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AS ENTIDADES MÉDICAS E A RMGO – O QUE SE DIZ A RESPEITO?

1 UMA ANÁLISE FEMINISTA DAS CONCEPÇÕES CONTEMPORÂNEAS DE CORPO E SUA RELAÇÃO COM O

3. PROGRAMAS, PLANOS DE AULA E MANUAIS DE ROTINA DA RESIDÊNCIA MÉDICA EM GINECOLOGIA E

3.3 AS ENTIDADES MÉDICAS E A RMGO – O QUE SE DIZ A RESPEITO?

A Febrasgo, através dos editoriais da RBGO (conforme analisado no capítulo anterior), desde 2005 vem abordando temas relacionados a diversos problemas de saúde que acometem as mulheres. Já comentei a mudança no perfil destes editoriais, por conta da necessidade de qualificação científica da revista. Entre 1998 e 2004, os editoriais posicionavam-se acerca de questões político-profissionais, e, dentre estes temas, a residência médica foi alvo de comentários.

O editorial n. 4/2001 sinalizou a preocupação com a qualidade do especialista em formação em atuar em distintas frentes: regimento da residência médica da Febrasgo; ação conjunta com a Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM) do MEC; programa mínimo para o Mercosul.

O editorial n. 2/2007 fez referência ao ensino da cirurgia ginecológica na RM. “A formação do residente de Obstetrícia e Ginecologia envolve múltiplos aspectos, como o conhecimento clínico, o desenvolvimento de habilidades e técnicas, além do amadurecimento de atitudes pessoais, éticas e profissionais”. Objetiva a “qualidade técnica e humanística”. Aborda o tema da histerectomia, citando que, com indicação apropriada, pode “restabelecer a saúde de uma mulher e até mesmo salvar sua vida”, mas muitas foram desnecessárias. Ou seja, mesmo que de forma sutil, há uma autocrítica.

Outra constatação é a de que tem avançado rapidamente o conceito de “cirurgia minimamente invasiva”. No processo de formação muitas vezes não é o residente que opera, embora lhe caiba assistir o paciente, havendo uma quebra na integralidade. É primordial no ensino

da residência, além de conhecer a fisiopatologia das doenças, “ouvir profissionais mais experientes” e examinar as mulheres, ouvindo suas queixas. A forma de ensinar mudou, aliando “decisões baseadas em evidências. O treinamento cirúrgico ginecológico também deve ser guiado por informação baseada em evidência, associada ao bom senso e à experiência”. “O sistema de aprendizado geralmente utilizado é aprender no próprio paciente”. Sugere-se o uso de outras estratégias, como “vídeos, manequins, programas computadorizados, etc.”. Além de ensinar, o editorial aborda outra questão importante no ensino, que é a avaliação, não apenas da técnica, mas das habilidades e qualidades mais difíceis de ser mensuradas, como: “ética, profissionalismo, comunicação e liderança”.

A Abem, através da RBEM, apresentou reflexões muito importantes no contexto contemporâneo e traz à tona temas fundamentais invisibilizados no debate da RMGO. Destaco três, em especial: a perspectiva de gênero (como importante para a educação médica -Editorial n. 3/2003); o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (Editorial n. 4/2010) e o tema atenção integral à saúde das pessoas com deficiência (Editorial n. 3/2011).

Já teci comentários ao editorial sobre gênero escrito por Débora Diniz, antropóloga feminista. Somente a iniciativa de incluir uma autora não-médica para assinar um editorial demonstra uma iniciativa político- acadêmica importante no reconhecimento de promover diálogos interdisciplinares. Esta autora abordou o surgimento dos estudos de gênero como uma das especialidades das ciências humanas, que aparecem para demonstrar que masculino e feminino resultam de processos de socialização, e não de “uma ditadura da natureza”. Citou a expressão que sintetiza a análise: “nascemos machos e fêmeas e aprendemos a ser homens e mulheres”. Também afirmou que o reconhecimento de que masculino e feminino são escolhas socioculturais pode ser “desconcertante para inúmeras áreas do conhecimento”. Talvez a Medicina continue relutante em lidar com isso! A “categoria gênero é uma lente que nos permite enxergar a realidade de maneira radicalmente diferente” – essa é uma concepção comum a distintos campos disciplinares. Os estudos de gênero “sensibilizaram médicos e médicas para algumas sutilezas do processo saúde e doença”. Dentre os temas, citou, em especial, reprodução, sexualidade e corpo e uma questão específica, que foi a epidemia HIV/Aids.

A editoria da RBEM teve a iniciativa de convidar, em 2003, uma pesquisadora feminista para escrever um texto, afirmando que a formação médica também é uma “questão de gênero”. Dez anos depois,

o editorial da RBGO (n. 2/2013) saía com o título “A diferenciação do cérebro masculino e feminino”, escrito por duas mulheres. Este editorial não fez parte da coleta de dados, mas faço questão de destacar parte dele, para contextualizar o momento presente e a concepção de gênero subjacente no campo da Ginecologia e da Obstetrícia:

Os pais são cruciais para o encorajamento da expressão típica do modo masculino ou feminino de ser. Entretanto, nas meninas sujeitas a ambiente intrauterino hiperandrogênico, o esforço dos pais em fazer com que elas tenham comportamento feminino, principalmente na escolha dos brinquedos é falha, o que indica ser o imprinting hormonal um determinante do gênero. Entretanto, em meninas com identificação de gênero assegurada é importante o reforço dos pais ou cuidadores para a socialização da criança dentro do seu gênero, para que ela assuma o papel típico do seu gênero.

Conforme já citei no capítulo anterior: “Não bastava o domínio preciso dos recursos técnicos e terapêuticos; era também preciso

sensibilidade sociológica para a diversidade dos papéis de gênero”

(grifo meu). No que tange à divisão social do trabalho, a presença do gênero é evidente pelo número de mulheres médicas obstetras e pediatras. Para Débora Diniz, “as perspectivas de gênero alteram nossa percepção do que é considerado normal ou tradicional”. Portanto, “é preciso uma revisão do ensino médico a partir das perspectivas de gênero [...] o incremento da sensibilidade de gênero no ensino da Medicina formará médicas e médicos com maior habilidade para a compreensão do sofrimento humano”.

O editorial que aborda o tema da educação em direitos humanos mostra como este tema ganhou destaque mundial. Citou a ONU e a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, o Plano Mundial de Educação em Direitos Humanos e o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (Pnedh). Este plano inclui: educação, treinamento e informação e a utilização de pedagogias participativas. O ambiente de ensino deve contemplar compreensão mútua, respeito e responsabilidade. Sugere, como desafio à Abem, “liderar a formulação de propostas teórico-práticas para tornar a educação em direitos humanos a base de formação dos médicos”.

No que tange à Política Nacional de Saúde da Pessoa com Deficiência (PCD), comenta que completa dez anos em 2012. Cita dados do censo de 2000, que identificou 14,5% da população brasileira com algum grau de deficiência. “Os médicos desconhecem as particularidades que diferenciam um corpo com e sem deficiência”. “Cada vez mais mulheres com lesão medular optam por engravidar”, o que demanda cuidados especiais dos obstetras em relação aos riscos envolvidos. “É raro as PCD encontrarem médicos com capacidade técnica aliada à abertura para negociação quanto ao cuidado com a saúde...” Ao tratar da inclusão de conteúdos das necessidades das PCD nos currículos de graduação da área da saúde, sugere que as PCD sejam percebidas “como parte integrante da diversidade humana”. Portanto, este tema deve estar difuso no conjunto das disciplinas para situar as necessidades de acordo com cada tema abordado. Não deve ser uma disciplina à parte. Propõe que a própria Abem assuma a liderança política entre as escolas médicas e entidades governamentais e se alie com entidades sociais para promover a defesa das PCD e a defesa dos direitos humanos.

3.4 PANORAMA DA RESIDÊNCIA MÉDICA NO BRASIL E EM