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5.1 A INSURREIÇÃO DAS E DOS ESTUDANTES SECUNDARISTAS EM SÃO PAULO

5.1.2 Contranarrativas sobre a mídia

Além do fato das culturas juvenis estarem diretamente imersas no cenário das redes sociais online, outro fator que levou a tal apropriação de redes como o Facebook enquanto principal canal de comunicação do movimento foi a desconfiança dos e das estudantes em relação à cobertura da mídia tradicional, posicionamento que permeou o contexto de mobilização estudantil secundarista não apenas em São Paulo, mas na identidade coletiva do movimento a nível nacional. Tal fenômeno que emerge nas culturas digitais é compreendido por Castells (2013) como um movimento pós-mídia, que consiste em uma reapropriação tecnopolítica de ferramentas, tecnologias existentes para a participação e comunicação, por parte da população em geral.

Para se ter uma ideia da conjuntura de cobertura midiática, destacamos uma análise115

realizada pela Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd) em torno das estratégias na cobertura da imprensa tradicional e alternativa durante os protestos contra a reorganização do ensino estadual paulista. Entre os principais pontos relacionados à mídia tradicional, a Associação destaca o uso recorrente do termo “invasão” para definir as ocupações estudantis, principalmente em veículos como G1 e o jornal Folha de São Paulo, o qual segundo a análise foi o veículo com mais publicações contrárias (negativas) às ocupações.

No texto é citado, inclusive, o vídeo produzido pela TV Folha sobre as ocupações, mas tirado do ar logo após uma visita do governador do estado, caso também citado pelos e pelas estudantes como veremos a seguir. Uma das justificativas do jornal Folha de São Paulo para o fato foi afirmar que haviam “falhas de apuração”. Há também o diagnóstico de um tom sensacionalista na postura do repórter e na condução das entrevistas nas mídias tradicionais, predominando um intuito de desmoralizar os protestos realizados pelos e pelas estudantes. Uma reportagem do programa Profissão Repórter, da Rede Globo, é destaque por trazer um posicionamento mais empático às ocupações. Por outro lado, segundo a análise, a existência de inúmeros conteúdos com posições diferentes torna nebuloso o posicionamento da Rede Globo sobre o fenômeno. As análises veiculadas no portal UOL também se diferenciaram da cobertura da grande mídia, por problematizarem mais o fato, trazerem depoimentos das e dos estudantes, abordarem a importância do movimento e tensionarem pontos de vista diferentes sobre o fenômeno.

Em contraponto, em relação a mídias consideradas alternativas, a matéria da Anped, destaca o trabalho dos Jornalistas Livres, do Nexo (site de notícias lançado no início de novembro de 2015), da página “Fala, Kaíque” gerenciada por um estudante de jornalismo, do coletivo “O Mal Educado” e da página “Não Fechem a Minha Escola”. Essas duas últimas citadas, segundo a análise, apesar de realizarem uma cobertura mais próxima das ocupações e também mais transparente, mostrando as reivindicações e o dia a dia do movimento estudantil, não se preocupavam muito em trazer perspectivas plurais, de ouvir fontes contra e a favor das ocupações. Traziam, no geral, uma abordagem favorável ao movimento, ao contrário do que ocorria com os Jornalistas Livres, fato explicado por não serem produzidas

115DE OLHO na mídia: ocupações das escolas em SP. Anped, Rio de Janeiro, 30 jan. 2016. Disponível em:

por profissionais da área jornalística. Segundo a avaliação da Associação, um dos principais recursos usados pela mídia alternativa foram imagens com críticas.

Partindo de tal contexto, apresentaremos as contranarrativas dos e das estudantes nesse cenário, as quais se caracterizam por uma leitura crítica e política. No prisma de Mello (2016), a maioria das coberturas realizadas pela imprensa eram de atos nas ruas promovidos pelo movimento estudantil, “muitas vezes a gente não gostava das matérias, porque eram distorcidas, as pautas do nosso movimento eram vandalizadas pela mídia”. Eram raras as vezes que veículos como o jornal Folha de São Paulo e Estadão, por exemplo, iam diretamente às escolas, o que ocorria mais na Escola Fernão Dias, que é uma instituição maior, mais conhecida e que se tornou referência para muitas ocupações no estado, segundo Mello (2016).

A estudante relata que haviam veículos menores, mais alternativos, pouco conhecidos na mídia nacional que visitavam a escola e que publicavam matérias, que em sua avaliação, eram mais assertivas, “Então, para alguns meios a relação era boa, com outros não”. Tal relação entre movimento estudantil e mídias (hegemônicas e alternativas) também eram recorrentes nas contranarrativas online. Entre o conjunto de postagens que identificamos, é destaque tanto o compartilhamento de links da mídia hegemônica e alternativa, quanto postagens onde era explícita uma denúncia/crítica expressiva a determinadas abordagens do trabalho realizado pela mídia hegemônica, tal como em relação ao jornal Folha de São Paulo, citado de forma recorrente.

Em relação à publicação de links de notícias externos, na página Andronico Escola de Luta, observamos o compartilhamento de conteúdos da Fan Page Não Fechem a Minha Escola, e matérias como “Alckmin reduz pelo 2º ano consecutivo parte da educação no orçamento”116, “Com ocupações, prova nas escolas estaduais de SP tem sua pior adesão”117 e

compartilhamento de fotografias publicadas no jornal Brasil de Fato sobre a violência policial contra as ocupações. Na página Escola de Luta Fernão Dias Paes, identificamos publicações nesse viés como: “A lição da garotada de São Paulo”118, “24 escolas estão ocupadas por

116SALDAÑA, Paulo. Alckmin reduz pelo 2º ano participação da Educação no orçamento. O Estado de S.

Paulo, São Paulo, 28 nov. 2015. Disponível em: <http://educacao.estadao.com.br/noticias/geral,alckmin-reduz- participacao-da-educacao-no-orcamento-pelo-2-ano,10000003217>. Acesso em 20 jan. 2018.

117Publicada no site do jornal Folha de São Paulo. Link não mais disponível.

118SANTAELLA, Rodrigo. A Lição da Garotada de São Paulo. Brasil em 5, 21 nov. 2015. Disponível em:

estudantes em Goiás”119, “7 motivos para admirar os estudantes paulistas”120, “Estudantes de

SP têm potencial de mudar a democracia no país, diz ‘NYT’”121, além da matéria “Estudiantes

Secundarios en Brasil se toman escuelas. Afirman que el movimiento secundario chileno es una referencia para su lucha”122 compartilhada com a legenda: “Na semana passada, vieram

ao Fernão, um grupo de latino-americanos, discutir educação e a situação das ocupações no Brasil. A partir dessa conversa, Diego Parra, ativista chileno escreveu a seguinte matéria...”.

Como é perceptível nesses casos, tanto as notícias publicadas pela mídia tradicional, como o jornal Folha de São Paulo, quanto por veículos mais alternativos, são exploradas como fonte de conteúdo para as Fan Pages, sendo matérias que trazem uma perspectiva assertiva sobre as ocupações e que corroboram com a perspectiva das e dos estudantes. Sobre esse cenário, é interessante mencionar também, como destacam Malini e Antoun (2013), o potencial das narrativas construídas nas redes sociais online tanto no que se refere ao agendamento midiático, em pautar os “assuntos do momento” discutidos pela sociedade, quanto em transformar um acontecimento público em fato jornalístico, em vista da visibilidade que promovem sobre o fenômeno, interferindo assim na construção de uma agenda informativa e pautando a própria mídia. Além disso, é interessante observar que em tais notícias compartilhadas nas Fan Pages, é recorrente o uso das informações disponibilizadas nas páginas das escolas ocupadas como fonte oficial, o que muitas vezes ocorre em vista do fechamento do movimento ao relacionamento com a mídia, não aceitando, por exemplo, a realização de entrevistas com as e os estudantes.

Outrossim, na página Andronico Escola de Luta, outra postagem interessante nesse sentido, publicada no dia 03 de dezembro, é uma denúncia em relação a um vídeo123 intitulado

119

24 ESCOLAS estão ocupadas por estudantes em Goiás. O popular, 24 dez. 2015. Disponível

em: <https://www.opopular.com.br/editorias/cidade/24-escolas-est%C3%A3o-ocupadas-por-estudantes-em- goi%C3%A1s-1.1011376>. Acesso em: 20 jan. 2018.

120HUMMEL, Renata. 7 motivos para admirar os estudantes paulistas. Painel acadêmico, São Paulo, 16 nov.

2015. Disponível em: <http://painelacademico.uol.com.br/painel-academico/5537-7-motivos-para-admirar-os- estudantes-paulistas>. Acesso em: 15 jan. 2018.

121BUARQUE, Daniel. Estudantes de SP têm potencial de mudar a democracia do país, diz ‘NYT’.

Brasilianismo, 12 dez. 2015. Disponível em:

<https://brasilianismo.blogosfera.uol.com.br/2015/12/15/estudantes-de-sp-tem-potencial-de-mudar-a- democracia-do-pais-diz-nyt/>. Acesso em: 20 dez. 2017.

122PARRA, Diego. Estudiantes Secundarios en Brasil se toman escuelas. Afirman que el movimiento secundario

chileno es una referencia para su lucha. Centro alerta, 6 dez. 2015. Disponível em: <http://www.centroalerta.cl/estudiantes-secundarios-en-brasil-se-toman-las-escuelas-publicas-ante-el-acecho-de- politicas-neoliberales-afirman-que-el-movimiento-secundario-chileno-es-una-referencia-para-su-lucha/>. Acesso em: 5 jan. 2018.

123LIVROS abertos, escolas ocupadas. Disponível em: <https://vimeo.com/147556009>. Acesso em: 02 jan.

“Livros abertos, escolas ocupadas”, produzido pela TVFolha sobre as ocupações do estado, a partir de visitas do veículo nas escolas Fernão Dias Paes (Pinheiros), Salvador Allende (Itaquera), Brigadeiro Gavião (Perus) e o Cefan (em Diadema). O vídeo traz depoimentos de estudantes, mostrando como estão se organizando e o estado precário das escolas.

De acordo com a postagem da página, o vídeo saiu do ar logo após o governador Geraldo Alckmin visitar a Folha de São Paulo para um “amigável café”, como está descrito na legenda. Como o mesmo já havia circulado nas redes ficou publicado na plataforma vimeo, a partir da qual os e as estudantes fizeram a denúncia. Dessa forma, nessa contranarrativa, é interessante observar a consciência crítica que a permeia, no sentido dos e das estudantes perceberem e discutirem a relação de interesses entre mídia e governo, a qual, muitas vezes, define a política editorial dos meios de comunicação. Na página Escola de Luta Fernão Dias Paes também identificamos uma contranarrativa explícita ao mesmo veículo, com uma discussão, inclusive, sobre o conteúdo da matéria. Em uma nota escrita por Carla Santos, do Centro de Estudos de Mídia Alternativa Barão do Itararé, e compartilhada na página no dia 19 de novembro, a publicação traz o seguinte texto:

Em menos de 2h a Folha de S.Paulo alterou o título da matéria sobre o fechamento das escolas em SP quatro vezes pra no final assumir que ERROU. Começou com “Geraldo Alckmin suspende fechamento e reorganização de escolas em 2016” para acabar com “Gestão Alckmin faz proposta para alunos desocuparem escolas”. Ou seja, tentou dar o golpe e se ferrou! Viva a força das redes que agem para impedir que mentiras se tomem verdades.

Apesar de não ser um texto produzido pelos e pelas estudantes secundaristas, é significativa a publicação, no sentido que denota a apropriação do movimento em relação a essa opinião crítica sobre o posicionamento de tal veículo. Outro exemplo nesse viés é uma publicação que identificamos publicada no dia 19 de fevereiro de 2016124, uma nota sobre o

programa Malhação da Rede Globo (Figura 4):

124Apesar de ser uma postagem que extravasa o nosso período predeterminado de coleta (novembro e dezembro),

optamos por mencioná-la no texto, dada a relevância da construção em expressar o caráter crítico dos e das estudantes em relação à mídia, posicionamento que continua sendo registrado mesmo após o desfecho das ocupações no estado.

Figura 4 – Print Screen que ilustra uma contranarrativa crítica em relação ao programa Malhação da Rede Globo

Fonte: (PAES, 2015).

Como é perceptível nesse texto que introduz a postagem, a página faz uma discussão sobre se a trama fictícia encenada no programa em questão, ou seja, o fechamento da escola Dom Fernão (coincidência ou não), faz alusão à luta das e dos secundaristas paulistas contra a reorganização das escolas em 2015. E nesse sentido, a nota questiona de maneira geral: será que a Rede Globo quis se apropriar da visibilidade que tiveram as ocupações em SP pra recriar esse processo no contexto do programa, a fim de promover a identificação dos e das jovens e conquistar audiência?

Interessante que no texto escrito pelos e pelas estudantes, há uma tentativa de analisar o fato através de diferentes prismas. De um lado, acreditam que a veiculação com abordagem positiva da ocupação de uma escola por parte dos e das estudantes é uma representação que contribui à valorização da luta estudantil. De outro afirmam que, em se tratando de Rede Globo, emissora que omitiu tanto crimes ao logo da história brasileira, é preciso sempre ponderar, “entre outras omissões e manipulações que fazem diariamente, temos que analisar essa reconstrução com a maior veemência possível e sempre fazer uma análise crítica e contextual do por que e o que a globo ganha com isso”. Outro ponto que chama a atenção na nota é a percepção de que a emissora em questão está buscando se aproximar das lutas feministas, LGBT, pela igualdade racial, estudantil, dada a emergência e popularidade das mesmas, no intuito de manter a sua força hegemônica, “então, boas ou más intenções, sempre

devemos ficar atentos, e garantir que não sejamos mais alguns entre milhões, facilmente manipuláveis pela grande mídia burguesa”.

Além de tais manifestações a respeito da mídia, destacamos outro fato que identificamos no contexto das ocupações de escolas em São Paulo, que apesar de não terem emergidos em tais escolas analisadas, são importantes de citarmos dada a sua repercussão midiática. Um deles125 é o caso de um secundarista que ocupou o Centro Paula Souza em São

Paulo. Em um dado momento de mobilização estudantil, o estudante com um microfone na mão e um colega com um celular gravando, busca uma repórter da Rede Globo para entrevistar, “Agora é a nossa vez de perguntar as coisas pra eles...”, afirma no início do vídeo. No decorrer do mesmo, o secundarista pede à repórter a opinião dela sobre as ocupações e sobre a própria cobertura que a emissora estava fazendo, e a profissional se nega a responder, afirmando que não pode se posicionar a respeito. A partir disso, os estudantes brincam: “Vamos fazer igual eles, eles seguem a gente, vamos brincar de mídia” e insistem por uma resposta da repórter. No final do vídeo, os estudantes “fecham a reportagem” afirmando que iam continuar tentando conversar com as “mídias grandes” e tentando mostrar de fato o que estava acontecendo com as ocupações, “sem distorcer”, nem “cortar”, nada do material gravado.

A partir de tais contranarrativas é perceptível que nesse contexto de ocupação escolar, o qual promoveu a aproximação das e dos estudantes com diferentes instituições sociais, inclusive a mídia, predominou uma consciência crítica e política em torno do trabalho dos veículos de comunicação e suas lógicas capitalistas, posicionamento que estava, inclusive, explícito no guia “Como ocupar um colégio?”. No discurso dos e das secundaristas está permeada a ideia de que sim, o mundo que chega até nós é editado, como afirma Baccega (2009), e é preciso analisar tais informações, comparar com outras fontes, tensionar, para se obter conclusões mais assertivas.

Tal exercício de educação crítica para a mídia é medular na Educomunicação, constituindo uma de suas áreas de intervenção social, a qual visa promover a alfabetização midiática, a compreensão do fenômeno da comunicação e os processos que o envolvem, tanto no nível interpessoal e grupal, quanto no organizacional, massivo, que é o caso dos meios de comunicação (SOARES, 2011). O conhecimento sobre tais lógicas é fundamental na medida

125BRITO, Fernando. “Vamos brincar de mídia?” A saia-justa de um secundarista na repórter da Globo.

Tijolaço, São Paulo, 21 mai. 2016. Disponível em: <http://www.tijolaco.com.br/blog/vamos-brincar-de-midia- saia-justa-de-um-secundarista-na-reporter-da-globo/>. Acesso em: 20 jan. 2018.

em que as informações compartilhadas em tais meios também educam, são também fontes de saberes, e é preciso ter capacidade crítica para se apropriar de forma emancipadora desse novo contexto de produção e circulação de informações, como afirma Peruzzo (2000, p.225):

A escola já não é mais o espaço primordialmente potencializado para educar. Os meios de comunicação passam a compartilhar de tal poder, embora nem sempre o façam no sentido que vá ao encontro do bem-estar comum. Os meios de comunicação, implementados no contexto das organizações progressistas da sociedade civil, assumem mais claramente um papel educativo, tanto pelo conteúdo de suas mensagens, quanto pelo processo de participação popular que eles podem arregimentar na produção, planejamento e gestão da própria comunicação. A participação popular é algo construído dentro de uma dinâmica de engajamento social mais amplo, em prol do desenvolvimento social e que tem o potencial de, uma vez efetivada, ajudar a mexer com a cultura, a construir e reconstruir valores, contribuir para maior consciência dos direitos humanos fundamentais e dos direitos de cidadania, a compreender melhor o mundo e o funcionamento dos próprios meios de comunicação de massa. Revelam-se, assim, como espaço de aprendizado das pessoas para o exercício de seus direitos e a ampliação da cidadania.

Nesse contexto, a partir do que expõe a autora, compreendemos tais tensionamentos com as mídias nesse cenário de mobilização secundarista como mais um elemento que denota o caráter educativo dessa conjuntura de resistência e produção comunicativa. Outrossim, no próximo eixo, as discussões em torno das representações sobre educação pública também contribuem com essa perspectiva.