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O ambiente institucional e organizacional de 1879 a 1934: os passos iniciais

A) INTRODUÇÃO

A.7) Estrutura da tese

2.1 O ambiente institucional e organizacional de 1879 a 1934: os passos iniciais

De acordo com a ELETROBRÁS (2002a), o marco histórico da energia elétrica ocorreu em 1879 quando Dom Pedro II concedeu a Thomas Alva Edson autorização para operar no país aparelhos e processos de sua invenção destinados à utilização da eletricidade na iluminação pública. Nesse mesmo ano, foi instalada a primeira iluminação permanente no país, na Estação Central da Estrada de Ferro Dom Pedro II – atual Central do Brasil (RJ). Dois anos depois, em 1881, a Diretoria Geral dos Telégrafos inaugurou a primeira iluminação pública em parte da atual Praça da República (RJ).

Segundo a ESCELSA (2002), em 1883, foi instalada na cidade de Campos (RJ), a primeira usina termelétrica do país, com uma potência instalada de 52 kW. Já a primeira usina hidrelétrica seria inaugurada no mesmo ano, sendo instalada no Ribeirão do Inferno, afluente do rio Jequitinhonha, em Diamantina (MG). De acordo com PAULON & MARTINS NETO (2002), a finalidade era movimentar bombas de desmonte hidráulico que, com jatos d’água, revolviam o solo, rico em diamantes. Para tal, uma linha de transmissão de dois quilômetros fazia o transporte de eletricidade para as máquinas que extraíam cascalho da mina.

Em 1887, começou a operar uma outra pequena usina hidrelétrica, dessa vez em Nova Lima, Minas Gerais. Essa usina, construída por iniciativa da Compagnie des Mines d'Or du Faria, permitia a empresa utilizar energia elétrica nos trabalhos de mineração. Uma pequena linha de transmissão permitia o fornecimento de iluminação

às dependências da mina e às casas dos funcionários da empresa, conforme descrito por PAULON & MARTINS NETO (2002).

Para a ELETROBRÁS (2002a), a primeira usina hidrelétrica considerada de grande porte para a época, com potência instalada de 250 kW, foi a Marmelos-Zero da Companhia Mineira de Eletricidade. Localizada no rio Paraibuna (MG), foi inaugurada em 7 de setembro de 1889, tendo a finalidade de fornecer iluminação pública à cidade de Juiz de Fora (MG) e energia à fábrica de tecidos do industrial Bernardo Mascarenhas, proprietário do empreendimento. A atividade era regulamentada por meio de um contrato entre a Companhia e a câmara municipal, no qual autorizava- se a empresa a fornecer lâmpadas a particulares e delimitava-se a área a ser atendida dentro do perímetro urbano.

Em 1892, foi inaugurada no Rio de Janeiro, pela Companhia Ferro-Carril do Jardim Botânico, a primeira linha de bondes elétrica. Sete anos depois, em 1899, seria constituída em Toronto, Canadá, a São Paulo Railway, Light and Power Company Limited – a conhecida Light São Paulo. Formada por empresários canadenses, seu objetivo era a produção, a utilização e a venda de eletricidade, ou seja, a integração vertical total. A integração vertical era explicada pelos custos de transação presentes na indústria, devidos, sobretudo, à especificidade de seus ativos. Também, procurando aproveitar as economias de escopo, a Light São Paulo abrangia o estabelecimento de linhas férreas, telegráficas e telefônicas. Essa estratégia de diversificação e o aproveitamento dos recursos de distribuição e comercialização permitiam a redução dos custos médios dessa indústria nascente.14

Mediante a garantia de monopólio dos serviços de bondes elétricos e de fornecimento de energia e gás, em 1901, a Light inaugurou sua primeira hidrelétrica com uma capacidade geradora inicial de 2.000 kW, no rio Tietê, em São Paulo. Sua função era a de produzir energia para atender às necessidades da rede de transporte urbano e de iluminação da cidade de São Paulo. A usina chamada de Hidrelétrica de Parnaíba (atual Edgard de Souza), recebeu um acréscimo de 1.000 kW em fevereiro de 1902 e mais 1.000 kW em março de 1903. Esse processo chegou ao fim em 1912, quando Parnaíba atingiu a potência máxima de 16.000 kW (PAULON & MARTINS NETO, 2002).

Com autorização do Presidente Rodrigues Alves, em 1905, ocorre a criação da Rio de Janeiro Tramway Light and Power Co. Ltd., do mesmo grupo financeiro de São Paulo. No mesmo ano, em dezembro, o grupo inicia a operação da usina de Fontes, no município de Piraí (RJ), com objetivo de fornecer energia à iluminação pública e residencial e à tração dos bondes elétricos no Distrito Federal. Ainda, segundo PAULON & MARTINS NETO (2002), em 1908 a usina já possuía uma potência instalada de 12.000 kW e em junho de 1909 a potência passou a 24.000 kW, sendo, na época, a maior usina do Brasil e uma das maiores do mundo.

Até a chegada do capital estrangeiro, representado pela Light, pode-se afirmar que o aparecimento das pequenas centrais hidrelétricas se deveu basicamente à necessidade de fornecimento de energia para serviços públicos de iluminação e para atividades econômicas ligadas à mineração, fábricas de tecidos, serrarias e beneficiamento de produtos agrícolas. Nesse período, a grande maioria das unidades era de pequena potência, pois os altos custos inviabilizavam a instalação de grandes usinas geradoras, tendo-se dado preferência para que fossem implantados aproveitamentos diretos da força hidráulica, que determinavam inclusive a localização das fábricas junto às quedas d'água. A baixa confiabilidade quanto à regularidade do funcionamento dessas instalações concorreu para que, até a virada do século, a energia termelétrica predominasse, tendo o processo se invertido a favor das hidrelétricas com a chegada da Light (PAULON & MARTINS NETO, 2002).

Dessa forma, as atividades de geração e distribuição de eletricidade não se restringiam às desenvolvidas apenas pelo grupo Light. Havia também um grande número de unidades isoladas, instaladas em diversos pontos do país. Segundo a ESCELSA (2002), em 1920, existiam cerca de 300 empresas no setor elétrico servindo a 431 localidades, com um capacidade instalada total de 354.980 kW, sendo 276.100 kW em usinas hidrelétricas e 78.880 kW em usinas termelétricas.

De acordo com PAULON & MARTINS NETO (2002), após 1920, duas são as principais características da indústria de energia elétrica no Brasil:

14 Para BESANKO, DRANOVE & SHANLEY (2000), o sucesso da diversificação reside sobretudo em

1. A construção de centrais geradoras de maior envergadura, capazes de atender à constante ampliação do mercado de energia; e

2. A intensificação do processo de integração horizontal e centralização das empresas concessionárias.

A expansão dos bondes elétricos e da iluminação pública fez desses dois serviços públicos os principais consumidores. Entretanto, era crescente a participação da demanda industrial no consumo de eletricidade. Na década de 1920, o crescimento da indústria de energia elétrica foi bastante significativo, embora não tenha livrado o país de racionamentos de consumo.

Quanto ao processo de concentração empreendido pelas companhias de energia elétrica, esse foi extremamente rápido. A Light, em apenas dois anos, 1927 e 1928, incorporou oito empresas menores. Dando continuidade às incorporações, a empresa seguiu comprando mais cinco usinas, entre 1930 e 1934. No interior de São Paulo, os maiores grupos regionais, como a Companhia Paulista de Força e Luz, o grupo da família Silva Prado e o grupo Ataliba Vale - Fonseca Rodrigues - Ramos de Azevedo seguiam também o caminho de incorporação das concessionárias menores.

Consolidando esse processo, em 1927, iniciam-se as atividades no país do grupo americano American & Foreign Power Company (Amforp). Esse grupo adquiriu diversas usinas hidrelétricas, passando a fornecer energia elétrica para parte do Sul, Centro e Nordeste do país. Segundo a ESCELSA (2002), somente os grupos Light e Amforp chegaram a dominar, em 1939, mais de 70% da capacidade instalada no país (652 mil kW do grupo Light e 157 kW do grupo Amforp).

Em síntese, o modelo inicial da indústria de energia elétrica pode ser resumido assim:

“A grande empresa estrangeira [Light], responsável pelo suprimento de energia elétrica na região mais desenvolvida do país [eixo Rio-São Paulo]... Além disso, a Foreign Power explorava a geração e distribuição de energia em outras áreas vitais do país, como interior de São Paulo e arredores, Porto Alegre, Pelotas, Salvador, Recife, Natal, Vitória e interior do estado do Rio... Apenas a periferia, a região menos desenvolvida, mais retardada, tinha seus serviços de energia elétrica a cargo de pequenas empresas nacionais ou dos

governos estaduais ou municipais” (PEREIRA & LIMA, 1975, p.115).

Conforme observado no primeiro capítulo e consoante JANNUZZI & SWISHER (1997), a energia elétrica pode ser tratada como uma mercadoria (commodity), uma necessidade social ou como recursos estratégicos ou ecológicos. Esse modelo, descrito por PEREIRA & LIMA (1975), mostra a visão da energia elétrica como sendo uma commodity, no qual as maiores possibilidades de ganho de escala eram absorvidas por grandes empresas privadas, enquanto a visão de necessidade social ou de recurso estratégico era exercida, sobretudo pelos governos estaduais e municipais. O modelo somente se alteraria substancialmente em 1934, com a promulgação do Código de Águas, marcando o esboço de uma nova etapa para o setor: a era estatal. A oferta de energia elétrica passaria a ser executada, predominantemente, pelos governos federal e estaduais, sob uma visão de necessidade social e estratégica para o desenvolvimento industrial do país.

2.2 Décadas de 30 e 40: alterações no ambiente institucional e organizacional

LEVY & SPILLER (1994) argumentam que a eficiência do aparato regulatório em promover o investimento privado varia com as instituições políticas e sociais de cada país. O sucesso na obtenção de um ambiente propício ao investimento privado, sobretudo estrangeiro, depende da criação de mecanismos que restrinjam a ação regulatória sobre o setor e preserve a credibilidade dos contratos entre os agentes privados e públicos (credible commitment). Dessa forma, o modelo liberal adotado no início da indústria de energia elétrica favorecia a entrada de investimentos privados.

Todavia, desde o início do século passado, havia iniciativas de alterar a base jurídica do modelo liberal existente. Para tentar regulamentar o setor elétrico, em 1907, o primeiro projeto do Código de Águas foi apresentado ao Congresso Nacional, tentando estabelecer a caracterização jurídica das águas e regulamentar seu aproveitamento para geração de eletricidade. O projeto permaneceu por vários anos na Câmara dos Deputados, sem obter aprovação. Segundo a ELETROBRÁS (2002a), o caráter liberal da Constituição de 1891 impedia tentativas de ampliar a ingerência da União em questões relativas à exploração e produção das riquezas nacionais.

Na década de 30, o Governo Vargas alterou a forma de administrar os recursos hídricos, que passaram a ser considerados como de interesse nacional. A 10 de julho de 1934, foi promulgado o Código de Águas, consolidando a intervenção do Estado no domínio econômico e a União como poder concedente para os aproveitamentos hidrelétricos destinados ao serviço público. Em 1937, segundo GUIMARÃES (2001), deu-se a proibição de qualquer novo aproveitamento hidráulico por companhias estrangeiras e, em 1939, foi criado o Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica (CNAEE) órgão federal responsável pela tarifação, organização, controle das concessionárias, interligação entre as usinas e sistemas elétricos. De acordo com a ELETROBRÁS (2002a), o CNAEE – até a criação do Ministério de Minas e Energia e da Eletrobrás, nos anos 60 – foi o principal órgão do governo federal nos assuntos relativos à política de energia elétrica.

A tendência de que o Estado assumisse a condução no setor elétrico foi reforçada com a crise de energia no final da década de 30. O principal fator para a crise do setor elétrico ocorrida naquela época foi o início da Segunda Guerra Mundial, em 1939. PEREIRA & LIMA (1975) afirmam que o grupo Light, às vésperas da guerra, gerava e oferecia energia elétrica acima da demanda. Até o grupo Amforp, em algumas regiões, também apresentava capacidade de geração superior à demanda.

“A guerra é que retardou a expansão do sistema elétrico privado, quer pela dificuldade de obtenção de recursos para o investimento, quer pela dificuldade de aquisição de equipamento estrangeiro, pois o que aqui se produzia era quase nada. Além disso, a inflação, gerada pela situação especial que o país atravessava durante a guerra, foi tornando as tarifas cada vez menos interessantes para os concessionários” (PEREIRA & LIMA, 1975, p.116).

No período entre 1930 e 1945, a expansão do consumo de energia elétrica nos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro foi de 250%, enquanto a capacidade instalada de geração de energia cresceu somente 72%. Esse resultado foi atribuído à falta de interesse da iniciativa privada em investimentos no setor. Entretanto, segundo BERGARA, HENISZ & SPILLER (1997), as empresas multinacionais precisam ponderar os potenciais custos e benefícios de operar em mercados onde o risco de expropriação dos investimentos é maior. Nesse sentido, as sinalizações advindas das instituições do setor elétrico, na época, não favoreciam a criação de um ambiente

propício ao investimento. Dessa forma, a retomada do crescimento em capacidade de geração de energia ocorreu somente com a efetiva participação dos governos federal e estaduais no setor, a partir da década de 50, conforme se pode observar por meio da Tabela 2.1.

Tabela 2.1 – Capacidade instalada de geração de eletricidade, 1930–1960 (em MW).

Ano Potência (em MW) Taxa crescimento no período (em %)

1930 779 - 1935 850 9,1% 1940 1.244 46,4% 1945 1.342 7,9% 1955 3.148 134,6% 1960 4.800 52,5%

Fonte: BAER & MCDONALD (1997).

Na realidade, de acordo com a ANEEL (2002), no período de 1939 a 1947 ocorreu apenas um registro de ampliação do parque gerador – o de Ribeirão da Lages. A efetiva retomada dos investimentos ocorre somente no pós-guerra, quando do segundo governo de Getúlio Vargas (1951-1954).