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2.3 A PESQUISA EMPÍRICA: ENTREVISTAS E A OBSERVAÇÃO ONLINE-

2.3.1 As entrevistas com as e os estudantes

No contexto da pesquisa social, Gil (2008) destaca a coerência e importância da técnica da entrevista nos diferentes cenários de investigação. Segundo ele, o método permite obter informações “[...] acerca do que as pessoas sabem, crêem, esperam, sentem ou desejam, pretendem fazer, fazem ou fizeram, bem como acerca das suas explicações ou razões a

respeito das coisas precedentes” (GIL, 2008, p.109). Além disso, de acordo com o autor, o método possui vantagens como possibilitar a construção de dados referentes aos mais diversos aspectos da vida social, é uma técnica eficiente para a obtenção de informações em profundidade sobre o comportamento humano, além de que os dados produzidos nesse processo são passíveis de classificação e de quantificação. A percepção da coerência da aplicação de entrevistas com os sujeitos do cenário do nosso estudo nasceu a partir das primeiras conversas e visitas exploratórias que realizamos nas escolas ocupadas de Santa Maria, relatadas acima. Nessas primeiras aproximações com o campo, percebemos a riqueza dos relatos realizados pelos e pelas estudantes e nos atentamos para a importância de dar voz a eles e elas.

No prisma de Manzini (1991), a entrevista pode ser classificada como não estruturada (também conhecida como aberta ou não diretiva), estruturada (conhecida também como fechada, entrevista diretiva, com respostas de múltipla escolha, por exemplo) e semiestruturada. Segundo o autor, essa última, “[...] está focalizada em um objetivo sobre o qual confeccionamos um roteiro com perguntas principais, complementadas por outras questões inerentes às circunstâncias momentâneas à entrevista” (MANZINI, 1991, p.154). Ou seja, constitui um formato que mesmo com perguntas predefinidas permite liberdade ao pesquisador e à pesquisadora de inserir abordagens de acordo com o contexto do diálogo com os sujeitos da pesquisa. Além disso, para Triviños (1987, p.152), a entrevista semiestruturada se apoia em questionamentos básicos advindos de teorias e hipóteses que se relacionam ao tema da pesquisa, “[...]favorece não só a descrição dos fenômenos sociais, mas também sua explicação e a compreensão de sua totalidade[...]”.

Com base nesses pressupostos, definimos a entrevista realizada nessa pesquisa como semiestruturada, uma vez que ela está guiada por questões predefinidas em um roteiro (Apêndice A), mas aplicada de uma maneira flexível. Nessa configuração, o instrumento elaborado está subdividido em três seções que contemplam os seguintes eixos investigativos: 1.Contranarrativas sobre a ocupação na escola, 2.Contranarrativas sobre a mídia e 3. Contranarrativas sobre a educação pública, correlatas às categorias constituídas no contexto da observação online-sistemática, como veremos a seguir. No primeiro eixo, o objetivo é conhecer como a escola desse sujeito entrevistado se envolveu no movimento, quais as reivindicações, relações com a comunidade e com a luta dos professores e das professoras, forma de organização-divisão de atividades, período, eventos/oficinas realizados. No segundo

eixo, visamos entender como os e as estudantes que ocuparam a escola se comunicavam entre si e entre as outras escolas/estudantes, quais as relações que estabeleciam com a mídia hegemônica e alternativa e quais os meios que usavam para comunicar o que acontecia na escola ocupada. No último e terceiro eixo do instrumento de pesquisa, objetivamos compreender as representações dos e das estudantes sobre a educação pública (escola, professores e professoras, Estado) e aprendizados que tiveram ao participar da mobilização.

Além de definirmos o formato da entrevista e o roteiro de perguntas, outro ponto que precisa ser destacado é em relação ao local da realização da entrevista e os dispositivos utilizados para o armazenamento das informações coletadas. No nosso caso, as entrevistas foram realizadas tanto in loco, dentro do ambiente escolar no período que ocorria as ocupações escolares, quanto via internet, através do aplicativo WhatsApp, que permitiu a troca de áudios entre a pesquisadora e os entrevistados e as entrevistadas e a gravação do conteúdo coletado. Posteriormente à realização das entrevistas, o conteúdo ia sendo transcrito para facilitar a análise e interpretação do que víamos tendo acesso a partir do diálogo com os e as estudantes secundaristas, sujeitos dessa pesquisa. Em ambos os casos, os instrumentos que usamos foram uma caderneta de anotações, o smartphone e o acesso à internet.

A complementação entre entrevistas offline e entrevistas online foi importante para o nosso estudo, pois nos permitiu ampliar a abrangência da nossa investigação para outros estados, já que as ocupações em escolas constituíram um fenômeno de atuação em diferentes locais no país. Assim, conseguimos realizar entrevistas com estudantes de três importantes regiões que tiveram as escolas ocupadas, no caso Rio Grande do Sul, São Paulo e Paraná. Nesse ponto, vale ressaltar o cuidado que tivemos para que, embora os momentos e meios das entrevistas fossem diferentes, obtivéssemos uma mediação, um contato, o mais próximo possível com os entrevistados e as entrevistadas. Assim, optamos, no caso das entrevistas realizadas com estudantes do estado de São Paulo e Paraná, realizá-las em tempo real, via

WhatsApp, como já mencionado. Sobre os tipos de entrevistas mediadas por computador,

Johnson (2010) distingue as assíncronas e as síncronas, esta última sendo o nosso caso:

As entrevistas assíncronas são caracterizadas por conversas que não acontecem em tempo real, ou seja, nem o pesquisador e nem os pesquisados precisam estar on-line ao mesmo tempo. Essas entrevistas são geralmente feitas por e-mail. As entrevistas síncronas, ao contrário, acontecem em tempo real e podem ser baseadas em texto em salas de bate-papo de grupos de discussão. (JOHNSON, 2010, p.76).

A partir das considerações expostas delinearemos de forma geral o contexto de realização das entrevistas que compõe os dados de análise desse estudo. Nesse sentido, delimitamos um número de dois estudantes secundaristas entrevistados e entrevistadas, por região estudada. Nesse ponto é importante frisar que essa escolha, critério de seleção dos sujeitos da pesquisa, está relacionada às possibilidades de acesso com os e as estudantes secundaristas. Ou seja, dada a natureza desse cenário empírico, deu-se a partir de fatores como localização (no caso dos e das estudantes do RS); acesso à internet por parte dos e das estudantes; contatos que conseguimos através de associações, profissionais que estavam fazendo a cobertura das ocupações (no caso do movimento em SP e PR), já que não tivemos a oportunidade de visitar pessoalmente a mobilização nessas regiões. Considerando tais condições, procuramos estabelecer uma pluralidade entre os e as participantes, constituindo um grupo de seis entrevistas, realizadas tanto com os estudantes, quanto com as estudantes do movimento estudantil.

Assim sendo, no caso do Rio Grande do Sul, essas entrevistas foram realizadas em junho de 2016, de forma presencial, junto a duas escolas ocupadas em Santa Maria (município onde conseguimos acompanhar de perto o movimento). A primeira entrevista foi realizada com um estudante51 da Escola de Ensino Médio Cilon Rosa, a primeira escola ocupada na

cidade, o que constitui também um dos motivos da escolha (a escola foi ocupada do dia 19 de maio até o dia 26 de junho de 2016). A segunda com um estudante52 da Escola Estadual de

Educação Básica Augusto Ruschi, localizada na periferia da cidade e que possui um histórico de resistência e envolvimento em lutas e projetos educomunicativos e comunitários, alguns em parceria com a UFSM, fator que também consideramos importante na hora de seleção para a pesquisa (a escola foi ocupada do dia 21 de maio até o dia 04 de julho de 2016). Salientamos que as mesmas foram realizadas com estudantes envolvidos com a comissão de comunicação dessas duas escolas ocupadas no município.

Por outro lado, para o estudo dos contextos de ocupação de São Paulo e Paraná as entrevistas foram realizadas pela internet em novembro e dezembro de 2016, período em que decidimos expandir também para outros estados o estudo do movimento e quando estava em

51

Estudante de 16 anos. Cursava o 3º ano do Ensino Médio. Sonho em ser jornalista e trabalhar com jornalismo de moda. Até então havia participado apenas de passeatas e mobilizações nas ruas. Entrevista realizada no dia 20 de junho de 2016.

52

Estudante de 15 anos. Cursava o 9º ano do Ensino Fundamental. Sonho em ser skatista. Principal meio de comunicação utilizado: Internet. Pai (aposentado) e mãe (dona de casa). Primeira mobilização/movimento que participa. Entrevista realizada no dia 21 de junho de 2016.

auge as ocupações de escolas no Paraná. A partir tanto da Associação de Jornalistas de Educação – JEDUCA53 quanto da ONG Viração – Educomunicação, conseguimos contatos de

estudantes secundaristas do Paraná e de São Paulo.

Dessa forma, no Paraná, realizamos a primeira entrevista com uma estudante54

secundarista ocupante do Colégio Estadual do Paraná (CEP), localizado em Curitiba, sendo o maior colégio público ocupado do estado (o que ocorreu entre o dia 06 de outubro e 07 de novembro de 2016), dado que também endossou a escolha da ocupação dessa escola para fazer parte da pesquisa, visto ser um movimento referência para os demais. E a segunda entrevista realizamos com um estudante55 que ocupou o Colégio Estadual João Bettega,

também localizado em Curitiba (ocupado do dia 14 de outubro até 04 de novembro de 2016). Já no contexto de São Paulo conversamos com um estudante56 da Escola Estadual

Fernão Dias Paes, localizada em Pinheiros, zona oeste de São Paulo – a segunda escola a ser ocupada no contexto do movimento estudantil (do dia 10 de novembro de 2015 até dia 04 de janeiro de 2016) e que também foi uma ocupação com repercussão em todo estado. E com uma estudante57 que ocupou a Escola Estadual Professor Andronico de Mello, instituição

localizada na Vila Sônia, zona oeste de São Paulo, ocupação que ocorreu entre ocupada de 23 de novembro até cerca de uma semana antes do Natal do ano de 2015.

Salientamos que optamos por não expor a identidade dos sujeitos entrevistados, e que, por isso, vamos usar o nome da escola seguida do ano no qual as entrevistas foram realizadas

53JEDUCA - ASSOCIAÇÃO CRIADA POR JORNALISTAS QUE COBREM EDUCAÇÃO. Disponível em:

<http://jeduca.com.br/>. Acesso em: 10 jun. 2017.

54Estudante de 17 anos. Cursava o 3º ano do Ensino Médio. Pretendia cursar Ciências Sociais, Antropologia ou

Arqueologia. Principal meio de comunicação utilizado: mídias sociais, TV e jornal. Pai e mãe professores de escola pública (ensino superior completo e pós-graduação). Participa desde os sete anos de mobilizações (pais professores militantes), participou da Marcha das Vadias e dos atos de junho de 2013, já concorreu ao Grêmio Estudantil. Entrevista realizada entre os dias 14 e 23 de novembro de 2016.

55Estudante de 17 anos. Cursava o 3º ano do Ensino Médio. Seu sonho era trabalhar ou como professor, ou como

cozinheiro. Principal meio de comunicação utilizado: WhatsApp. Fundador do Grêmio Estudantil da escola, participa do movimento LGBT. Entrevista realizada entre os dias 11 e 14 de novembro de 2016. Pai e mãe possuem o ensino fundamental completo.

56Estudante de 17 anos; cursava o 3º ano do Ensino Médio. Participou das mobilizações em junho de 2013 contra

o aumento de tarifas de transporte, onde despertou pra importância dos movimentos sociais. Com ele não conseguimos finalizar todo o roteiro da entrevista. Entrevista realizada entre 10 e 20 de dezembro de 2016 (logo após o reinício de ocupações de escolas em SP a partir do movimento do PR).

57Estudante de 18 anos; cursava o 3º ano do Ensino Médio. Seu sonho era trabalhar na área da Gastronomia.

Principal meio de comunicação utilizado: mídias sociais. Pai trabalha como revendedor e possui o ensino fundamental completo, e mãe como caixa de supermercado, possui ensino médio completo. Primeiro movimento que participa. Entrevista realizada entre os dias 01 e 02 de dezembro de 2016 (logo após o reinício de ocupações de escolas em SP a partir do movimento do PR).

para identificá-los e identificá-las no desenvolvimento do texto. Essa escolha também é coerente com a própria política do movimento estudantil, constituída de relações horizontais, sem lideranças, representando sempre o coletivo. É preciso observar também que, muitas vezes, no caso das entrevistas presenciais, em virtude dessa política de grupo, outros e outras estudantes se aproximavam do diálogo da entrevista, e por vezes, contribuíam com o desenrolar da mesma.

Importante também salientar as dificuldades que sentimos ao realizar as entrevistas através da internet. Isso devido à demora nos retornos, problemas técnicos por falta de conexão. Além disso, a entrevista foi realizada em diferentes momentos, de acordo com a disponibilidade dos e das estudantes, os (as) quais no caso do Paraná, por exemplo, ainda estavam envolvidos com as ocupações, e por isso tinham pouco tempo livre. Em relação ao contexto de São Paulo, sentimos as mesmas adversidades, inclusive não conseguindo contemplar todo o roteiro de perguntas com o estudante da Escola Fernão Dias Paes, somado ao fato do tempo passado das ocupações, as quais tinham terminado em dezembro de 2015. Salientamos essas observações por acreditar na importância de relatar também esses percalços da investigação como parte do processo da pesquisa.