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A) INTRODUÇÃO

A.7) Estrutura da tese

1.2 Características dos segmentos da indústria de energia elétrica

1.2.1 A “commoditização” da energia elétrica

Segundo VISCUSI et al. (1995), o modelo de tarifação de energia elétrica mais utilizado na maioria dos países, anteriormente ao processo de reestruturação, era o da remuneração tarifária de acordo com o custo do serviço. Nesse modelo, os preços

deveriam remunerar os custos totais e garantir uma margem que proporcionasse uma taxa interna de retorno atrativa ao investidor. Esse modelo visava, também, evitar que a firma se apropriasse de lucros extras, por meio de fixação de preços que igualassem os custos às receitas. Entretanto, a experiência internacional demonstrou que, embora procurasse evitar lucros excessivos, na prática esse modelo não trouxe incentivos para a firma minimizar custos, pois a remuneração era garantida ao produtor, independente do comportamento dos custos. Ao permitir o repasse para as tarifas de investimentos realizados desnecessariamente, esse modelo acabou prejudicando os consumidores e gerou ineficiência produtiva.

O Brasil não foi exceção na adoção desse sistema tarifário. De acordo com VILLA VERDE (2000), de meados de 1970 a 1993 foi adotada a política de tarifa única e remuneração garantida dos investimentos. Isso implicava na existência de uma reserva de garantia de remuneração, a RGG – Reserva Global de Garantia, e de uma Conta de Resultados a Compensar – CRC, cuja função era a de contabilizar as insuficiências e excedentes de receita, de forma a garantir uma remuneração mínima de 10% (em alguns casos 12%) sobre os ativos das empresas. No caso específico do Brasil, segundo REZENDE & PAULA (1997), a unificação tarifária aliada à remuneração garantida acarretaram um desestímulo à eficiência administrativa e proporcionaram uma progressiva negligência das empresas do setor em relação aos custos e investimentos, pois as empresas rentáveis freqüentemente eram penalizadas com a transferência de seus ganhos para empresas não rentáveis, na maioria das vezes mal geridas.

De acordo com AVERCH & JONHSON (1962) e POLLITT (1999), o repasse na tarifa dos custos de investimentos desnecessários (caracterizado como efeito Averch-Johnson) surgia, principalmente, devido à manipulação das informações sobre os verdadeiros custos por parte dos produtores (uma questão de assimetria de informações). A descrição do efeito Averch-Johnson mostrou que os produtores de energia elétrica eram estimulados, quando a remuneração permitida estava acima da taxa de depreciação do capital empregado, a sobre-investir, pois isso proporcionava uma taxa de desconto superior à depreciação desse capital, gerando, entre outras coisas, um uso não ótimo das plantas. Entretanto, em períodos inflacionários, de elevação dos juros e de incerteza macroeconômica, a tendência era inversa.

Conforme OLIVEIRA (1997), durante a década de 70, o desempenho econômico e financeiro das concessionárias começou a se deteriorar e o cenário de ganhos por intermédio de economias de escala cedeu espaço para o de custos e tarifas

crescentes.11 Mesmo em países onde a presença da iniciativa privada nesse setor era

marcante, como nos EUA, a adoção do modelo de custo do serviço conduziu à acomodação na busca por ganhos de produtividade no setor, que poderiam resultar em modicidade tarifária ao consumidor final. Estruturou-se, então, um período de aumento das tarifas: (i) a pressão de custos induzia à elevação tarifária, que promovia a conservação de energia e a autogeração, diminuindo o ritmo de expansão da demanda; (ii) como as concessionárias haviam planejado sua expansão da capacidade de oferta baseada no ritmo histórico de crescimento da demanda, as novas centrais entravam em operação sem que encontrassem consumo para seu produto; (iii) essa capacidade ociosa pressionava os custos, fato que, novamente, causava pressões nos preços ao consumidor final, devido à adoção de modelos tarifários pelo custo do serviço.

Assim, como o regime tarifário permitia o repasse das elevações nos custos das concessionárias, de maneira a garantir o retorno do investimento, o consumidor final absorvia essas elevações nos custos das concessionárias, por meio do encarecimento do MWh. Contudo, a elevada freqüência desse processo de repasse conduziu os governos a inferirem que os monopólios privados ou estatais do setor elétrico estavam acomodados no gerenciamento de seus custos de produção.

Durante a década de 80, diante desse quadro, a reestruturação do setor elétrico tornou-se premente para alguns países. BURCHETT & MOFFAT (1997), citam que, para atingir esse objetivo, ocorreram cerca de cinco tipos principais de reforma realizadas no setor elétrico em vários países: comercialização, privatização, desverticalização, competição para o mercado atacadista e de varejo, e regulação. Essas reformas têm sido implementadas em conjunto ou não: no Brasil procurou-se implantar as cinco reformas, já na Noruega não ocorreu a privatização.12

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Economias de escala significa a redução do custo médio de longo prazo à medida que aumenta a quantidade produzida. No início do século até a década de 70, o setor elétrico apresentou elevadas economias de escala em diversas partes do mundo.

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De acordo com a INTERNATIONAL ENERGY AGENCY (2002), Brasil e Noruega apresentam sistemas elétricos semelhantes, pois a importância da hidroeletricidade na matriz energética de ambos, em 2000, foi de 38 e 38,5%, respectivamente, por isso podem ser citados como o Ambiente Institucional pode variar de país a país.

Independente do tipo de reforma, geralmente na base do modelo, procurava-se sempre que a reestruturação do setor elétrico, aliada à evolução tecnológica, promovesse a “commoditização” da energia elétrica, fator considerado essencial para a transparência de preços e informações no setor e à criação de um ambiente competitivo.

Entretanto, segundo HUNT & WOODLEY (1997), três pontos impediam que a energia elétrica fosse considerada uma commodity pura: sua não- estocagem, a necessidade de um controle em tempo-real da oferta e demanda, e a presença de monopólios naturais aliada ao freqüente exercício do poder de monopólio em seus segmentos. Ainda assim, os agentes do setor em diversos países têm procurado implementar processos de “commoditização” da energia elétrica, objetivando, porém, tornar a eletricidade não uma commodity internacional, mas uma commodity transacionada em mercados regionais. Esse processo passa, necessariamente, pela liberalização desse mercado, pelo fortalecimento do mercado spot e pela introdução de instrumentos financeiros de proteção contra flutuações dos preços (mercados futuros, de opções, swaps etc.). De acordo com VACTOR (1997) e SOUZA (2002), a experiência internacional indica que há, pelo menos, seis componentes para a efetivação dessa transição no mercado elétrico:

1. Conforme o mercado de energia elétrico é aberto, a commodity passa a ser comercializada separadamente de outros produtos e serviços normalmente associados com a sua venda. Esse processo ficou conhecido como unbundling ou desverticalização, surgindo disso, o fornecimento de energia elétrica separado do serviço de transmissão/distribuição de energia elétrica, ou seja, o “serviço-fio” é segregado do “produto-energia”;

2. Ocorre um processo de disseminação de preços e de informações sobre o setor (price discovery), antes desconhecidos da maioria dos agentes;

3. Esse processo (price discovery) necessita de uma padronização do produto para que os preços possam ser comparáveis;

4. A disseminação de preços expõe diferenças geográficas e oportunidades de lucro rápido, atraindo novas firmas e traders para o setor, promovendo, assim, uma maior liquidez ao mercado;

5. Conforme os preços são liberados, a volatilidade tende a aparecer,

promovendo um risco financeiro aos agentes do setor. Como conseqüência, mercados a termo e de futuros são desenvolvidos, permitindo proteção aos agentes contra o risco de preço presente no setor e a separação entre riscos de preço e de produção; e

6. Para os segmentos que continuarem regulados, caracterizados pelo

monopólio natural, há necessidade de alterar os modelos tarifários no sentido de que os agentes tenham incentivos à busca pela eficiência operacional.

Esses seis componentes, julgados necessários à efetivação da transição no mercado elétrico, são brevemente descritos a seguir.