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CAPÍTULO 1 OS DIREITOS SOCIAIS E A CONSTITUIÇÃO

1.2 Os direitos sociais na Constituição

1.2.3 Os direitos sociais: um capítulo a parte

Em nossa lei fundamental, a sistematização escolhida pelo legislador constitucional orginário foi a de dedicar o primeiro título aos princípios fundamentais (do art. 1° ao art. 4°). Nesta primeira divisão foram especificadas a estrutura fundamental e principiológica sobre o qual se assentaria a república brasileira e o Estado democrático e Social de Direito prevendo os valores, objetivos e fundamentos mais relevantes ao modelo organizacional adotado. Enfim, especificando as escolhas efetuadas conforme abordamos nos tópicos anteriores desta dissertação.

O tratamento dos direitos sociais dado pelo texto constitucional é o de enquadrá-lo como uma espécie do gênero de direitos fundamentais e seus intrumentos de garantia previstos no segundo título, ou seja, imaginando-se a construção de uma ordem sistemática e crescente de valoração. Logo, imediatamente após a construção das bases sob as quais se assentariam os princípios fundamentais da sociedade e do Estado, revelados em objetivos e metas; e, antes de prever como tais entes se organizariam para alcançar referidos princípios estruturantes, optou o poder constituinte originário por revelar especial atenção aos direitos

fundamentais, imprescindíveis para aquilo que vem após sua previsão e consequência direta daquilo constado antes de si.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 dedica seu Título II a tratar dos “Direitos e Garantias Fundamentais”. Fê-lo assim dedicando seu primeiro capítulo a tratar dos direitos e deveres individuais e coletivos (artigo 5°) e todo o capítulo seguinte sob a guarda dos direitos sociais (do artigo 6° ao artigo 11). Desse modo, descrevendo um extenso rol de direitos e deveres individuais e coletivos no quinto artigo a representar o primeiro capítulo, sucessivamente encontramos o próximo capítulo se referindo aos direitos sociais. Estes direitos como talhados no texto constitucional se iniciam por um artigo relacionando os direitos sociais para, a partir dos próximos, voltar sua atenção aos direitos dos trabalhadores.

Nosso estudo, todavia, sem desconsiderar a relevância dos direitos relativos ao trabalho, restringe-se, nesta parte, de modo didático e metodológico unicamente ao sexto artigo. Desse modo, nossa atenção por meio deste trabalho ficará consignada apenas no art. 6°, mais especificamente em um direito social ímpar, qual seja: o direito social à alimentação. Inicialmente, como resultado do poder constituidor, este artigo da Constituição contemplava como direitos sociais: a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância e a assitência aos desamparados.58 Com a emenda constituicional n°. 26, de 14 de fevereiro de 2000, o direito à moradia59 foi incluído neste rol de direitos sociais, passando a integrar a lista de oito espécies ou formas de direitos sociais.

A inclusão do direito à moradia entre as previsões de direitos sociais denota o tratamento constitucional deste direito como fundamental em que se torna dever do Estado adotar condutas atinentes a concretização do direito à moradia para que as pessoas possam viver com dignidade em condições adequadas de habitação.60 Significa dizer, portanto, a utilização das garantias constitucionais e de todos os instrumentos jurídicos disponíveis a possibilitar o acesso à moradia. Seja através de políticas publicas ou de projetos de urbanização, mehoria das habitações existentes e facilidades ou incentivos públicos à aquisição e acesso a local de habitação digno.

58 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Constituição federal comentada e legislação

constitucional. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2006. p. 177.

59Para um estudo sobre o direito à moradia, consultar dentre outros: CLEMENTE, Alexandre Shimizu. Políticas

públicas habitacionais e os desafios daconcretização do direito à moradia urbana na nova ordem constitucional brasileira. 2011. 140 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Ciências Humanas

e Sociais, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca, 2011.

60 SAULE JUNIOR, Nelson. Possibilidades de proteção do direito à moradia no balanço de 20 anos da

constituição brasileira. In: GOULART, Jefferson (org.). As múltiplas faces da constituição cidadã. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2009. p. 82.

Sobre o direito fundamental à saúde diversos escritos foram capazes de retratar as especificidades deste direito social.61 Isso sem contar as tratativas de direito do trabalho ou sobre a proteção da maternidade; da previdência social objeto de estudo do direito previdenciário ou mesmo da assistência social e da educação no contexto da ordem social brasileiro. Atualmente muitos são os direitos sociais previstos constitucionalmente. Entretanto, antes ainda de passarmos à ideia de os direitos sociais como direitos fundamentais precisamos ter uma noção exata de direito social62 passível de fazê-lo através do esclarecimento de suas pilastras.

Compreende Georges Gurvitch em sete as funções principais ou marcos essenciais dos direitos sociais: A primeira função geral do direito social é de integração objetiva de uma totalidade para o desenvolvimento da comunidade e de seus membros. A segunda é o fundamento de sua força obrigatória onde a geração deste direito é parte direta da totalidade de membros que a integram. Em terceiro o objeto é a regulamentação da vida interior da totalidade. Em quarto, a estrutura intrínseca da relação jurídica corresponde, isto é, participação direta da totalidade, não disjuntamente de seus membros. Por quinto, a manifestação exterior consistente em um poder social normalmente não relacionada com a restrição de incondicionamento. Em sexto se reconhece a realização em organizações, com a primazia do direito desorganizado sobre o direito organizado, como expressões das organizações e associações de colaboração igualitárias. E por sétimo, os sujeitos a quem se dirigem os direitos sociais organizados, as pessoas coletivas complexas.63

Embora a demandar maiores explicações a partir destes marcos resta evidente que dos direitos sociais tem como característica principal a união, a integração. Atribuindo-se nesta conceituação teórica os direitos sociais a partir de nossa realidade jurídico- constitucional atual, percebemos suas feições nítidas de direitos de igualização. Procuram

61 SARLET, Ingo Wolfgang. Algumas considerações em torno do conteúdo, eficácia e efetividade do direito à

saúde na constituição de 1988. Revista diálogo jurídico, Salvador, CAJ - Centro de Atualização Jurídica, n. 10, jan. 2002. Disponível na em: http://www.direitopublico.com.br. Acesso em 23 fev. 2012.

62 Segundo a definição de Georges Gurvitch: “Le droit social est um droit autonome de communion, intégrant

d’une façon objetctive chaque totalité active réelle, qui incarne une valeur positive extra-temporalle. Ce droit se dégage directament du ((tout)) em question pour em régler la vie intérieure, indépendamment du fait que ce ((tout)) est organisé ou inorganisé. Le droit de communion fait participer le tout d’une façón immediate à la relation juridique qui en découle, sans transformer ce ((tout)) en un sujet disjoint de ses members. Le ((droit d’intégration)) intitue un ((povoir social)) qui n’est pas essentiellement lie à une contrainte inconditionnée et qui peut pleinement se réaliser dans la plupart des cas par une contrainte relative à laquelle on peut se soustraire; sous certainesconditions ce pouvoir social fonctionne parfois meme sans contrainte.” (GURVITCH, Georges. L’idée du droit social: notion et système du droit social. Paris: Scentia Verlag Aalen, 1972. p. 15- 16).

integrar na realidade social vigente àqueles sujeitos excluídos ou esquecidos a partir de sua outorgação e classificação como direitos da coletividade.