanto as chamadas liberdades públicas representam uma parcela de direitos oponível ao Estado tendo por garantia um limite de interferência na vida do indivíduo, dever de abstenção; os direitos de conquista posterior, positivados e declarados como econômicos e sociais se apresentam como dever de ação do poder governamental.

Seriam, em verdade, direitos de crédito, poderes de exigir, capacidades possibilitadoras de obrigações em face do Estado. São direitos dos indivíduos integrantes da

70FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

organização social e obrigações por parte do Estado, passíveis de exigência e reivindicação caso não realizados concretamente pelo ente estatal.

Inicialmente as normas declarativas de direitos sociais eram tidos como direitos possuidores de baixa normatividade e de uma duvidosa eficácia por exigirem para sua realização diretamente do Estado o implemento de determinadas condições de existência em sua maioria consistente em prestações materiais sofríveis pela carência, insuficiência ou limitações dos recursos e meios disponíveis para tal intento. De uma jurisdicionalidade questionável e incerta de início foram posteriormente indexados à esfera programática, de normas intenção ou de programas de alcance em razão da insuficiência de instrumentos processuais ou políticos para sua proteção ou exigência, na mesma medida das garantias e meios de acesso aos direitos de liberdade ou ditos de primeira dimensão.71

1.3.2.3 Inaplicabilidade da divisão de geração de direitos fundamentais.

Os direitos humanos apresentam, desde suas origens históricas, funções específicas no debate político ao assumir a função primordial de luta por direitos até então irreconhecíveis. Esta luta ou processo de reivindicações assumem caráter emancipatório na medida em que propugnam alternativas não antes cogitadas ou repostas não antes pensadas às questões antes insolúveis, muitas vezes autorizando novos direitos fundamentais.

Os direitos humanos não são universais em sua aplicação, mas somente enquanto plano teórico, filosófico, de previsão abstrata de direitos de titularidade universal. Aquilo que a doutrina pátria tradicional e pacificamente tem aceitado e divulgado como gerações ou dimensões de direitos fundamentais (humanos) como parte integrante de uma teoria geral destes direitos encontra sua origem verdadeira em uma exposição realizada na ONU em 1979 por Karel Vasak.72 A ele fora solicitado a preparação de um estudo a ser apresentado no

71 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 564.

72 Tal fato é relatado pelo professor Antonio Augusto Cançado Trindade, a quem Karel Vasak foi professor e

amigo. Tal fato se encontra relatado na V Conferência Nacional de Direitos Humanos. In: Seminário Direitos Humanos das Mulheres: A proteção Internacional. 25 out. 2010. Disponível em:: http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/cancadotrindade/cancado_bob.htm. Acesso em 23 fev.2012. Sobre este tema ver ainda o excelente artigo do professor latinoamericano: GALLARDO, Helio. Sobre las

“generaciones” de Derechos Humanos. Sevilla, abr. 2010. Disponível em: http://heliogallardo-

americalatina.info/index.php?option=com_content&task=view&id=179&Itemid=9. Acesso em 23/02/2012. A negar veementemente a tese da divisão dos direitos fundamentais, enquanto direitos humanos no âmbito de proteção internacional, em gerações ou dimensões. Cançado Trindade nos diz que divisão dos direitos humanos (fundamentais) em gerações comportaria uma fantasia ao corresponder a uma obnubilada visão separatista e fragmentada de direitos humanos, pois estes não se sucedem ou se substituem e fazem parte de um todo de uma conquista que vai se solidificando e se fortalecendo pela agregação de novos direitos aos já previstos anteriormente.

Instituto Internacional de Direitos Humanos, em Estrasburgo. Não dispondo de tempo hábil para se preparar para a conferência, conforme relatou a amigos próximos, ele como a tarefa de expositor e tendo em vista a bandeira francesa relembrou os ideais da Revolução de 1789 e efetuou um processo de atribuição destes princípios ao processo de reconhecimento internacional dos direitos humanos. Desta forma, utilizou-se da “liberdade” para expressar as reivindicações individuais atribuídas à primeira geração. Valeu-se da igualdade como atributo de exigência dos direitos sociais e econômicos considerados de segunda geração. E, trocando o termo “fraternidade” por “solidariedade” cunhou como direitos de uma terceira e sucessiva declaração histórica. Desde então esta especificação dos direitos fundamentais é aceita e reproduzida largamente por manuais e estudos sobre direitos humanos.

Além desta crítica à divisão dos direitos fundamentais em dimensões há ainda uma crítica ainda mais contundente e que envolve o questionamento sobre a visão dominante acerca das gerações de direitos fundamentais (humanos). Denominada como progressista esta posição abarca uma perspectiva crítica e emancipadora por considerar que a visão geracional encerra um discurso ideológico (em um sentido negativo) com vistas a encobrir e justificar uma dominação social de modo a torná-la normal, naturalizando-a.73 Segundo o professor David Sanchez Rubio a concepção de direitos fundamentais (humanos) como direitos de primeira, segunda e terceira gerações servem a reforçar o imaginário eurocêntrico e linear que embora apresente avanços e virtudes, termina por implantar uma cultura jurídica anestesiada concebendo unicamente o humano ocidental, branco, europeu, heterosexual, fruto da modernidade burguesa e liberal como padrão vigente para o sujeito de direitos humanos fundamentais.

Em conformidade com o jusfilósofo espanhol a degeneração resulta justamente da divisão dos direitos em gerações, sendo que somente os individuais e políticos, direitos próprios da primeira geração e resultados da luta burguesa possuem verdadeira reflexão teórica com vistas à identificação de sua eficácia jurídica e de sistemas de garantias; dificilmente encontráveis em direitos de igualdade como são os direitos econômicos e sociais e os de gerações sucessivas. As gerações seriam manipuladas de modo a esconder e perpetrar uma dominação institucional. Cindindo-se os direitos em gerações se limita a possibilidade de realização dos mesmos.

73 RUBIO, David Sanches. Sobre el concepto de “histotización” y uma crítica a la visión sobre las (de)-

generaciones de derechos humanos. In: BORGES, Paulo Cesar Corrêa (Org.). Marcadores sociais da