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CAPÍTULO 1 OS DIREITOS SOCIAIS E A CONSTITUIÇÃO

1.1 Estado e Constituição

1.1.3 Os fundamentos da República Federativa do Brasil

1.1.3.3 Os valores sociais do trabalho

O trabalho apresenta uma forma de dedicação da atividade humana voltada à satisfação de seus ideais e tem natureza de atributo de satisfação pessoal e complementação para a caracterização de uma vida digna. Se o trabalho em tempos de escravidão era uma forma de subsistência, de meios de aquisição dos gêneros necessários à sobrevivência, em um sentido moderno é mais do que condição de vida. É, sem dúvida, um atributo qualificativo da vida, especialmente quando em um grupo social.

Consiste, igualmente, em um valor moral não somente aceito, se não também reconhecido e valorado por toda sociedade nos tempos atuais. Simplificadamente, entre inúmeras questões quanto à sua essencialidade, o trabalho apresentaria uma dupla função: a primeira como uma forma de revelar e alcançar o ideal da dignidade humana, contribuindo à inserção e à justiça sociais; e em segundo, consubstanciar-se-ia em elemento econômico indispensável.38 O trabalho se não entendido como direito fundamental e célula do organismo total que constitui a vida com dignidade careceria de pretensões identificadoras econômicas ou monetárias.

Nesse sentido o trabalho representa não somente fundamento da República brasileira havendo ainda na Constituição seu reconhecimento como fundamento da ordem econômica.39 Constitui a base de nossa organização estatal capitalista e apresenta ramificações indiscerníveis com a ordem social. Esta ordem reconhece o trabalho como instrumento honesto e axiologicamente referenciado como matriz de nossa coletividade. Pelo

38 BOCORNY, Leonardo Raupp. A valorização do trabalho humano no estado democrático de direito. Porto

Alegre: Sergio Antonio Frabis, 2003. p. 71.

39 Para um maior entendimento consultar: BASILE, César Reinaldo Offa. A dignidade da pessoa humana e o

valor social do trabalho na interpretaçaõ e aplicação das normas trabalhistas. 2009. 87 f. Dissertação

(Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009. Sobre a questão do valor na ordem econômica, entre outros ver: MARQUES, Rafael da Silva. O valor social do trabalho na ordem econômica In: AmatraIV – Associação dos magistrados da justiça do

trabalho da IV Região. Caderno 03, Porto Alegre, 2007. Disponível em:

http://www.amatra4.org.br/publicacoes/cadernos/caderno-03?start=3. Acesso em 24/05/2012. Este autor ao efetuar um estudo entre os valores do trabalho na ordem econômica e nos fundamentos da Republica conclui: “O trabalho é elemento da existência humana. Há um conceito econômico de trabalho, mas trabalho, por si, não é um conceito econômico. As pessoas trabalham para subsistência sim, mas também para suprir suas demandas não apenas materiais, mas existenciais e de vida, o que não deixa de estar relacionado com a dignidade. Isso faz com que estes elementos (trabalho) deixe de ser apenas algo ligado à economia, para fazer parte da vida, do ente humano.” (Ibidem).

trabalho se adquire as condições de sobrevivência. Pelo trabalho procura a pessoa se dedicar à tarefa de seu grado, aquilo que não somente trará recompensas financeiras e materiais senão também satisfação e felicidade no ato de viver.

Hoje mais do que isso, o trabalho proporciona satisfação e bem-estar. Além de propiciar ao ser uma interação com o mundo satisfazendo seus anseios e se mostrando útil. Em 1759 o filósofo francês Voltaire, pseudônimo de François-Marie Arouet, escreveu em sua habitual ironia crítica sobre o valor do trabalho e como este dignifica o homem e o seu viver, desde o mais miserável até àquele mais rico. Logicamente, na compreensão de Voltaire o trabalho era atributo dos pobres. Em sua visão seria o trabalho a única tábua de salvação e razão da vida, especialmente daqueles sem perspectivas.40.

Não vislumbramos nesta dissertação espaços para discussões mais amplas e extensivas sobre a questão do trabalho; objeto de discussão entre inúmeras teorias científicas sociais – entre elas sob o prisma jurídico – senão o esforço para compreendermos o trabalho como um direito de todos. Um valor social sob o qual se assenta nossa ordem jurídico- política. É ao mesmo tempo atributo para sobrevivência qualificado para uma existência com dignidade; logo, meio de conquistas e relização de expectativas, desejos, sonhos e anseios pessoais e coletivos.

A ordem social constitucional brasileira se assenta sobre o trabalho. É base da existência em sociedade em meio a direitos e deveres. Possui atributo cunhável em tom monetário, pela retribuição ou pagamento recebido pelo seu exercício, porém não é a única face identificável. O trabalho é superlativizado a partir da Carta de 1988 como questão fundamental da sociedade organizada. Mais do que direito, portanto, o trabalho representa a primazia da ordem social moderna.

40 Ao tratar de um sujeito otimista como seu personagem principal Voltaire expõe um curioso diálogo: “Também

sei – disse Candido – que é preciso cultivar nosso jardim. – Tens razão – disse Pangloss – pois o homem foi posto no Jardim do Éden, ali foi posto ut operaretur eum, para que trabalhasse; o que prova que o homem não nasceu para o repouso. – Trabalhemos sem filosofar – disse Martinho – é única maneira de tornar a vida suportável. Todo o grupo se compenetrou desse louvável desígnio. A pequena propriedade rendeu bastante. Cunegundes estava, na verdade, muito feia, mas tornou-se uma excelente doceira. Paquette bordava. A velha costurava. Nem mesmo o irmão Giroflée se furtou ao trabalho; revelou-se um bom marceneiro; e até se tornou honesto. – Todos os acontecimentos – dizia às vezes Pangloss a Candido – estão devidamente encadeados nos melhores dos mundos possíveis; pois, afinal, se não tivesses sido expulso de um lindo castelo, a pontapés no traseiro, por amor à senhorita Cunegundes, se a Inquisição não te houvesse apanhado, se não houvesse percorrido a América a pé, se não tivesses mergulhado a espada no barão, se não tivesses perdido todos os teus carneiros da boa terra do Eldorado, não estarias aqui agra comendo o doce de cidra e pistache. – Tudo isto está muito bem – disse Candido – mas devemos cultivar nosso jardim.” (VOLTAIRE. Cândido ou o otimismo. São Paulo: Ridendo Castigat Mores, 1998. p. 187-188).