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As Entrevistas com as Mulheres

No documento MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL (páginas 37-41)

CAPÍTULO 2: DELINEANDO OS PASSOS DA PESQUISA – OBJETIVOS E

2.3 SOBRE OS PROCEDIMENTOS DE PESQUISA

2.3.2 As Entrevistas com as Mulheres

Após o período de conversas e observações da rotina do ASM, iniciei a fase das entrevistas formais. Partindo do pressuposto de que entrevistas também são práticas discursivas (PINHEIRO, 2004), de que os sentidos são coconstruídos na interação entre

pessoas e constantemente negociados em determinados contextos e locais, buscava dar voz às mulheres que frequentavam o serviço no momento da pesquisa.

As entrevistas foram realizadas no ambulatório, no espaço coletivo, onde havia algumas cadeiras. Frequentemente, conversávamos antes e depois da consulta. Algumas vezes as pacientes me procuravam para conversar assim que saíam da consulta; noutras, eu as procurava para ver se estava tudo bem. Em média, as entrevistas duraram entre 40 e 50 minutos; nos casos em que continuávamos após as consultas, pelo menos mais 10 minutos. Apesar de ter permanecido no ambulatório de fevereiro a agosto de 2012, as entrevistas que apresento aqui foram realizadas com apenas quatro mulheres: uma de Jundiaí, outra de Várzea Paulista e duas de Jarinu. Embora inicialmente pretendesse entrevistar seis usuárias, duas entrevistas não puderam ser realizadas por que nenhuma das mulheres compareceu no dia agendado (pela assistente social do ASM). Não procurei fazer mais entrevistas porque, nessa etapa, eu já havia obtido as informações relacionadas aos demais objetivos com observações e diversas conversas informais.

Procurei entrevistar mulheres que estivessem em diferentes fases do diagnóstico/tratamento. A descrição de cada uma dessas entrevistas é apresentada no Capítulo 5.

As entrevistas não tiveram um roteiro fechado. Para favorecer a aproximação e deixar as mulheres à vontade, logo depois de me apresentar como pesquisadora procurava estabelecer empatia, deixando-as falar livremente. Quando elas estavam mais soltas, eu fazia o convite formal para que fizessem parte da minha pesquisa; avisava que a entrevista seria gravada e lia o Termo de Consentimento Informado e Esclarecido (APÊNDICE 1). Embora não tivesse um roteiro fechado, havia algumas questões norteadoras, introduzidas em algum momento da conversa: 1) quando e como foi o diagnóstico do nódulo e os eventos relacionados a ele; 2) o tempo entre um procedimento/consulta e outro; 3) o percurso que elas percorreram para chegar a esse ambulatório (serviços); 4) o que foi mais difícil nesse trajeto e o que as ajudou. Solicitei, também, informações biográficas: nome, idade e município de origem.

Quanto à análise, após ouvir a gravação, foi realizada a transcrição sequencial e em seguida construídos mapas dialógicos para cada uma das entrevistas (APÊNDICE 1). Fizemos três mapas, já que duas das mulheres participaram de uma mesma conversa: uma que estava prestes a retirar o câncer e outra que já havia concluído o tratamento. As outras duas mulheres foram entrevistadas separadamente.

Os mapas “têm duplo sentido: dar subsídios ao processo de interpretação e facilitar a comunicação dos passos subjacentes ao processo interpretativo” (SPINK; LIMA, 2004, p. 107). Além de permitir visualizar o contexto interativo da entrevista, constituem uma rica ferramenta de análise à medida que mostra o jogo de posicionamentos entre o entrevistado e o entrevistador, as narrativas que surgem a partir das perguntas e comentários e os temas que emergem para além deles. Mesmo que a entrevista seja aberta, começamos fazendo uma pergunta ou comentários disparadores: “me conte sobre”, “fale sobre isso”, “qual é a sua percepção sobre tal coisa”. Nesse sentido, minimamente toda entrevista tem um roteiro (alguns mais abertos, outros mais fechados), que vai dar uma forma à interação. No entanto, muitos temas que não estavam incluídos no roteiro emergem de acordo com o que as pessoas consideram mais importante ou sentem necessidade de falar, e isso deve ser considerado na análise (SPINK, 2004).

Assim, após a leitura e a transcrição sequencial, definimos as categorias temáticas organizadoras dos conteúdos das entrevistas. Na construção dos mapas dialógicos dessa pesquisa estabelecemos as categorias temáticas descritas a seguir, procurando englobar o que buscávamos saber por meio das perguntas norteadoras descritas anteriormente e os temas que as mulheres trouxeram à tona.

Diagnóstico: por diagnóstico entendemos o conjunto de estratégias voltadas para mulheres com sinais ou sintomas da doença, realizadas primordialmente na atenção básica: exame clínico das mamas e mamografia; ultrassom (se necessário).

Cirurgia: aqui estamos considerando três tipos de cirurgia: a retirada do nódulo suspeito que será encaminhado para biópsia e, em caso positivo para câncer, cirurgia com margem de segurança para evitar metástase (quando é necessário retirar mais tecido da região de onde o nódulo foi retirado; nesse caso, a mulher passa por mais uma cirurgia), além da cirurgia de esvaziamento da axila.

Tratamento: após a confirmação do câncer a mulher passa por uma etapa fundamental para evitar o avanço da doença, com quimioterapia e radioterapia.

Enfrentamentos e apoios: durante a longa trajetória que a mulher percorre nessa rede complexa que envolve o câncer, e é composta por diversas materialidades e socialidades, não são poucas as adversidades que ela encontra pelo caminho. Nesse contexto,

entendemos enfrentamentos como os diversos sofrimentos (os seus próprios e os das pessoas de seu convívio direto), conflitos, dores, emoções, marcas físicas e o estigma que marca as pessoas que convivem com o câncer. Por outro lado, não faltam suportes vindos de diferentes esferas de sua vida, que vão aliviar o seu sofrimento e auxiliá-la a prosseguir com o tratamento para enfrentar a doença: convivência com outras mulheres que também tiveram câncer, religiosidade, relações familiares e afetivas, suporte institucional, acolhimento por parte dos profissionais de saúde etc.

Relação com os profissionais de saúde: a relação que se estabelece entre as mulheres e os profissionais de saúde é parte crucial dessa trajetória na convivência com o câncer, principalmente com os médicos, marcada por contradições, dubiedade, gratidão, dúvidas, ressentimentos e diversos outros afetos. Como pudemos observar na fala das entrevistadas, esses profissionais vão de “deuses” a “doidos”, dependendo de sua conduta e da dinâmica do tratamento.

Percursos: entendemos que os caminhos percorridos pelas mulheres não são lineares. A partir das recomendações das políticas oficiais e das estratégias dos serviços de saúde regionais para prevenção e controle do câncer, geralmente as mulheres que têm acesso aos serviços vivem uma trajetória que começa com as consultas de rotina e, em alguns casos, com a descoberta de um nódulo. Mas, a partir daí, os desdobramentos vão depender de diversos fatores: política regional, investimento do município de origem, acolhimento dos serviços da rede e capacidade técnica dos recursos humanos.

Esses mapas nos permitiram visualizar que lidar com a doença demanda um grande investimento afetivo/cognitivo das mulheres, muitas das quais desenvolvem algumas estratégias de enfrentamento da doença que lhes auxiliam a prosseguir o tratamento, a lidar com os seus efeitos e com a desestabilização que ocorre na família e mesmo com conhecidos e estranhos, que não compreendem a doença. Elas frequentemente utilizam o espaço do ambulatório para compartilhar suas vivências com as outras mulheres que estão vivendo situações semelhantes.

Para além do atendimento nos serviços, as mulheres quiseram falar de suas vidas, da família, de como enfrentaram esse momento com recursos emocionais próprios ou pela religiosidade; dos medos, da morte, das marcas indeléveis que o câncer deixa. Assim, elas

encontraram em mim alguém que não só perguntou, mas as ouviu. E nesse processo de interação, esta pesquisadora aprendeu, agradeceu e se emocionou diversas vezes.

Todos os nomes utilizados nessa pesquisa são fictícios, tanto das mulheres quanto dos médicos.

No documento MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL (páginas 37-41)