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CAPÍTULO 1 OS DIREITOS SOCIAIS E A CONSTITUIÇÃO

1.2 Os direitos sociais na Constituição

1.2.1 A origem dos direitos sociais no Brasil

Para um melhor entendimento e alcance dos objetivos pretendidos neste trabalho, cumpre primeiramente, efetuarmos um entendimento de nosso objeto de estudo. Para isso devemos retornar à década de 1930, porque este período representou significativas mudanças no cenário sócio-econômico nacional e internacional. No Brasil, após a tomada de poder a partir da revolução getulista e posteriormente com insurreição paulista em 1932, o governo federal procura construir uma legitimidade de seu poder – não resultante da forma democrática de escolha popular – por meio da positivação de direitos de natureza social.

Dessa forma o direito social fora incorporado no ordenamento jurídico pátrio em razão das mudanças ocorridas década de 1930 com a previsão dos direitos dos trabalhadores a partir da consolidação da legislação trabalhista e pela nova legislação previdenciária, consistuindi assim novas disciplinas jurídicas. A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 16 de julho de 1934, dedicou seu terceiro título à declaração de direitos, imediatamente após nos dois títulos anteriores ter especificado a organização federal pela divisão de competências entre legislativo e executivo juntamente com o judiciário da nação.

O rol de direitos previstos na Carta de 1934 envolvia primeiramente os direitos políticos e logo depois os direitos individuais, havendo um espaço sucessivamente àqueles para expressa previsão de artigos e preceitos da ordem econômica e social. A Constituição brasileira de 1934 inscreveu no Título IV a reserva de previsão de direitos referentes à ordem econômica e social, nascendo a partir de então para o ordenamento jurídico pátrio os primeiros fundamentos constitucionais dos direitos sociais, repetidos posteriormente nas constituições seguintes como hoje encontramos previsão da atual Constituição.

Cesarino Junior, professor de Legislação Social da Universidade de São Paulo na primeira metade do século XX é considerado o introdutor do tema direito social na doutrina jurídica brasileira. Refere-se o saudoso autor sobre a denominação dessa nova disciplina jurídica não ser unânime no Brasil, no início da década de 1940. Entre as muitas denominações utilizadas para o mesmo objeto de estudo estavam as expressões: Legislação Social, Direito Operário, Legislação do Trabalho, Direito Social, entre outras. Essa

diversidade de nomenclaturas ocorria por que nem sempre se eram atribuídos os mesmos conteúdos a cada uma delas. Independente do termo todos esses tipos de qualificativos diziam respeito à chamada questão social, um movimento iniciado na Europa e espalhadado pelo mundo de preocupação com as condições dos operários, previsão de direitos aos trabalhadores e de toda classe mais fragilizada.

A opção pelo termo direito social se dava, portanto, para identificar não apenas uma coleção empírica de direitos e dispositivos legais e sim todo um complexo orgânico de princípios e normas. Vários dispositivos legais se encaixariam nesta nomenclatura. O direito social serviria assim, conforme a primeira publicação nacional sobre tema: “Direito Social Brasileiro”, a representar as normas do ordenamento jurídico que estabeleceriam o equilíbrio social, pela proteção aos economicamente mais fracos.48 Como teriam identidade de conteúdo, gênese e fim para ele todo o conteúdo de normas desse relevo deveriam ser compreendias em um mesmo conjunto de preceitos, de um mesmo campo de proteção.

Em 15 de maio de 1939 foi ele o responsável pela fundação do Instituto de Direito Social, denominação modificada em 1983 para Instituto Brasileiro de Direito Social e, em 1993, após o falecimento de seu fundador, novamente alterada então para Instituto Brasileiro de Direito Social Cesarino Junior. Foi ele também o responsável pela direção e organização de uma obra denominada “Tratado de Direito Social Brasileiro”, publicada em 1942 e dividida em quinze volumes, trazendo a divisão da coleção completa em cinco partes, respectivamente a saber: da introdução ao direito social, do direito corporativo, do direito do trabalho, do direito assistencial e, do direito econômico. Os direitos sociais quando próximo à metade do século XX apresentavam as conotações de ser um genêro de direito, diferenciável dos direitos ditos individuais, em cujas espécies estariam consignados direitos mais amplos que aqueles; normas prescritivas de direitos que hoje identificaríamos como os direitos de âmbito trabalhista, previdenciário e de assistência social.

Em uma concepção ampliada, isto é, lato sensu, segundo Cesarino Junior, direito social – esposado pelo autor no singular – seria o complexo de princípios e normas imperativas, que tem por sujeitos os grupos e seus respectivos membros, onde teria por objeto a adaptação da forma jurídica à realidade social, tendo em vista a grande diferença econômica entre as pessoas almejando assim o bem comum. Este direito social genérico estaria ligado a

48 CESARINO JUNIOR, Antonio Ferreira. Direito social brasileiro. São Paulo: Livraria Martins Editora, 1940.

p. 14. Serve de referência ainda que naquela época o brilhante autor já falava que o direito social não deveria ser entendido como um direito de classe ou um privilégio a causar injustiça entre as pessoas. Como o fim imediato das leis sociais eram a proteção dos mais fracos o Estado, com sua previsão, estaria dirimindo os conflitos resultantes das desigualdes e com isso promovendo a pacificação social e o bem de todos. (Idem, p. 19).

toda forma de proteção genérica aos hipossuficientes, posteriormente denominada pelo autor de direito assistencial.

Já o direito social restrito (stricto sensu) abrangeria o complexo de leis e princípios que tem por meta satisfazer as necessidades vitais dos indivíduos e seus familiares, em razão do trabalho ou na impossibilidade de exercê-lo.49 Portanto, segundo o autor o direito social restrito trataria apenas da proteção legal aos economicamente desfavorecidos realizados por normas de proteção ao trabalho como meio de subsistência ou de previdência na impossibilidade de exercício da atividade laboral.50

Os direitos sociais aspirariam ao estabelecimento de uma ordem nova de convivência humana, fundada primeiramente no ideal de justiça social.51 Historicamente os direitos sociais encontram fundamento na realidade na vida social, nascendo como freios, isto é, como mecanismos ou meios de contenção aos excessos do individualiamo, frente à presença e à força de instituições econômicas e jurídicas adversas, tendentes à plena formação e desenvolvimento da pessoa.

Na concepção de Cesarino Junior em tendo em vista seu contexto anterior à década de 1950, o direito social seria um gênero de direitos onde encontraríamos espécies de direitos sociais: o direito trabalhista, o direito previdenciário, o direito ao amparo aos desassistidos. O direito social seria então a disciplina conjunta das normas de direitos sociais atinentes: à proteção aos trabalhadores, de seguro social incluída a previdência, de educação, o direito coorporativo, o direito à subsistência, entendido como o amparo aos necessitados (a atual assistência social); inclusive direitos da ação do Estado na ordem econômica a tratar dos monopólios estatais, produção e propriedade.

Contudo, nem todos concordaram com a amplitude dessa ciência a abarcar inúmeras disciplinas jurídicas. Tanto que para Evaristo de Morais Filho não seria correta a utilização do termo direito social como substituição a direito do trabalho ou como um atributo genérico cujo este direito seria derivado por se tratar de uma disciplina jurídica específica e

49 Para o Cesarino Junior, a legislação de direito social, quanto a este no âmbito restrito, abrangeria a

independência do direito do trabalho, pois em seu âmago já estariam incluídas as normas reguladoras da atividade laboral bem como as regras processuais trabalhistas. (CESARINO JUNIOR, Tratado de direito

social brasileiro. São Paulo: Freitas Bastos, 1942. vol VI: direito processual do trabalho. p. XI).

50 CESARINO JUNIOR, Antonio Ferreira. Direito social brasileiro. São Paulo: Livraria Martins Editora, 1940.

p. 33.

51 STAFORINI, Eduardo R. Derecho procesual social. Buenos Aires: Tipografica Editora Argentina, 1955. p.

12. Embora esta definição seja utilizada no contexto da análise do direito social como uma sinonímia a direito do trabalho para tratar da questão processual, no prosseguimento da obra este autor argentino ao tratar do direito processual social como reflexo de direito processual do trabalho, este consegue ele estabelecer a centralidade dos fundamentos dos direitos sociais (termo no plural), em conexão direta com a realidade destes direitos fundamentais contemporaniamente e cuja significação e objetivos explicitaremos mais adiante neste trabalho.

particularista. Para ele vários motivos servem a elucidar esta incogruência de significativos. Elege em primeiro lugar o fato de que o qualificativo social por querer abranger espaços genéricos cai no equívoco de uma vacuidade assustadora. Depois, o núcleo central desse ramo do direito é o contrato de trabalho, impossibilitando-se a ampla denominação antes escolhida. Mesmo quando empregada em sentido restrito, o termo se torna ambíguo e de difícil especificação como é necessário ao direito laborativo. Divergindo por conseguinte do primeiro autor muitos reconhecem o direito do trabalho como um direito social, porém, de independência e estrutura científica própria. Opor-se-ia ainda o fato de fato de o termo não coincidir com todo direito social autônomo, e nem com todo direito oposto ao individual, privado.52

Segundo as lições do professor Alfredo Palermo53 uma melhor definição de direito social seria alcançada se utilizássemos como base os artigo 23 e seguintes da Declaração de Direitos do Homem de 1948.54 Conquanto, não abrangendo somente os direitos limitados às áreas previdenciária e trabalhista, mas sim por envolver todos os direitos que o Estado deve assegurar a todas as pessoas de um modo geral, bem como aos trabalhadores e às suas famílias. Os direitos sociais teriam o desiderado de alcançar e abranger qualquer pessoa carente de recursos, proporcionando a todas as pessoas um padrão de vida compatível com a dignidade humana.

Os direitos sociais teriam o papel de suprir as lacunas criadas pela diferença de recursos na vida das pessoas, também, mas não somente na área econômica. A questão econômica seria somente um dos aspectos afetados pela previsão de direitos sociais cujas normas têm por objetivo geral readuzir as desigualdades entre as pessoas. Além de propiciar por meio da prescrição de direitos a descoberta dos instrumentos – a serem utilizados, sobretudo, pelo Estado – e pelos quais se alcançariam sua realização na tarefa de equilíbrio entre as relações e as pessoas.

52 MORAES FILHO, Evaristo de. Introdução ao direito do trabalho. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1956.

vol. I. p. 211-218.

53 PALERMO, Alfredo. Os direitos sociais no Brasil: síntese de uma política social. Franca: Unesp, 1984. p.

12-13.

54 A Declaração Universal dos Direitos do Homem proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10

de dezembro de 1948 assim especifica: “Artigo XXIII – 1. Toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego e condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego. [...] 3. Toda pessoa que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana, e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social.” (PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e justiça internacional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 172).