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A) INTRODUÇÃO

A.7) Estrutura da tese

3.2 O Ambiente Competitivo e Institucional

3.2.2 As normas de comercialização de excedentes e o ambiente competitivo

3.2.2.6 As estratégias das distribuidoras depois da crise de oferta

Segundo o BNDES (2001), a CPFL, para atendimento ao seu mercado consumidor em 2000, adquiriu 96,9% de suas necessidades energéticas da CESP e de Furnas (comercializadora da energia de Itaipu). Somente o restante, 3,1%, foi adquirido de outros geradores (setor sucroalcooleiro, p.ex.) e por geração própria. Assim, a principal forma de comercialização para a CPFL é caracterizada por contratos iniciais de energia elétrica com as grandes geradoras. Esses contratos substituíram os antigos contratos de suprimento existentes no modelo anterior do setor elétrico, sendo regulamentados pela Aneel, diferenciando-se, desse modo, dos contratos bilaterais de longo prazo, nos quais suas cláusulas são negociadas livremente entre as partes. De acordo com a Aneel, a função desses contratos iniciais seria a de marcar um período de transição para a concorrência. Dessa forma, os contratos de suprimentos, existentes entre as geradoras e as distribuidoras, que foram transformados em contratos iniciais, deverão ter seu montante de energia contratado liberado paulatinamente, na ordem de

25% ao ano do valor contratado, a partir de 2003 até 2005. A seqüência da liberação dos contratos iniciais para negociação bilateral é a seguinte:

i. No ano de 2003, os montantes acordados nos contratos iniciais

corresponderam a 75% dos valores indicados para o ano de 2001;

ii. No ano de 2004, os montantes acordados nos contratos iniciais

corresponderão a 50% dos valores indicados para o ano de 2001; e

iii. No ano de 2005, os montantes acordados nos contratos iniciais corresponderão a 25% dos valores indicados para o ano de 2001.

Desse modo, a partir de 2006 os contratos iniciais perderão a vigência, sendo que os montantes relativos a esses contratos serão liberados para contratação bilateral de curto e longo prazos ou no mercado spot. Até lá, anualmente, 25% do montante de energia contratado (contratos iniciais) entre geradoras e distribuidoras deverão ser comercializados no mercado, mas os procedimentos de comercialização foram determinados pelo órgão de regulação da seguinte forma:

(i) A promulgação da Lei 10.438, de 26/4/2002, por meio do art. 27 determinou, para as geradoras federais, a obrigatoriedade da venda em leilões públicos, de no mínimo 50% dos montantes comercializados de energia reduzida dos contratos iniciais a partir de 01/01/2003;

(ii) O parágrafo 4° do mesmo artigo determinou para as geradoras estatais estaduais que dessem publicidade, transparência e igualdade a todos os interessados na comercialização de sua energia liberada, conforme Lei 9.648 de 27/12/1998; e

(iii) Ambas as leis impunham que caso a energia não fosse comercializada daquela forma seria liquidada no mercado de curto prazo do MAE.

De acordo com a IEE-USP (2003), o principal argumento utilizado para essa imposição foi o de evitar uma explosão nos preços de geração dessas empresas, já que essas deteriam tal “poder de mercado” que o impacto sobre a tarifa dos consumidores finais seria bastante significativo.

Para compatibilizar essa sistemática com a parte compradora (distribuidora), o Decreto 4.564, de 31 de dezembro de 2002, estabeleceu que as distribuidoras, desde 1º de janeiro de 2003, somente podem celebrar contratos de compra de energia elétrica com prazo de suprimento igual ou superior a seis meses, mediante licitação, na modalidade leilão, ou por meio de leilões públicos previstos justamente pela Lei 10.438, de 26 de abril de 2002. Excluem-se do disposto pelo Decreto, os contratos bilaterais cujo objeto seja a compra e venda de energia produzida por fontes cólica, solar, pequenas centrais hidrelétricas e biomassa.

Em paralelo a isso, a Resolução Aneel 91, de 27 de fevereiro de 2003, determinou que do montante de energia comercializado pelas distribuidoras, com a finalidade de atender a consumidor final, pelo menos 95% deveriam ter garantia física de energia produzida por usinas próprias ou garantia por contratos de compra de energia com prazo de duração igual ou superior a seis meses. Os 5% faltantes poderiam ser adquiridos no MAE ou por contratos bilatérias de curto prazo (p.ex., com o setor sucroalcooleiro no período da safra).

Esse cenário de comercialização, com a descontratação anual de 25% dos contratos iniciais, foi afetado pela expectativa de recuperação do consumo de energia elétrica no período pós-racionamento que não se concretizou, mantendo-se na média equivalente aos níveis de 1999. O resultado que se seguiu foi um fracasso quase que total dos leilões, seja de estatais federais seja das estatais estaduais, resultando um montante expressivo de sobras de energia assegurada e perda substancial de fluxo de caixa destas geradoras.

No cerne do programa de reforma institucional do setor elétrico, está a premissa de que a “energia velha”, liberada pela extinção gradual dos contratos iniciais, seria leiloada para os agentes do setor elétrico: não somente distribuidoras, mas também consumidores livres. Dessa forma a CPFL teria que competir com lances de oferta para recompor os 25% que deixariam seu portfolio de compra de energia elétrica. Nessa competição, em um cenário de demanda aquecida por energia elétrica, os preços do MWh nesses leilões seriam bem superiores aos vigentes nos atuais contratos iniciais. Os preços dos leilões poderiam ser até balizados pelo preço da energia gerada por fonte alternativa. Por exemplo, a CPFL estaria disposta a pagar um preço máximo da segunda alternativa de compra, no caso de uma térmica a gás natural ou mesmo do setor

sucroalcooleiro. Todavia, até novembro de 2002, foi realizado apenas o leilão para os 25% de energia elétrica liberados pelas geradoras federais Chesf, Eletronorte e Furnas. O leilão realizado no MAE, alcançou um preço médio de R$ 50,11/MWh, sendo comercializados somente 28,5% do total, para entrega a partir de janeiro de 2003.

O baixo preço pode ser explicado pela queda no consumo final dos consumidores das distribuidoras. Por exemplo, de junho de 2001 a fevereiro de 2002, a queda de consumo na área concessão CPFL foi de 25,3% em relação ao mesmo período do ano anterior, redução equivalente ao consumo da cidade de Campinas por dois anos ou de Bauru por sete anos (ELETROBRAS/UFRJ, 2002). Ademais, as distribuidoras estavam aguardando o cumprimento do disposto na reforma do setor elétrico que previa que o montante não leiloado deveria ser comercializado no mercado spot, onde o preço do MWh estava em R$ 6,15 (quarta semana de novembro/02, carga pesada, submercado CO-SE).

Apesar de realizado o leilão das geradoras federais (Chesf, Eletronorte e Furnas), há ainda indefinição no marco regulatório, pois esse cenário de comercialização está ocorrendo sob a égide de um novo governo federal, que sinaliza alteração na questão dos leilões e pretende alongar o prazo de duração dos contratos iniciais (ELETROBRÁS, 2002). Diante dessa instabilidade, as distribuidoras aguardam uma definição para recompor seu portfolio de compras, com estratégias de longo prazo. Nesse quadro, a aquisição de excedentes do setor sucroalcooleiro, agravado pelo fim do Valor Normativo diferenciado, torna-se pouco interessante, excetuando como estratégia de diversificação na fonte de suprimento.

Em um cenário de excesso de oferta e indefinição institucional, a distribuidora pode recompor seu portfolio de compra apenas por meio de leilão, no qual o preço médio está abaixo do esperado pelo setor sucroalcooleiro. Essa estratégia das distribuidoras tem promovido severas dificuldades para geradores sucroalcooleiros que investiram na atividade tomando por base o cenário conjuntural da crise de energia e não firmaram contratos de longo prazo (PPAs) com a distribuidora local, esperando que o preço do MWh se manteria em tendência crescente em 2002 e 2003. Podem ser citados dois exemplos: O Grupo José Pessoa e a Usina Maracaí. O primeiro conseguiu evitar prejuízos operacionais, pois decidiu não executar um projeto de cinco usinas que totalizava 95 MW e que deveriam entrar em operação até 2005. O projeto de R$ 30

milhões foi desenhado em 2001, quando os preços eram próximos a R$100 o MWh. O Grupo esperava vender a energia para a distribuidora local na safra. Todavia, o problema é que não houve interessado em firmar contrato de longo prazo, incluindo a distribuidora local (GAZETA MERCANTIL, 6/5/02).

No segundo caso ocorreu o investimento e, nas palavras do gerente da usina: "Investimos US$ 3,5 milhões em 2001 para aumentar nossa capacidade de produção de energia de 22,5 para 33 MW … e agora não sabemos se alguém vai querer comprar" (Marcelo Avanzi, gerente das Usinas América e Maracaí – SP, ELETROBRÁS/UFRJ, 2002). Sem incentivos como o Valor Normativo e em cenários de instabilidade institucional e de excesso de oferta, o excedente sucroalcooleiro não consegue competir com a “energia velha”, encontrando dificuldades na comercialização ao seu principal cliente: as distribuidoras locais de energia.

Suponha uma distribuidora que esteja com dois mil GWh/mês contratado por meio de contratos iniciais com geradoras federais e contratos bilaterais de longo prazo com o setor sucroalcooleiro, à razão de 97% e 3% de importância em seu portfolio de compras. Todavia, a demanda efetiva tem sido de apenas 1.800 GWh/mês e a perspectiva é de retornar ao patamar original de consumo somente em 2005. Considerando que os contratos com o setor sucroalcooleiro foram firmados pelo período de dez anos de fornecimento, a estratégia será adequar sua demanda por energia contratada à demanda efetiva por meio dos leilões de energia, porém, havendo pouco interesse em expandir na compra de energia a preços superiores ao comercializado no respectivo leilão.

A situação poderá ser alterada se houver expectativa de crescimento ou de escassez, pois depois de alocada a energia derivada dos contratos iniciais, restará adquirir nova energia (por exemplo, gerada por térmicas do setor sucroalcooleiro ou a gás natural) para garantia do fornecimento e evitar exposição ao preço spot.

Diante do cenário aqui exposto e considerando que há um hiato produtivo, pois a comercialização de energia elétrica excedente do setor sucroalcooleiro está aquém de seu potencial, quais têm sido as estratégias do setor sucroalcooleiro? Qual é esse hiato e qual tem sido o desempenho do setor sucroalcooleiro no sentido de diminuí-lo? Respostas a essas questões serão delineadas no capítulo seguinte.

4 A GERAÇÃO DE EXCEDENTES: ESTRATÉGIAS E DESEMPENHO DO SETOR SUCROALCOOLEIRO

Este capítulo divide-se em duas partes principais. A primeira, por meio de métodos específicos e próprios, objetiva identificar o hiato produtivo existente na atividade de geração de excedentes comercializáveis pelo setor sucroalcooleiro. Também procura mostrar a importância relativa desse excedente energético para o setor elétrico nacional. A segunda parte busca descrever as principais estratégias implementadas pelos co-geradores sucroalcooleiros no sentido de diminuir esse hiato produtivo identificado na atividade de geração de energia elétrica.