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MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL

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Academic year: 2018

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Samanta Micheli Cunha

Percursos, enfrentamentos e apoios na convivência com o câncer de mama

MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL

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Samanta Micheli Cunha

Percursos, enfrentamentos e apoios na convivência com o câncer de mama

MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de

MESTRE em Psicologia Social, sob a orientação da Profa. Dra. Mary Jane Paris Spink.

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Percursos, enfrentamentos e apoios na convivência com o câncer de mama

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de

MESTRE em Psicologia Social, sob a orientação da Profa. Dra. Mary Jane Paris Spink.

Aprovada em: ______ de _______________________ de 2013.

BANCA EXAMINADORA

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Para minha mãe, Maria do Carmo, mulher desbravadora que me ensinou com amor o que é mais importante na vida.

Para minhas filhas, Beatriz e Luiza, minhas maiores alegrias, que me surpreendem e encantam todos os dias.

Para as tias Nícia e Maria (in memoriam), que encheram minha vida de doçura e afeto.

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À minha orientadora, Profa. Dra. Mary Jane P. Spink, por ter me acolhido no Núcleo de Práticas Discursivas e Produção de Sentidos, pela valiosa e inestimável orientação. Por tornar a pesquisa mais interessante e desafiadora;

Às Profas. Dras. Bader Burihan Sawaia e Jacqueline Isaac M. Brigagao pelas pertinentes e enriquecedoras sugestões no exame de qualificação. À Bader, por compartilhar suas inquietações e assim enriquecer a pesquisa. À Jaque, em especial, por ser minha referência desde a época de graduação;

À Profas. Dras. Maria Cristina Vicentin, Maria do Carmo Guedes e ao Prof. Dr. Salvador Antonio M. Sandoval, que foram fundamentais para a minha formação acadêmica;

À Profa. Dra. Maria Lúcia Rodrigues, por ter me recebido na disciplina que ministra no Programa de Estudos Pós-Graduados em Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e assim ter me dado a oportunidade de fazer interlocuções interessantes com as colegas do serviço social;

Ao Fernando Malta Cardoso, meu grande companheiro de vida, minha fonte de inspiração. Por todo incentivo, apoio, paciência e amor;

À minha querida irmã Silvia Antonia de Morais, pela força e determinação que nos fazem persistir nos nossos sonhos. Por ter me dado as bases para eu me tornar o que sou hoje;

À Profa. Dra. Tânia Regina Botelho Pupo, que tanto me ensinou sobre esse tema instigante que é saúde, sobre a delicadeza e grandeza da vida, sobre fé. Obrigada por tornar possível a realização dessa pesquisa em Jundiaí;

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Lima;

Agradeço aos demais colegas com quem trilhei o caminho do mestrado: Naiara Matos, Renata Leatriz, Taynã Bonifácio, Geisa Gomes, Lilian Clementoni, Raquel Franchito, Suzimar W. De Morais, Joel Borella, Alciene Ferreira e Ivonete Gardini;

À Claudia Malinverni, pela revisão impecável e cuidadosa. Pelo incentivo e por tornar o processo mais leve e alegre;

À Julia Francisca G. Simões Moita, que me fez retomar o gosto pelas reflexões teóricas, principalmente os estudos feministas;

À equipe do Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social, em especial Dr. Marcos Kisil e Tatiana Akabane van Eyll. À equipe do Instituto Avon: Lírio Cipriani, Angela Fioravante, Rita Dardes e Olga Corch Simantob;

A Paulo de Tarso Magalhães Gomes, que me ajudou a plantar sementes que brotam até hoje. Por exercer um papel na minha formação que é imensurável;

A todos os profissionais do Ambulatório de Saúde da Mulher de Jundiaí; Às mulheres que participaram da pesquisa;

À Marlene, que com seu trabalho e competência facilita os processos administrativos;

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Os desenhos que abrem cada um dos capítulos da dissertação são da artista plástica carioca Fernanda Fonseca, uma amiga querida e talentosa que descobriu um câncer de mama em 2011 – por uma dessas coincidências, no mesmo ano em que comecei a pesquisa.

Durante os quase dois anos de tratamento, Fernanda usou de seu talento e da sua sensibilidade para elaborar o sofrimento, transformando em arte o processo que vivenciou.

Ela e todas as mulheres que integram essa pesquisa nos mostram que há também beleza nas adversidades da vida. Encontramos nos desenhos elementos comuns às falas das mulheres que entrevistamos: a simbologia das marcas deixadas no corpo pelo tratamento; descobrir outras estéticas na fase de perda dos cabelos; enxergar sutilezas no cotidiano, a despeito da dor que se sente.

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RESUMO

Em decorrência da alta mortalidade de mulheres por câncer de mama no país, ocasionada pelo diagnóstico tardio, a doença vem sendo, progressivamente, foco das políticas e programas governamentais da saúde da mulher. Visamos com essa pesquisa compreender os principais desafios que as mulheres atendidas no SUS encontram no percurso que fazem entre os serviços de saúde, com ênfase nas estratégias de enfrentamento, nos apoios e na maneira como convivem com a doença. Ao questionar os fundamentos ontológicos da verdade e entender que a realidade é múltipla, o câncer de mama não é compreendido como um ente uno rodeado por diferentes olhares. Tendo como pressupostos epistemológicos as noções de multiplicidade, performance (enactment), materialidades e socialidades postuladas por Mol (2008) e Law e Mol (1995), propomos o prisma da complexidade: o câncer é múltiplo e performado por diversas práticas. Fazemos também um diálogo com algumas noções da Teoria Ator-Rede, dentre elas o princípio da simetria entre humanos e não humanos na rede heterogênea em que o câncer é performado. As reflexões sobre campo-tema e pesquisa no cotidiano serviram de base teórico-metodológica, no período em que permanecemos no serviço de mastologia do Ambulatório de Saúde da Mulher de Jundiaí-SP. Para atingir os nossos objetivos, utilizamos diversos instrumentos de pesquisa e fontes de informação, como observações e conversas registradas em diário de campo, documentos do ASM, sites governamentais, entrevistas com profissionais do serviço e com mulheres que passavam por diferentes fases de diagnóstico e tratamento. A partir da narrativa dessas mulheres, elaboramos mapas dialógicos com as categorias temáticas: diagnóstico, cirurgia, tratamento, enfrentamentos e apoios, relação com os profissionais de saúde e percursos. Verificamos as implicações do rastreamento constante e o limiar entre a saúde e a doença nos casos “suspeitos”, bem como as materialidades e socialidades presentes em cada estágio do câncer de mama e as diversas práticas que o performam. Buscamos compreender as similaridades e particularidades no enfrentamento da doença e vimos que a convivência com ela é permeada por dificuldades, tensionamentos, negociações e conflitos entre os profissionais e as mulheres, mas também é atravessada por protagonismo, vínculo, acolhimento e solidariedade.

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ABSTRACT

Due to the high mortality rate for woman breast cancer in the country, caused by late diagnosis, this disease has progressively become the focus of government policies and programmes on women's health. In this research we aim to understand the key challenges women served on SUS need to deal in their flows between services, with emphasis on coping strategies and the way they live with the disease. Questioning the ontological foundations of truth and understanding that reality is multiple, breast cancer is not understood as a singular object surrounded by different perspectives. We ground on epistemological assumptions and notions of multiplicity, performance (enactment), materialities and socialities postulated by Mol (2008) and Law and Mol (1995) to propose the prism of complexity: the cancer is multiple and performed by various practices. We also make a dialogue with some notions of Actor-Network Theory, among them, the principle of symmetry between humans and non humans on the heterogeneous network where cancer is enacted. The concepts of field-theme and research in daily live were our theoretical and methodological basis, in the period in which we were researching in the service of the Health Clinic of Mastology Woman of Jundiaí-SP. To achieve our goals, we used a variety of search tools and sources of information, observations and conversations recorded in a logbook, documents of the ASM, government sites, interviews with professionals working in the service and with women who passed through different stages of diagnosis and treatment. According to the narratives of these women, we produced dialogical maps with thematic categories: diagnosis, surgery, treatment, clashes and supports, relationship with health professionals and tracks. We note the implications of constant surveillance and we also trace the threshold between health and disease in "suspicious" cases, as well as the materialities and socialities present in each stage of breast cancer and the various practices they perform. We seek to understand the similarities and points of interest involved in coping with the disease and we have seen that the coexistence with it is pervaded by difficulties, stresses, negotiations and disputes between professionals and women, but it is also crossed by active roles, bond, nourishment and solidarity.

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TABELA 1– Taxa de incidência e mortalidade por câncer de mama...

TABELA 2 –População-alvo das ações de detecção precoce do câncer de mama da CRG Jundiaí: mulheres (zona urbana e rural) por idade...

TABELA 3 – Cobertura do exame de mamografia, de acordo com o município em 2009...

TABELA 4 - Pacto pela Saúde – 2010/2011, dados preliminares. Eixo Prioritário II – Controle do câncer de útero e de mama. Indicador 4: razão entre mamografias realizadas nas mulheres de 50 a 69 anos e população feminina nesta faixa etária, em determinado local e no...

TABELA 5 - Óbitos por câncer de mama notificados, de janeiro a dezembro De 2010...

QUADRO 1 - Programas e politicas para o controle de câncer de mama...

QUADRO 2 – Recomendações para detecção precoce por faixa etária e grupos de risco...

FIGURA 1 - Detecção precoce do câncer de mama no Brasil...

FIGURA 2 - Fluxo de atendimentos de mastologia na CGR...

MAPA 1 – Distribuição dos Departamentos Regionais de Saúde do Estado de São Paulo...

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ASM– Ambulatório de Saúde da Mulher de Jundiaí BIRADSBreast Imaging-Reporting and Data System Datasus– Banco de Dados do Sistema Único de Saúde

Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social– IDIS

Femama– Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama Fosp – Fundação Oncocentro de São Paulo

Inamps– Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social INCA – Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva MS– Ministério da Saúde

Seade– Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados Sismama– Sistema de Informação do Câncer de Mama Sispacto– Aplicativo do Pacto pela Saúde

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CAPÍTULO 1: INTRODUÇÃO... 1.1 PRESSUPOSTOS ONTOLÓGICOS E EPISTEMOLÓGICOS... 1.2 O CÂNCER DE MAMA COMO FOCO DE PESQUISA...

CAPÍTULO 2: DELINEANDO OS PASSOS DA PESQUISA – OBJETIVOS E PROCEDIMENTOS... 2.1 SOBRE OS OBJETIVOS...

2.1.1 Objetivo Principal... 2.1.2 Objetivos Específicos... 2.2 A ESCOLHA DO AMBULATÓRIO DE SAÚDE DA MULHER DE JUNDIAÍ – SP... 2.3 SOBRE OS PROCEDIMENTOS DE PESQUISA... 2.3.1 As Conversas, Observações, Documentos e Registros... 2.3.2 As Entrevistas com as Mulheres... 2.4 ASPECTOS ÉTICOS...

CAPÍTULO 3: O CÂNCER DE MAMA COMO FOCO DAS POLÍTICAS DE SAÚDE... 3.1 DE DOENÇA MALDITA ÀS ATUAIS POLÍTICAS DE CONTROLE DO CÂNCER DE MAMA...

3.1.1 A Participação da Sociedade Civil na Luta Contra o Câncer de Mama... 3.1.2 As Diretrizes para o Controle do Câncer de Mama... 3.2 O EXAME CLÍNICO E A MAMOGRAFIA COMO PRINCIPAL ESTRATÉGIA DE CONTROLE DO CÂNCER DE MAMA NO CONTEXTO DAS POLÍTICAS DE SAÚDE... 3.2.1 Rastreamento Mamográfico: Políticas Públicas versus Especialistas...

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4.1 O MUNICÍPIO DE JUNDIAÍ COMO POLO REGIONAL DO COLEGIADO GESTOR REGIONAL JUNDIAÍ... 4.1.1 O ASM na Rede De Serviços para a Detecção Precoce e Controle do Câncer de Mama nos Nove Municípios que Compõem a CGR Jundiaí... 4.1.2 Fluxo de Atendimento da Mastologia na Região... 4.1.3 Os Principais Desafios na Rede de Serviços...

4.2. CARACTERIZAÇÃO DO AMBULATÓRIO DE SAÚDE DA

MULHER... 4.2.1. O Fluxo do Atendimento no ASM em Jundiaí... 4.2.2. Os Principais Desafios e Possibilidades do ASM...

4.2.2.1 O Espaço Físico... 4.2.2.2 O Acolhimento... 4.2.2.3 Necessidade de Reuniões Periódicas... 4.2.3 Investimento nos Recursos Tecnológicos e nos Canais de Comunicação com os Usuários...

CAPÍTULO 5: AS MULHERES ENTREVISTADAS... 5.1 OS PERCURSOS NA REDE DE SERVIÇOS... 5.1.1 Vânia: Nódulo Benigno... 5.1.2 Lúcia: um Diagnóstico Recente de Câncer de Mama... 5.1.3 Mirza: a Fase Intermediária do Tratamento... 5.1.4 Mariana: a Fase Final do Tratamento...

CAPÍTULO 6: A CONVIVÊNCIA COM O CÂNCER DE MAMA... 6.1 SOB A ÉGIDE DO CONTROLE: ENFRENTANDO OS DILEMAS DO RASTREAMENTO CONSTANTE...

6.1.1 Os Nódulos Benignos: Tornando-se um “Caso Suspeito... 6.2 AS DIFERENTES FASES DA CONVIVÊNCIA COM OS NÓDULOS “MALIGNOS... 6.2.1 Do Diagnóstico e Cirurgias às Radioterapias/Quimioterapias e

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6.3 ENFRENTAMENTOS E APOIOS...

CAPÍTULO 7: CONSIDERAÇÕES (NEM SEMPRE) FINAIS...

8 REFERÊNCIAS...

APÊNDICES A- Termo de Consentimento Informado e Esclarecido... APÊNDICES B - Exemplo de mapa dialógico...

ANEXO A - Parecer do Comitê de Ética em Pesquisa... ANEXO B - Autorização para uso de imagem...

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CAPÍTULO 1: INTRODUÇÃO

Não daria conta de discorrer sobre todas as escolhas e todos os caminhos que percorri nesta pesquisa, porque eles foram muitos. E a memória, por mais que recorramos a registros, pode falhar ou embaçar algumas passagens. Mas sempre partimos de alguns pontos disparadores e, para situar o leitor, vou elencar alguns dos principais percursos pessoais que me levaram a escolher esse tema.

Durante dois anos, de 2005 a 2007, fui coordenadora de projetos em uma organização não governamental que presta consultoria para institutos, fundações, empresas e famílias que aportam recursos para a área social – o Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (IDIS). Com histórico de formação em psicologia e experiência anterior na área da saúde, especificamente com HIV/aids, acompanhei mais de 45 projetos voltados para detecção precoce do câncer de mama, desenvolvidos em diversas regiões do país, com apoio financeiro e técnico do Instituto Avon, que, no Brasil, atua nessa causa desde sua criação, em 2003.

O meu papel principal era acompanhar a implementação dos projetos da extinta “Campanha um beijo pela vida”, que passavam por diferentes fases dentro de um ciclo:

- Identificação e prospecção junto a organizações de referência na prevenção e atendimento ao câncer de mama no Sistema Único de Saúde, em todo país;

- Arrecadação de recursos por meio da venda de produtos identificados com um selo da campanha no folheto da Avon;

- Abertura de edital para a inscrição de projetos enviados pelas organizações de referência previamente identificadas;

- Seleção dos projetos que estavam dentro dos critérios estabelecidos pelo Comitê Técnico do Instituto Avon e IDIS (formado por médicos, especialistas em saúde pública, administradores, assistentes sociais e psicólogos, entre outros);

- Oficina de elaboração de projetos voltada para os coordenadores das propostas selecionadas, organizada e conduzida pelo Comitê Técnico e por especialistas do terceiro setor;

- Seleção final dos projetos;

- Acompanhamento e monitoramento das atividades dos projetos apoiados, a serem desenvolvidas no período de 18 meses;

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Fazendo parte da equipe do IDIS, entre minhas funções principais estavam acompanhar o desenvolvimento dos projetos: verificar se as atividades estavam alinhadas com os objetivos previstos; acompanhar indicadores; verificar as dificuldades; e prestar apoio técnico para que as organizações encontrassem alternativas para os imprevistos, além de identificar boas práticas para reunir os aprendizados acumulados. Por meio de reuniões mensais com o Comitê Técnico, um relatório sobre cada projeto era colocado em pauta. O apoio técnico específico para cada um deles era desenvolvido em conjunto com profissionais de áreas diversas, resultando em uma atividade multidisciplinar. Assim, procurava-se contemplar os diversos olhares e saberes – do gestor da área da saúde, das organizações parceiras, do cuidador, do técnico, do médico, do profissional que atuava na ponta executando as atividades, das mulheres – para que os projetos ganhassem em qualidade, eficiência e eficácia.

Esse olhar em rede, somado à riqueza de acompanhar diferentes realidades brasileiras – os projetos eram implementados por atores locais de diversas regiões do país – , me permitiu conhecer melhor como funciona essa complexa rede de pessoas e organizações, entrelaçada por outras sub-redes locais e regionais, que têm como política reguladora o SUS.

Foi uma rica vivência na qual pude compreender a magnitude do câncer de mama no contexto do Sistema Único de Saúde, contemplando as particularidades e os desafios que cada região tem de encarar para enfrentar o problema da doença, que cada vez mais ganha espaço nas políticas públicas.

O trabalho com um tema que é estreitamente ligado à saúde, ao corpo e à vida das mulheres também foi motivado pela minha própria condição de mulher, de filha, sobrinha, mãe de duas meninas e, principalmente, de irmã – quando eu era criança acompanhei a angústia de minha segunda irmã, que retirou um nódulo mamário aos 16 anos.

Desde cedo aprendemos que o corpo deve ser alvo de atenção e cuidado em saúde. Da primeira menarca até o final da vida reprodutiva recebemos avisos imperativos do que devemos fazer com a saúde ginecológica, quando e como. Ainda muito novas escutamos que a menstruação marca um período fundamental, aquele em que podemos gerar outra vida. E, no qual, também estamos sujeitas a adoecer.

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enfrentamos alguma intercorrência (inevitável ao longo da vida) e nos submetemos a exames e procedimentos para investigar se está tudo bem conosco.

Também presenciei muitas mulheres do meu convívio, próximo ou mais distante, adoecerem de câncer de mama. E vivo receosa com a possibilidade de um dia também vir a adoecer, da mesma maneira que muitas mulheres, enredadas que estamos por questões comuns que nos afligem.

Mas a principal questão que me traz angústia era e continua sendo: por que algumas mulheres se veem curadas e tantas outras morrem por câncer de mama no Brasil? Estava claro que há, para além dos casos particulares, uma importante questão ligada ao descumprimento de um dos princípios que norteiam o SUS: falta equidade em saúde. Quem tem rápido acesso aos serviços eficientes de saúde engrossa as estatísticas de mais de 90% de cura. Já as que dependem de um sistema moroso e ineficiente têm as chances significativamente reduzidas.

Em razão desse cenário, mesmo quando deixei de trabalhar com o tema diretamente, a partir de meados de 2007, me sentia instigada a estudá-lo mais a fundo. Por sua tradição de pesquisas no campo da saúde, em 2010 me aproximei do Núcleo de Práticas Discursivas e Produção de Sentidos (NPDPS) – na graduação em psicologia tive oportunidade de ser aluna de uma pesquisadora do Núcleo.

1.1 PRESSUPOSTOS ONTOLÓGICOS E EPISTEMOLÓGICOS

No Núcleo somos constantemente provocados a abordar nossos temas e práticas de pesquisa a partir de uma posição crítica em psicologia social. Tendo como bases epistemológicas e ontológicas as vertentes pós-construcionistas, responsáveis por nossa ótica não fundacional e desnaturalizante, partimos das reflexões de Annemarie Mol (2008) sobre ontologia política para discutir o caráter múltiplo da realidade. Entre as questões que a autora levanta, a principal delas é como o real e o político estão imbricados um no outro. A combinação dos termos “ontologia” e “política” forma um termo composto. Fazendo referência a Michel Foucault, ontologia, que na filosofia diz respeito ao que pertence ao real, refere-se às ‘condições de possibilidade’ (termo foucaultiano) com que vivemos. Essas condições de possibilidade não são dadas a priori. São, antes, modeladas pelas práticas.

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entanto, nas últimas duas décadas, essas ideias estão sendo fortemente rebatidas. A autora propõe que seja retirado o caráter estável, generalizável e determinado da realidade e, em seu lugar, se estabeleça o contrário: “a realidade é localizada histórica, cultural e materialmente” (Mol, 2008, p. 64).

E pensar a realidade sob essa ótica implica falar em realidades, no plural. Mol enfatiza que não se trata de simples pluralismo ou perspectivismo, quando vários olhares miram um objeto único e dão suas diferentes versões sobre ele. A autora dá um passo adiante quando diz que realidades são múltiplas. Falar da realidade a partir de seu caráter múltiplo nos traz o desafio de buscar outras metáforas. Sobre isso ela coloca:

Não as de perspectiva e construção, mas sim as de intervenção e performance. Estas sugerem uma realidade que é feita e performada [enacted], e não tanto observada. Em lugar de ser vista por uma diversidade de olhos, mantendo-se intocada no centro, a realidade é manipulada por meio de vários instrumentos, no curso de uma série de diferentes práticas. Aqui é cortada a bisturi; ali está a ser bombardeada com ultrassons; acolá será colocada numa balança e pesada. Mas, enquanto parte de actividades tão diferentes, o objeto em causa varia de um estádio para o outro. Aqui é um objecto carnudo, ali é um objecto espesso e opaco, além é um objecto pesado. Nas histórias de performance, a carnalidade, a opacidade e o peso não são atributos de um objecto único com uma essência escondida. Tão pouco é função dos instrumentos pô-los à mostra como se fossem vários aspectos de uma realidade única. Em vez de atributos ou aspectos, são diferentes versões do objecto, versões que os instrumentos ajudam a performar [enact]. São objectos diferentes, embora relacionados entre si. São formas

múltiplas da realidade – da realidade em si (MOL, 2008, p. 66)

A autora dá o exemplo da anemia para ilustrar o seu argumento. Ela pode ser identificada no consultório com medidas de verificação simples de sintomas: olhos empalidecidos, exame do aspecto geral da pele, as queixas verbalizadas pelo paciente (tontura, fraqueza, cansaço). Essa é a performance da anemia na clínica, verificada pela presença de sintomas visíveis. Em outro momento, ela é performada no laboratório, onde o sangue é retirado da veia, condicionado em tubos, levados ao técnico que irá verificar as taxas de hemoglobina dessa amostra, relacionando-as com um valor esperado para o grupo ao qual aquele indivíduo pertence (homem, mulher, criança, grávida). Essa é a anemia performada pela estatística. Na prática, porém, pode haver a ausência de sintomas físicos e a taxa de hemoglobina dar alterada no exame. A autora continua:

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As diferentes realidades, versões e performances coexistem. Elas interferem umas nas outras e muitas vezes entram em conflito e tensionamento. Cada versão sobre o fenômeno vai produzir um efeito na realidade, que tem esse caráter múltiplo justamente por abarcar todas essas versões. Enfatizamos: não são versões que descrevem de maneira diferente uma realidade única. São diversas versões que produzem variados efeitos e performam realidades.

A Teoria Ator-Rede, um dos principais movimentos que romperam radicalmente com a concepção tradicional de realidade, se caracteriza por um conjunto de princípios metodológicos, epistemológicos e trabalhos de campo que há mais de duas décadas subverteram o pensamento social. A TAR se caracteriza por realizar um minucioso e persistente trabalho de demolição das dicotomias que tradicionalmente integram as análises de cunho sociológico e psicossocial: natureza e sociedade, macro e micro, humanos e não humanos (TIRADO: DOMÈNECH, 2005).

De acordo com esses autores, uma das noções com a qual a TAR trabalha é a simetria generalizada. Tanto sociedade quanto natureza não são considerados entes que possuem essência. Ambas são construções de redes heterogênas. Há uma dissolução da barreira entre natureza e sociedade, humanos e não humanos. No entanto, os autores afirmam que o pressuposto da simetria generalizada só pode ser compreendido se relacionado com outro princípio da TAR: a noção redes heterogêneas formada por humanos e não humanos. E nessa rede, para quem a analisa sob a perspectiva da TAR, uma entidade nunca prevalece sobre a outras. A relação entre humanos não será considerada, a priori, mais relevante do que as relações estabelecidas entre humanos e não humanos. As pessoas, os objetos, os eventos e as estruturas são produtos – ou efeitos – de um emaranhado formado por materiais heterogêneos, justapostos, unidos e configurados por relações que são capazes de estabelecer entre si. Essa lógica semiótica prioriza a parte, o detalhe, a especificidade do objeto, em contraposição ao objeto acabado, evidente e manifesto. Os efeitos que esses materiais heterogêneos produzem na rede igualmente heterogênea são efeitos provisórios, transitórios e inacabados.

No enquadre da TAR, que rompe com a dicotomia entre material e social, as materialidades e socialidades são relacionais e produzidas conjuntamente:

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relações. Dentro dessa lógica, dá-se um passo adiante: os materiais estão constituídos interativamente; fora dessas interações não têm existência, não têm realidade (LOW; MOL, 1995, p. 277. Tradução nossa).

Diante dessas perspectivas, que rompem com a tendência de simplificar a realidade, devemos evitar explicar os fenômenos de maneira simplificadora e olhá-los (acentua?) sob o prisma da complexidade. Essa postura também tem implicações sobre o conhecimento, que tal qual a realidade, também é múltiplo. Podemos, a partir das ideias de Mol, refletir sobre os fenômenos fazendo algumas perguntas: porque as coisas são como são? Elas poderiam ser de outra maneira? Homens e mulheres, por exemplo, ocupam determinados lugares na sociedade. Mas uma mudança na ideia do que os caracterizou como “X” e “Y” no curso da história poderia mudar completamente o rumo dessas noções. A construção do conhecimento, assim, passa de uma reflexão sobre as possibilidades daquilo que poderia ter sido e não foi – ou nas palavras de Mol (2008), “os perdedores perderam” 1 – para abordagens nas quais devemos pensar em outras possibilidades existentes, ou seja, abordagens que nos permitem fazer políticas ontológicas.

Aqui abrimos um parêntese para reforçar que, circunscrita em um Núcleo que reconhece o lugar primordial da linguagem em uso no cotidiano, evidentemente as práticas discursivas se entrelaçam com essas noções. Partindo do pressuposto de que os sentidos que damos às coisas e ao mundo são coconstruídos no ‘aqui e agora’ da interação entre duas ou mais pessoas, damos também aos sentidos o caráter da multiplicidade. Mais que isso: entendemos que as práticas discursivas provocam efeitos e performam a realidade.

Para entendermos como os sentidos circulam na sociedade, é necessário considerar três instâncias: a do tempo vivido (experiências da pessoa no curso da sua história pessoal, onde ocorre o aprendizado das linguagens sociais), a do tempo curto (interações sociais face a face, é o momento concreto da vida social) e a do tempo longo (conhecimentos que advém de diferentes áreas do saber e que antecedem a vida da pessoa, mas que nela se fazem presentes por meio de instituições, modelos, normas, códigos, etc.). Essa concepção de linguagem como prática social, a partir da perspectiva bakhtiniana (BAKHTIN, 1994), caracteriza a linguagem em uso pela polissemia e pela contradição. Assim entendido, não existe um sentido puro, a priori, que seria base ou matriz de todos os outros sentidos

1 Mol fala que as histórias construtivistas versam sobre “coisas que poderiam ser”, mas que desapareceram

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relacionados a ele (embora saibamos que os discursos são perpassados também por repertórios do tempo longo da história). Indo além, a linguagem não é apenas troca entre dois ou mais interlocutores, é também ação e produz consequências e efeitos no mundo. Para compreendê-la é necessário não apenas uma análise do seu conteúdo (pois cairíamos um uma armadilha conteudista), mas também do contexto de sua produção – quem fala, para quem, quando, em quais condições, de que modo, com quais intenções, com quais efeitos, etc.

1.2 O CÂNCER DE MAMA COMO FOCO DE PESQUISA

O câncer de mama é uma importante questão de saúde pública atualmente e envolve diferentes setores da sociedade, tendo como fio condutor as versões clínicas e epidemiológicas preconizadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e pelo Instituto Nacional do Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA), órgão auxiliar do Ministério da Saúde, responsável por formular diretrizes para prevenção, detecção e controle do câncer no país.

Cabe ressaltar aqui o nosso pressuposto de que, para além das diretrizes e discursos oficiais, circulam outras versões que coexistem e se influenciam, às vezes entrando em conflito, às vezes convergindo. Descobertas clínicas irão influenciar políticas públicas, que por sua vez irão influenciar e definir intervenções clínicas. Essas descobertas são amplamente divulgadas para a população por meio de campanhas de conscientização do governo e também pelos meios de comunicação, em um processo contínuo de negociação e tensão entre os atores envolvidos. Essas informações são traduzidas para o público leigo nos jornais, rádios, revistas e televisão, entre outros, alimentando o imaginário social sobre o que é o câncer de mama e como preveni-lo. Todas essas versões coexistentes vão resultar em práticas discursivas sobre o que é saúde e o que é câncer de mama.

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No caso da arterosclerose, a definição médica poderia se resumir a uma doença crônico-degenerativa na qual ocorre a obstrução gradual das artérias (assim como o câncer poderia se resumir ao crescimento desordenado das células). Porém, Mol propõe que na prática essa doença pode ser muitas outras coisas. Em um dado momento e lugar, o médico cirurgião olha o vaso sanguíneo dilatado na perna do paciente; em outro, o patologista examina um fragmento do tecido retirado na cirurgia. Assim, a aterosclerose vista através de um microscópio é diferente da aterosclerose vista a olho nu.

Essa multiplicidade de práticas, no entanto, não implica fragmentação da doença, nem pluralismo simples. Ao contrário, haverá tantas “ateroscleroses” quantos procedimentos e técnicas existirem (por isso é múltipla) e vice-versa, incluindo transporte de formulários e arquivos, realização de imagens, conferências para discussão de casos e conversas entre médico e paciente, etc. – cada uma delas performando uma forma da doença.

Articulando essa noção com o tema desta pesquisa, o modo como o câncer de mama é organizado não pode ser entendido como mera prática: cada modo de organização e ordenamento produzem diferentes “cânceres de mama”. Indo além, essas performances possuem efeitos na realidade, performam de diferentes maneiras as múltiplas realidades e nelas intervêm. Estamos falando de ontologias políticas: cada qual produzirá efeitos diversos na rede ou rizoma ao qual foi agregado. Organizar o mundo em nossos sistemas classificatórios, por exemplo, é performar e produzir esse próprio mundo, é performar versões desse mundo. “Em vez de atributos ou aspectos, são diferentes versões do objecto, versões que os instrumentos ajudam a performar [enact]. São objectos diferentes, embora relacionados entre si. São formas múltiplas da realidade – da realidade em si” (MOL, 2008, p. 66).

O câncer de mama é também performado por meio de dados estatísticos e epidemiológicos; por conjunturas políticas e econômicas – locais, regionais e internacionais; pela pressão de movimentos sociais e grupos ideológicos, interesses de classe, entre outros. Mesmo reconhecendo que se tratam de versões múltiplas, considerando que o campo de pesquisa está imbricado com os serviços de saúde, optamos por priorizar a versão fornecida pelas principais agências que mapeiam o câncer, o que embasa as políticas de controle e orienta os estudos clínicos, embora o que é consenso sobre câncer de mama em um dado momento possa virar dissenso em outro.

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representava 23% do total de casos no mundo. Nas mulheres, é a causa mais frequente de morte por câncer.

As causas do câncer de mama não são totalmente conhecidas, mas sabe-se que a doença é multifatorial e depende de uma complexa combinação de fatores. A idade é o principal fator de risco, que aumenta a partir dos 35 anos em alguns grupos. As mulheres que têm entre 50 e 70 anos são as mais propensas, por isso as políticas de rastreamento, baseadas nas recomendações da Organização Mundial de Saúde, são prioritariamente focadas nessa faixa etária. Existe também a predisposição genética, que não é tão significativa, pois representa de 5% a 10% dos casos, mas serve como alerta. Apesar de raras, mutações genéticas nos genes BRCA1 e BRCA2 estão associadas a alto risco (AMENDOLA; VIEIRA, 2005).

Os fatores que predispõem as mulheres ao câncer de mama são classificados entre os inevitáveis e os que podem ser evitados por meio da mudança ou incorporação de hábitos e comportamentos, possibilitando assim a intervenção direta dos programas de prevenção. Na primeira classificação temos as seguintes características: sexo feminino, idade maior que 55 anos, predisposição genética, antecedência pessoal e familiar, alta densidade mamária, menarca precoce ou menopausa tardia. Já os fatores de risco que podem ser evitados, minimizando em tese as chances de câncer, são: migração, exposição à radiação ionizante, nuliparidade ou primeira gestação depois dos 30 anos, uso de terapia de reposição hormonal, não amamentar, consumo de álcool, fumo, abuso de gordura animal e obesidade.

A presença de fatores de risco isolados ou combinados em uma pessoa não indica probabilidade de que ela vá desenvolver a doença, mas que existe uma predisposição maior. Portanto, essa pessoa torna-se público alvo das políticas públicas de saúde para prevenção e controle.

A incidência do câncer de mama é maior nas nações desenvolvidas, mas o Brasil e demais países em desenvolvimento também vêm apresentando um aumento na sua incidência, principalmente pelo envelhecimento da população (a idade é o principal fator de risco), crescimento demográfico e mudanças nos hábitos de vida.

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No Brasil, o câncer de mama é a primeira causa de morte por neoplasia nas mulheres, com exceção da região Norte, onde ele ocupa o segundo lugar (INCA, 2009). Conforme a Estimativa 2012 – Incidência de câncer no Brasil (INCA, 2011), para o ano de 2012 estavam previstos 52.680 novos casos de câncer de mama no país (risco estimado de 52 casos a cada 100 mil mulheres). De acordo com o órgão, essa incidência é maior na região Sudeste, com probabilidade estimada de 65 casos para cada 100 mil mulheres. Nas outras regiões, desconsiderando-se o câncer de pele, é o mais frequente nas mulheres das regiões Sul (64/100.000), Centro-Oeste (38/100.000), Nordeste (30/100.000) e Norte (17/100.000) – esta última a única onde o câncer de colo de útero ocupa a primeira posição. Há dados que indicam um aumento na taxa de mortalidade (padronizada por idade/100.000 mulheres) de 5,77 em 1979, para 9,74 em 2000 (INCA, 2004). Em 2009 foram registrados 11,3 óbitos/100.000 mulheres, sendo essa a média anual de mortes por câncer de mama nesse grupo (INCA, 2009).

Ainda de acordo com o órgão (2004), na contramão dos países que investiram em políticas de rastreamento para detecção e tratamento precoces e assim inverteram a proporção incidência versus mortalidade, no Brasil o aumento dos casos nas últimas décadas vem acompanhado do aumento do índice de mortalidade por câncer de mama.

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Tabela 1 – Taxa de incidência e mortalidade por câncer de mama.

Incidência Mortalidade

Região/País

Taxa Bruta Taxa

Padronizada Taxa Bruta

Taxa Padronizada

Finlândia 151,1 86,6 31,3 14,7

Reino Unido 146,2 87,9 38,3 18,6

Espanha 97,6 61,0 26,6 12,8

Estados Unidos 115,5 76,0 25,6 14,7

Canadá 136,9 83,2 30,2 15,6

Austrália 126,5 84,8 25,6 14,7

Japão 70,3 42,7 18,1 9,2

Paraguai 39,6 51,4 13,2 17,1

Bolívia 18,4 24,0 5,8 7,6

Zâmbia 11,2 20,5 6,3 12,2

Brasil * 43,7 42,3 12,9 12,3

Brasil (dados oficiais) ** 52,5 - 12,3 11,3

Fonte: GloboCan. IARC (WHO), 2008.

*Os dados do Globocan são diferentes dos dados das fontes nacionais por diferenças metodológicas no cálculo das taxas.

**Referem-se à estimativa de incidência para 2012/2013 (INCA, 2011) e à taxa de mortalidade do ano de 2009 (Sistema de Informação sobre Mortalidade/Ministério da Saúde).

No Brasil as causas para essa alta mortalidade são múltiplas e complexas, sendo as mais flagrantes: “buracos” na rede (quando, por exemplo, o profissional identifica um nódulo suspeito, mas o serviço que deveria fazer a biópsia tem uma fila de espera grande); falha no atendimento do profissional de saúde da atenção primária, onde comumente o exame físico 2 não é realizado como rotina; demora no encaminhamento entre um serviço e outro – da UBS até o hospital de média e alta complexidade (referência e contrarreferência); hegemonia do modelo hospitalocêntrico que dificulta o acolhimento humanizado aos usuários; sucateamento, falta de aparelhos e entraves burocráticos para a manutenção dos equipamentos necessários para o diagnóstico e tratamento (mamógrafos, ultrassom, agulhas para punção, máquinas de radioterapia). Além desses problemas, há também a má qualidade geral dos exames por imagem, o que levou o governo federal a criar, em 2012, o Programa Nacional de Qualidade em Mamografia (2012). Esses desafios são ainda maiores se levarmos em conta a dimensão geográfica e as especificidades de cada região do país, com o agravante de que há uma distribuição desigual de serviços especializados entre as regiões em razão dos centros de diagnóstico e tratamento estarem concentrados no Sudeste.

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Dos problemas citados acima, um dos que mais levam ao diagnóstico tardio é o demorado encaminhamento da mulher com suspeita de câncer – feito pela unidade básica de saúde (UBS) ao Centro de Referência de Média e Alta Complexidade – para confirmação diagnóstica e tratamento3. Esses encaminhamentos e/ou atendimentos demorados entre os serviços de saúde é um dos motivos para a alta mortalidade das mulheres com câncer de mama, pois a doença muitas vezes é de rápida progressão. Quando finalmente é feita a intervenção, o câncer pode estar em estágio avançado. Consequentemente, além da menor chance de sobrevida, há também outros agravos à saúde, como necessidade de retirada total ou parcial da mama, acarretando sofrimento e fortes impactos físicos, econômicos e psicológicos à mulher. Um estudo do IBGE (2010), feito com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), relaciona baixa escolaridade e pobreza com dificuldade de acesso aos exames preventivos para o câncer de mama, o que evidencia ainda mais a inequidade em saúde.

Nesse trajeto tortuoso, mulheres se veem com a vida radicalmente alterada após o impacto de uma doença difícil de enfrentar, que é agravada por todas essas dificuldades. Muitos casos que resultam em sequelas irreversíveis ou morte poderiam ter outro desfecho. Diante do exposto, consideramos o tema relevante e esperamos contribuir para o debate na perspectiva da psicologia social.

No capítulo a seguir, fazemos uma descrição dos passos metodológicos. No Capítulo 3, versamos sobre como o câncer de mama se inseriu como foco das políticas públicas de saúde no Brasil, apresentando um breve resgate histórico. Já no Capítulo 4, descrevemos o Ambulatório de Saúde da Mulher de Jundiaí-SP, importante referência para os municípios que compõem a regional de saúde. Procuramos, no Capítulo 5, compreender os caminhos percorridos entre os serviços de saúde e analisamos, no capítulo 6, a partir da perspectiva de mulheres atendidas no serviço de mastologia do ASM, como se dá a convivência com o câncer de mama, tendo em vista seu caráter múltiplo e as diferentes práticas que o performam. Encerramos com as considerações finais.

3 Pesquisa realizada na Casa de Saúde Santa Marcelina, hospital de maior referência na zona leste de São

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CAPÍTULO 2: DELINEANDO OS PASSOS DA PESQUISA

OBJETIVOS E PROCEDIMENTOS

2.1 SOBRE OS OBJETIVOS

2.1.1 Objetivo Principal

Compreender os principais enfrentamentos e apoios na trajetória de mulheres que convivem com o câncer de mama.

2.1.2 Objetivos Específicos

• Entender a organização do serviço de mastologia do Ambulatório de Saúde da Mulher;

• Traçar as trajetórias percorridas por mulheres com suspeita ou confirmação de câncer de mama em busca de atendimento nos serviços de saúde;

• Entender as estratégias de enfrentamento da doença, com ênfase nos apoios recebidos e nas maneiras como convivem com a doença.

2.2 A ESCOLHA DO AMBULATÓRIO DE SAÚDE DA MULHER DE JUNDIAÍ-SP

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de fomento que a financiou, era secretária de Saúde de Jundiaí. Como já nos conhecíamos4, pude apresentar pessoalmente este projeto. Nessa reunião também obtive informações sobre a situação do câncer de mama na região, o que me ajudou a definir com mais precisão quais seriam as principais questões da pesquisa.

Logo depois dessa aproximação, acompanhei duas conferências municipais de saúde que antecederam a XIV Conferência Nacional de Saúde 5. Essa foi uma importante etapa no processo e me permitiu verificar a importância do controle social, bem como as diversas questões sobre saúde discutidas por vários segmentos da comunidade: população em geral, lideranças comunitárias, representantes de movimentos sociais, profissionais de saúde, universidades, pesquisadores e gestores, entre outros.

Essas etapas iniciais, acrescidas de informações obtidas na pesquisa bibliográfica e documental, assim como nas conversas e observações feitas na própria unidade de saúde, foram fundamentais para definir os procedimentos de pesquisa.

2.3 SOBRE OS PROCEDIMENTOS DE PESQUISA

2.3.1 As Conversas, Observações, Documentos e Registros

Os procedimentos utilizados nessa pesquisa incluíram diversas fontes de informação, como documentos, sites, observações, conversas, entrevistas, reuniões e participação em eventos.

Tomando por base a noção de “campo-tema” de Peter Spink (2003), entendemos pesquisa como um processo construído à medida que se faz o pesquisar. Esse processo não é rígido, estático, plano ou linear. Não possui um único ponto de partida e outro de chegada, nem parte da definição prévia e precisa de objetivos e controle dos métodos de investigação e análise – pressupostos que tradicionalmente embasam trabalhos que têm por base metodologias mais tradicionais. Ao contrário, a pesquisa tende a se dar a partir da identificação de um ponto de partida, por meio do qual “iria se caminhando sem saber direito como e onde” (SPINK, P., 2003, p. 20).

Nessa proposta os caminhos da pesquisa não são únicos, mas múltiplos, assim como os seus horizontes. Usando a analogia de Cordeiro (2004), vamos tateando com um

4 Tânia R. G. Botelho Pupo era a gerente de projetos a quem eu me reportava diretamente quando trabalhei

no IDIS, entre os anos de 2005 e 2007.

5 Pré-Conferência Municipal de Saúde de Jundiaí, realizada em 02/06/11, e IX Conferência Municipal de

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mapa em mãos que rascunham de onde partimos e aonde temos de chegar, embora, ao longo do trajeto, acrescentemos atalhos, encontremos trilhas desconhecidas a serem desbravadas, mudando continuamente o percurso.

Isso não quer dizer que em alguns momentos não seja necessário delimitar o caminho que temos de fazer para chegar a um determinado lugar. Planejamos, sim, o nosso roteiro de viagem, mas precisamos estar dispostos a mudá-lo e, não raro, encontramos lugares e paisagens que nunca imaginamos. Podemos dizer que pesquisa é um processo contínuo de abertura e fechamento. Para não ficarmos muito limitados e presos, precisamos abrir os horizontes (o tema, os objetivos, as hipóteses). Contudo, também é necessário fechá-los para não nos perdermos no caminho. É essa processualidade que dá movimento à pesquisa (CORDEIRO, 2004).

O termo “campo” não se refere a um lugar específico, cindido, distante e que possui uma realidade independente, no máximo ligada ao que está no seu entorno. O campo está no Ambulatório de Saúde da Mulher de Jundiaí, mas está também nos encontros cotidianos, nas conversas que temos na lanchonete enquanto tomamos um cafezinho, no papo com a atendente do restaurante onde almoçamos, com a pessoa que sentou ao nosso lado no ônibus na viagem até Jundiaí e contou sobre sua mãe idosa e doente. Está nos encontros dos pesquisadores do Núcleo, na notícia que acabamos de ouvir no rádio pela manhã. É na vida das pessoas que o tema emerge, ora de maneira central, ora de maneira periférica, mas nunca em vão. Nós também fazemos parte do campo. Assim como as materialidades que o constituem e que são parte das nossas conversas: o gravador, a caneta, o caderno do diário de campo, o Termo de Consentimento Informado e Esclarecido em pesquisa, o folder afixado na parede, a notícia que vimos no jornal local e foi pauta do diálogo com a funcionária que faz a limpeza do ambulatório.

Além da participação em eventos, como as conferências de saúde, foram feitas diversas visitas semanais ao AMS Jundiaí, configurando-se assim como uma pesquisa no cotidiano. A observação no cotidiano e não observar o cotidiano é o fio condutor dessa metodologia de observação, de caráter psicossocial, um movimento de reação à hegemonia da psicologia social norte-americana, que buscava separar e distanciar o pesquisador do objeto de pesquisa, nos anos 1970 e 1980.

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cotidiano é partícipe das ações nos espaços mais ou menos públicos, faz parte da comunidade, se coloca e é colocado pelos demais no fluxo, o que permite a todos uma compreensão compartilhada da interação social (SPINK, 2007). Nas palavras da autora:

(...) consideramos que, ao pesquisar no cotidiano, nos posicionamos como membros da comunidade – e, como tal, capazes de interpretar as ações que se desenrolam nos espaços e lugares em que se dará a pesquisa – porque somos parte desta comunidade e compartilhamos normas e expectativas que nos permitem pressupor uma compreensão compartilhada (SPINK, 2007, p. 13).

Em dezembro de 2011 obtive a aprovação do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Em fevereiro de 2012 iniciei as visitas ao Ambulatório de Saúde da Mulher de Jundiaí. Essas visitas eram semanais e duraram seis meses, sendo realizadas todas as sextas-feiras, das 9 às 15h30. Durante dois meses elas ocorreram também às segundas-feiras.

Foi um período muito rico e intenso, em que procurei compreender as diversas materialidades e socialidades presentes no serviço. Também foi um aprendizado contínuo sobre o meu lugar de pesquisadora, de como eu era posicionada e me posicionava, do estabelecimento de vínculos com as pessoas que fazem parte do cotidiano do ASM, de conquistas e também de frustrações – processo fundamental para a formação do pesquisador na construção da pesquisa.

O trajeto de ônibus entre São Paulo e Jundiaí durava entre 40 minutos e 1 hora, no máximo. O silêncio, a ausência de poluição, o verde da paisagem e o azul do céu, mais vivos, traziam paz e possibilidade de contemplação, fazendo fluir os pensamentos. Nesse percurso, aproveitava para ler um livro ou um artigo, rascunhar ideias. Eram momentos inspiradores que proporcionavam a reflexão sobre a pesquisa, a escrita; quando eu organizava as informações.

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de onde eu voltava toda semana trazendo uma sensação parecida com aquela de voltar da terra da gente.

Meu primeiro contato no ASM foi com a diretora médica do serviço, para quem apresentei a minha pesquisa, defini o dia e o horário em que frequentaria o serviço e obtive informações sobre o histórico e funcionamento da organização: o fluxo de atendimento, a população atendida e os principais desafios enfrentados pelo serviço na rede de assistência à saúde do município, entre outros aspectos. Também tive acesso a documentos do ASM sobre o perfil populacional, a cobertura de exames, o funcionamento da referência e contrarreferência locais. Ao final da reunião, a diretora me apresentou à coordenadora do ASM e enfermeira-chefe do serviço de mastologia.

Em uma segunda etapa, conversei com a coordenadora para apresentar mais detalhadamente a pesquisa, bem como verificar o perfil da população atendida e compreender como ela estava inserida nas redes municipal e estadual de saúde.

No início, quando comecei as visitas, percebia alguns olhares curiosos e outros desconfiados. Na correria da organização, com tantas pessoas que entram e saem do serviço, estava ali a minha presença inusitada. Mesmo após ter sido apresentada pela coordenadora aos profissionais de saúde, senti por um bom tempo o estranhamento que minha presença causava. Isso gerava em mim certo desconforto; um receio de que não fosse conseguir “quebrar o gelo”.

Fui buscando criar minimamente uma rotina de trabalho, dividindo as conversas com as mulheres no período da manhã e com os profissionais à tarde, embora esperasse sempre o melhor momento para abordá-los (nos intervalos dos atendimentos e pausas para o café, por exemplo). O vai e vem frenético dos funcionários da área da saúde, onde há inúmeras intercorrências, inibe a abordagem. Há um descompasso entre o tempo dos entrevistados e o da pesquisadora, que ainda está se ambientando à rotina do lugar.

Essa relação do pesquisador com o lugar e as pessoas vai sendo construída no decorrer desse processo. Sato e Souza afirmam que:

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De forma paulatina e nas horas oportunas, no cafezinho, na pausa após o almoço, no corredor, eu puxava conversa e aproveitava as brechas para falar sobre mim e conhecer as pessoas com quem eu conversava. Assim, comecei cada vez mais a fazer parte da rotina da instituição. Na parte da manhã, passava horas conversando com as mulheres que aguardavam a consulta, na sala de espera e também na área externa, onde estavam dispostos alguns bancos. No primeiro mês, almoçava sozinha nos restaurantes e lanchonetes próximos ao ASM. Depois, a convite de algumas profissionais, passei a frequentar o restaurante do hospital onde a unidade está localizada. Nesse momento, conversávamos tanto amenidades quanto sobre questões do ambulatório.

Para isso, foi necessário a coordenadora providenciar para mim o vale-almoço, vendido exclusivamente para os funcionários e estudantes que possuem vínculo com o hospital. Adentrar em um espaço reservado à comunidade do ASM gerou certa desconfiança em algumas pessoas com quem compartilhava a mesa no refeitório, que dirigiam a mim poucas palavras. Mas também experimentei muita receptividade por parte de outras, principalmente das assistentes sociais, que aproveitavam esses encontros para falar dos filhos, dos passeios turísticos disponíveis na cidade e também das atividades que exerciam, dos principais gargalos na rede de atendimento, da sensação de impotência em algumas situações de trabalho. Falavam com entusiasmo das mudanças que queriam propor e das possibilidades do serviço social.

Depois de circular nos espaços comuns, passei cerca de quatro meses usando parte do tempo para fazer observação na sala da pós-consulta, local onde duas atendentes marcam exames de acordo com a guia emitida pelo médico durante a consulta, realizada minutos antes. Ali, sob a perspectiva de quem recebe o usuário, pude observar desde o tempo decorrido entre um exame e outro até situações mais difíceis, como a de uma mulher que chegou devastada porque o seu feto morrera semanas antes da data prevista para o parto.

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usuário disse que o computador não aceitou porque “preferia mulheres”. Naquele momento, o computador e o sistema ganharam a conotação de “burros” e “mulherengos”.

Tomando como exemplo os princípios da TAR, que propõe a dissolução da barreira entre natureza e sociedade, sujeito e objeto, natural e tecnológico, macro e micro, humanos e não humanos, esse episódio ilustra a noção de que os agentes humanos e não humanos ocupam uma posição fluida e variável na rede:

A semiótica propõe a simetria entre os agentes humanos e não humanos. Consideram-se agentes qualquer entidade que gere um efeito na rede ou tenha algum valor de significação. Esses agentes continuamente aparecem, desaparecem, movem-se, mudam de lugar uns com outros, estabelecendo entre si um jogo novo de relações (TIRADO; DOMÈNECH, 2005, p. 11; tradução nossa).

Esse caso permite também entrever que os serviços não estão preparados para acolher demandas que fogem ao usual. Ainda que a incidência de câncer de mama masculino seja baixa, ela existe. Isso reflete ainda como nas ações de saúde, fortemente voltadas para as mulheres, há uma lacuna muito grande a ser superada nas questões de saúde do homem. O fato de um homem ter sido encaminhado para o Ambulatório de Saúde da Mulher nos desperta para outra questão importante: a inexistência de um centro de referência para o público masculino, a despeito de ser essa uma das metas do Pacto pela Saúde 6.

Muitas vezes minha presença também despertou desconfiança e curiosidade. Como o espaço da pós-consulta era reduzido, procurava ficar em um canto para não atrapalhar o movimento das atendentes que precisavam pegar medicamentos, pastas, atender ao telefone etc. Sem saber quem eu era e o que fazia na naquela área restrita aos funcionários, um médico do serviço perguntou de maneira descontraída: “Quem é o dois de paus?” (expressão para se referir a alguém que está parado, aparentemente sem função). Achei graça, e todos rimos.

Após esse episódio, refleti sobre o meu papel e sobre o lugar da pesquisa no cotidiano da organização. Nessa relação em que constantemente situamos e somos situados como pesquisadores, as pessoas também têm suas próprias ideias sobre o que é pesquisa e o que faz um pesquisador (SATO; SOUZA, 2001). O que faz uma pessoa que porta um

6 O Pacto pela Saúde é um conjunto de reformas institucionais pactuado entre as três esferas de gestão

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caderno e uma caneta, que faz perguntas que ninguém faz no dia a dia, que escuta e olha o entra e sai, enquanto todos estão ocupados em suas tarefas de rotina? Esses posicionamentos se alternavam. Em outra situação, uma farmacêutica disse que o meu trabalho seria de extrema relevância para a região. Já a assistente social, certa vez, me puxou para um canto para pedir conselhos sobre como lidar com algumas questões que a deixavam insatisfeita – segundo ela, “eu via o ambulatório de um lugar que ninguém conseguia ver.” Ou seja, eu ocupava uma posição de especialista.

Todas as minhas inquietações, angústias, dúvidas, conversas, observações, escutas, impressões – tanto no ambulatório quanto fora dele – foram registradas em um caderno que chamei de “diário de campo”. Assim que me via sozinha, após o almoço e no ônibus de volta para São Paulo, fazia minhas anotações. Isso por que percebi que fazer essas anotações enquanto conversava, principalmente com os profissionais, acabava gerando desconfianças e receios. Somente nos momentos muito impactantes, para não correr o risco de a memória falhar, saía discretamente e escrevia em um lugar reservado. Nas conversas informais com as mulheres, que muitas vezes falavam de datas e lugares onde realizavam exames, pedia licença para fazer anotações no diário.

Para sistematizar as diversas informações que registrei nesse caderno, digitava regularmente em um arquivo do Word, que resultou em 29 páginas. Posteriormente, sistematizei essas anotações em um quadro com o resumo das questões relacionadas à organização dos serviços e principais queixas e pontos favoráveis na perspectiva das mulheres e dos profissionais.

Tendo em vista as materialidades que compõem a rede, solicitei à coordenadora do serviço o prontuário de algumas mulheres. Para que a minha demanda fosse atendida seria necessário que uma pessoa que cuida dos arquivos dispusesse de tempo para separá-los. Assim, somente um mês após essa solicitação tive acesso aos prontuários. Quando os recebi, ofereceram uma sala vazia para que eu pudesse olhar calmamente os papéis.

Fui tomada por um misto de sensações. Estava animada por poder finalmente ler os prontuários, mas, mesmo tendo recebido autorização para tanto, também fiquei angustiada por acessar dados clínicos das mulheres, informações sigilosas e pessoais. Os manuseei como um arqueólogo que toca em artefatos frágeis e importantes. Fiquei sensibilizada, por exemplo, ao ver, pela data de nascimento (1990), que uma delas era bem jovem.

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encaminhada, para qual organização, quando, quais as recomendações). Vários estão incompletos, com espaços deixados em branco, muitas vezes indecifráveis em razão da caligrafia sofrível. Isso sem dúvida tem impactos nos serviços e na sistematização dos dados epidemiológicos do município. Apesar de ser uma fonte de dados importante, não pudemos utilizar os prontuários exatamente pela impossibilidade de sistematizar as informações fragmentadas, ilegíveis ou ausentes.

Para fazer a caracterização do Ambulatório de Saúde da Mulher e compreender as políticas de assistência ao câncer de mama nas esferas locais, regionais e federais, bem como as políticas, os programas, as estratégias e os indicadores oficiais sobre a doença disponíveis para o público em geral, acessei, entre os meses de abril e junho de 2012, diversos documentos e sites:

- Documento de Consenso para Controle do Câncer de Mama do INCA; - Programa Nacional de Controle do Câncer de Mama do INCA;

- Datasus (banco de dados informatizado do SUS); - Sismama;

- Sispacto (onde estão os registros das prioridades, objetivos, metas e indicadores dos pactos pela saúde firmados entre as três esferas de governo);

- Indicadores de saúde do Estado de São Paulo registrados na Fundação Seade;

- Manual do usuário do SUS, disponível no site da Secretaria de Saúde de Jundiaí.

As reuniões e conversas com os profissionais também foram fundamentais para a caracterização do ASM e compreensão da rede de serviços. No entanto, elas não foram foco da análise realizada nesta pesquisa.

2.3.2 As Entrevistas com as Mulheres

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pessoas e constantemente negociados em determinados contextos e locais, buscava dar voz às mulheres que frequentavam o serviço no momento da pesquisa.

As entrevistas foram realizadas no ambulatório, no espaço coletivo, onde havia algumas cadeiras. Frequentemente, conversávamos antes e depois da consulta. Algumas vezes as pacientes me procuravam para conversar assim que saíam da consulta; noutras, eu as procurava para ver se estava tudo bem. Em média, as entrevistas duraram entre 40 e 50 minutos; nos casos em que continuávamos após as consultas, pelo menos mais 10 minutos. Apesar de ter permanecido no ambulatório de fevereiro a agosto de 2012, as entrevistas que apresento aqui foram realizadas com apenas quatro mulheres: uma de Jundiaí, outra de Várzea Paulista e duas de Jarinu. Embora inicialmente pretendesse entrevistar seis usuárias, duas entrevistas não puderam ser realizadas por que nenhuma das mulheres compareceu no dia agendado (pela assistente social do ASM). Não procurei fazer mais entrevistas porque, nessa etapa, eu já havia obtido as informações relacionadas aos demais objetivos com observações e diversas conversas informais.

Procurei entrevistar mulheres que estivessem em diferentes fases do diagnóstico/tratamento. A descrição de cada uma dessas entrevistas é apresentada no Capítulo 5.

As entrevistas não tiveram um roteiro fechado. Para favorecer a aproximação e deixar as mulheres à vontade, logo depois de me apresentar como pesquisadora procurava estabelecer empatia, deixando-as falar livremente. Quando elas estavam mais soltas, eu fazia o convite formal para que fizessem parte da minha pesquisa; avisava que a entrevista seria gravada e lia o Termo de Consentimento Informado e Esclarecido (APÊNDICE 1). Embora não tivesse um roteiro fechado, havia algumas questões norteadoras, introduzidas em algum momento da conversa: 1) quando e como foi o diagnóstico do nódulo e os eventos relacionados a ele; 2) o tempo entre um procedimento/consulta e outro; 3) o percurso que elas percorreram para chegar a esse ambulatório (serviços); 4) o que foi mais difícil nesse trajeto e o que as ajudou. Solicitei, também, informações biográficas: nome, idade e município de origem.

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Os mapas “têm duplo sentido: dar subsídios ao processo de interpretação e facilitar a comunicação dos passos subjacentes ao processo interpretativo” (SPINK; LIMA, 2004, p. 107). Além de permitir visualizar o contexto interativo da entrevista, constituem uma rica ferramenta de análise à medida que mostra o jogo de posicionamentos entre o entrevistado e o entrevistador, as narrativas que surgem a partir das perguntas e comentários e os temas que emergem para além deles. Mesmo que a entrevista seja aberta, começamos fazendo uma pergunta ou comentários disparadores: “me conte sobre”, “fale sobre isso”, “qual é a sua percepção sobre tal coisa”. Nesse sentido, minimamente toda entrevista tem um roteiro (alguns mais abertos, outros mais fechados), que vai dar uma forma à interação. No entanto, muitos temas que não estavam incluídos no roteiro emergem de acordo com o que as pessoas consideram mais importante ou sentem necessidade de falar, e isso deve ser considerado na análise (SPINK, 2004).

Assim, após a leitura e a transcrição sequencial, definimos as categorias temáticas organizadoras dos conteúdos das entrevistas. Na construção dos mapas dialógicos dessa pesquisa estabelecemos as categorias temáticas descritas a seguir, procurando englobar o que buscávamos saber por meio das perguntas norteadoras descritas anteriormente e os temas que as mulheres trouxeram à tona.

Diagnóstico: por diagnóstico entendemos o conjunto de estratégias voltadas para mulheres com sinais ou sintomas da doença, realizadas primordialmente na atenção básica: exame clínico das mamas e mamografia; ultrassom (se necessário).

Cirurgia: aqui estamos considerando três tipos de cirurgia: a retirada do nódulo suspeito que será encaminhado para biópsia e, em caso positivo para câncer, cirurgia com margem de segurança para evitar metástase (quando é necessário retirar mais tecido da região de onde o nódulo foi retirado; nesse caso, a mulher passa por mais uma cirurgia), além da cirurgia de esvaziamento da axila.

Tratamento: após a confirmação do câncer a mulher passa por uma etapa fundamental para evitar o avanço da doença, com quimioterapia e radioterapia.

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entendemos enfrentamentos como os diversos sofrimentos (os seus próprios e os das pessoas de seu convívio direto), conflitos, dores, emoções, marcas físicas e o estigma que marca as pessoas que convivem com o câncer. Por outro lado, não faltam suportes vindos de diferentes esferas de sua vida, que vão aliviar o seu sofrimento e auxiliá-la a prosseguir com o tratamento para enfrentar a doença: convivência com outras mulheres que também tiveram câncer, religiosidade, relações familiares e afetivas, suporte institucional, acolhimento por parte dos profissionais de saúde etc.

Relação com os profissionais de saúde: a relação que se estabelece entre as mulheres e os profissionais de saúde é parte crucial dessa trajetória na convivência com o câncer, principalmente com os médicos, marcada por contradições, dubiedade, gratidão, dúvidas, ressentimentos e diversos outros afetos. Como pudemos observar na fala das entrevistadas, esses profissionais vão de “deuses” a “doidos”, dependendo de sua conduta e da dinâmica do tratamento.

Percursos: entendemos que os caminhos percorridos pelas mulheres não são lineares. A partir das recomendações das políticas oficiais e das estratégias dos serviços de saúde regionais para prevenção e controle do câncer, geralmente as mulheres que têm acesso aos serviços vivem uma trajetória que começa com as consultas de rotina e, em alguns casos, com a descoberta de um nódulo. Mas, a partir daí, os desdobramentos vão depender de diversos fatores: política regional, investimento do município de origem, acolhimento dos serviços da rede e capacidade técnica dos recursos humanos.

Esses mapas nos permitiram visualizar que lidar com a doença demanda um grande investimento afetivo/cognitivo das mulheres, muitas das quais desenvolvem algumas estratégias de enfrentamento da doença que lhes auxiliam a prosseguir o tratamento, a lidar com os seus efeitos e com a desestabilização que ocorre na família e mesmo com conhecidos e estranhos, que não compreendem a doença. Elas frequentemente utilizam o espaço do ambulatório para compartilhar suas vivências com as outras mulheres que estão vivendo situações semelhantes.

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encontraram em mim alguém que não só perguntou, mas as ouviu. E nesse processo de interação, esta pesquisadora aprendeu, agradeceu e se emocionou diversas vezes.

Todos os nomes utilizados nessa pesquisa são fictícios, tanto das mulheres quanto dos médicos.

2.4 ASPECTOS ÉTICOS

A pesquisa passou por análise e aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa, segundo protocolo legal (ANEXO 1), atendendo as recomendações éticas relativas às pesquisas com seres humanos do Conselho Nacional de Saúde.

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Imagem

Tabela 1 – Taxa de incidência e mortalidade por câncer de mama.
Figura 1 - Detecção precoce do câncer de mama no Brasil.
Tabela 2 – População-alvo das ações de detecção precoce do câncer de mama da CRG Jundiaí: mulheres  (zona urbana e rural) por idade
Figura 2 - Fluxo de atendimentos de mastologia na CGR.
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