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As estratégias de dramatização e de escolha de valores no discurso

2.4. O ethos discursivo na argumentação do discurso político

2.4.1. As estratégias de dramatização e de escolha de valores no discurso

Para provocar a adesão do interlocutor, algumas condições comunicacionais são indispensáveis, pois apenas um discurso de afeto não produz necessariamente a adesão do interlocutor. O sujeito falante deve selecionar universos de crenças específicos e promover uma encenação em função do que ele imagina em seu interlocutor e de suas expectativas em relação a ele. Como mostra Charaudeau (2006, p. 91), “o discurso político [...] realiza a encenação seguindo o cenário clássico dos contos populares e das narrativas de aventura: uma situação inicial que descreve o mal, a determinação de sua causa, a reparação desse mal pela intervenção do herói natural ou sobrenatural.” O exemplo de Charaudeau (2006) demonstra claramente o processo que envolve o discurso político. Charaudeau (2006) acrescenta, ainda, que:

O discurso político, que procura obter a adesão do público a um projeto ou a uma ação, ou a dissuadi-lo de seguir o projeto adverso, insiste mais particularmente na desordem social da qual o cidadão é vítima, na origem do mal que se encarna em um adversário ou um inimigo, e na solução salvadora encarnada pelo político que sustenta o discurso (CHARAUDEAU, 2006, p. 91, grifos do autor).

Desse modo, a desqualificação do adversário é uma estratégia recorrente no discurso político e é utilizada por meio de procedimentos discursivos como a ironia, contradições, manipulação por parte dos adversários, como afirma Charaudeau (2006). Segundo Charaudeau (2006), é comum a argumentação se reduzir ao procedimento de ataques ao adversário, questionando sua integridade, suas contradições, sua incapacidade, dentre outros. E, assim odiscurso político trabalha mais com a opinião do que com a própria argumentação.

Outro ponto que merece destaque sobre as condições do ethos como prova no discurso político é a questão da mentira na busca da persuasão. Maquiavel (2010) já dizia que o político não tem de dizer a verdade, tendo apenas que demonstrar isso. É

preciso a utilização de estratégias discursivas para que se mantenha a legitimidade, a captação e a credibilidade e, para isso, o que temos observado é que, nos dias atuais, algumas dessas estratégias de dramatização têm sido associadas à mentira, gerando uma insatisfação geral e uma sensação de impotência diante de episódios de escândalos políticos que se tornaram frequentes em nosso país.

Se considerarmos a mentira não apenas como uma oposição à verdade, como prefere dizer Charaudeau (2006), podemos notar que a mentira é uma forma de construção simbólica do discurso político e faz parte de uma relação entre os sujeitos em que se procura proteger seu próprio conhecimento. Podemos observar que o discurso político, como parte da vida em sociedade e de um imaginário sociodiscursivo, se constrói a partir de mentiras levadas às últimas consequências. Isso tem se tornado um expoente no lugar da verdade que seria a base de construção dos imaginários sociodiscursivos, como mostra Mari (2006). Como exemplo disso, promessas que não podem ser cumpridas fazem, tornando a associação entre política e mentira cada vez mais frequente, impedindo qualquer reflexão.

Porém, Maquiavel (2010, p. 40), em O Príncipe, já pregava que “a um príncipe é necessário saber valer-se dos seus atributos de animal e de homem”, sendo necessário disfarçar muito bem de modo que “aquele que engana sempre encontrará quem se deixe enganar”. O pensador continua, afirmando que não é possível possuir todas as virtudes e que quem as tem não consegue se manter no poder. A propósito da mentira, Maquiavel afirma que “o príncipe deve, no entanto, ter muito cuidado em não deixar escapar da boca expressões que não revelem [...] ser todo piedade, lealdade, integridade, humanidade, religião” (MAQUIAVEL, 2010, p. 40).

Charaudeau (2006) apresenta quatro estratégias relacionadas a esse jogo entre locutor e interlocutor na política: Estratégia da imprecisão, em que o político faz declarações gerais, às vezes, até ambíguas; Estratégia do silêncio, que consiste na ausência de silêncio; Estratégia da razão suprema, na justificativa com a expressão “razão de Estado”; e, por último, a Estratégia de denegação, por meio da negação em casos de ações na justiça (CHARAUDEAU, 2006). Assim, a expressão “os fins justificam os meios” associada aos pensamentos de Maquiavel (2010, p. 41) muitas vezes parece ser característica do discurso político, embora no contexto atual seja mais apropriado o sentido de fazer o necessário para atingir seus objetivos.

2.4.2. A construção do ethos no discurso político

Conforme o exposto, o ethos no discurso político é o resultado de um trabalho de entrecruzamento de imaginários populares por parte do sujeito enunciador, a fim de se atingir o maior número possível de adeptos ao seu discurso e, consequentemente, persuadir o destinatário em função de seus desejos e expectativas. Considerando-se o discurso político na mídia, nota-se a presença de uma atividade por parte dos sujeitos enunciadores, a partir das escolhas linguísticas e de seu objetivo comunicativo, para persuadir o leitor, a partir de mudanças na imagem dos sujeitos em função da substituição de certos elementos contextuais e situacionais por outros.

A construção da imagem dos sujeitos políticos por intermédio da linguagem é um fenômeno que está em constante mudança e cada vez mais está voltada para relações contratuais entre setores da sociedade e mídia, envolvendo aspectos econômicos, políticos, sociais e ideológicos. Os sujeitos enunciadores buscam influenciar o comportamento dos destinatários num espaço de comunicação midiático que está em mudança permanente nos dias atuais.

No que diz respeito ao homem político, Menezes (2006) mostra que ele é um ser que não defende causas em nome próprio, pelo menos teoricamente. Ao contrário, ele propõe, por meio do discurso e da ação, a preservação do espaço público e a realização do bem comum. Podemos perceber, então, que a fala e as ações dos políticos procuram refletir um ser idealizado. Por intermédio das mídias ocorre uma construção que permite ao leitor produzir formas simbólicas de representação da sua relação com a realidade concreta. Charaudeau (2006) caracteriza essa construção de imagens pelos políticos da seguinte maneira:

O ethos político deve, portanto, mergulhar nos imaginários populares mais amplamente partilhados, uma vez que deve atingir o maior número, em nome de uma espécie de contrato de reconhecimento implícito. O ethos é como um espelho no qual se refletem os desejos uns dos outros (CHARAUDEAU, 2006, p. 87).

No quadro da política brasileira, podemos dizer que o ethos corresponde a uma ética particular relacionada a uma imagem de honestidade vinculada ao empreendedorismo, ao trabalho e ao sucesso, como destaca Menezes (2006). Segundo o autor citando Weber19

:

Sob o capitalismo o ethos se apresenta como uma qualidade daquele que é visto como um homem honesto porque é alguém de crédito reconhecido – crédito é dinheiro. É o caráter de alguém que toma dinheiro emprestado e, paga em dia, de acordo com o combinado e, „acima de tudo‟, relaciona-se a ideia do dever de um indivíduo em relação ao aumento de seu capital, que é tomado como um fim em si mesmo. O ethos, nesse sentido, não corresponde a uma simples técnica de vida, mas a uma ética peculiar, cuja infração não é retratada como uma tolice, mas como um esquecimento do dever (MENEZES, 2006, p. 321, grifo do autor).

Podemos perceber, assim, que a busca do lucro aparece em evidência no ethos do político que procura demonstrar virtudes ou valores positivos em função de seus propósitos e das finalidades socialmente reconhecidas entre os sujeitos. Para isso, os atores políticos jogam com imagens de si na busca da adesão de seus eleitores. No próximo capítulo, traçamos algumas considerações sobre os gêneros discursivos na proposta da semiolinguística das visadas discursivas, gêneros situacionais e construção textual. Trazemos algumas reflexões sobre a problemática que envolve a análise de gêneros discursivos considerando a proposta da teoria do fato linguageiro de Charaudeau e as visadas relacionadas aos limites situacionais. Lembramos a questão do contrato comunicacional e das restrições discursivas para descrever o pressuposto deste estudo. Dando início à contextualização do corpus, trazemos também a descrição da configuração dos gêneros relacionada à identidade dos sujeitos políticos e a questão da legitimidade.

3. CONFIGURAÇÃO DO CORPUS: CATEGORIZAÇÃO DOS GÊNEROS ARTIGO DE OPINIÃO E ENTREVISTAS E AS RESTRIÇÕES DO CONTRATO DE COMUNICAÇÃO

Não ir do discurso em direção a um núcleo interior e oculto [...]; mas, a partir do próprio discurso de sua aparição e de sua regularidade, chegar a suas condições externas de possibilidade.

Foucault apud Charaudeau (2012b, p. 15).

Neste capítulo, voltamo-nos para a segunda parte deste trabalho correspondente à análise do corpus. A partir da noção de que uma análise do discurso deve levar em conta as condições de realização dos textos, tratamos da descrição da configuração dos gêneros artigo de opinião e entrevista, nosso corpus, com base na definição em três níveis por Charaudeau (2004) citados por Melo (2011, p. 181): i) o nível situacional, relacionado aos dados situacionais do contrato global do domínio de comunicação e suas variantes; ii) o nível das escolhas discursivas, que diz respeito à organização discursiva e seus modos, em referência ao conjunto de procedimentos utilizados a partir dos dados situacionais para particularizar a organização discursiva; e, iii) o nível da configuração textual, que se refere às formas textuais regulares na organização discursiva.

A partir dessa perspectiva, refletimos sobre alguns conceitos fundamentais para a compreensão do gênero na concepção da semiolinguística e sobre as restrições do contrato de comunicação nas colunas de Aécio Neves no Portal Folha e nas entrevistas simuladas de Dilma Rousseff no Programa Café com a Presidenta. É preciso ressaltar que entendemos os gêneros na sua construção pelo sujeito por meio de representações sociais advindos da aprendizagem e experiência, sendo, portanto, um lugar de práticas sociais relativamente institucionalizadas e situacionais.

No primeiro tópico trazemos algumas considerações sobre a proposta de Charaudeau (2004, 2005; 2012b) sobre os gêneros discursivos, a partir de sua noção a respeito das visadas discursivas, os gêneros situacionais e a construção textual nas mídias. No segundo tópico, tratamos das restrições do contrato de comunicação midiático de acordo com a finalidade, a identidade dos sujeitos bem como o dispositivo dos textos do corpus. No terceiro tópico, abordamos a questão da transgressão dos gêneros, levando-se em conta os tipos de configuração dos textos analisados. Por fim,

no quarto tópico, discorremos sobre a identidade do sujeito político e a questão da legitimidade no corpus.

3.1. Os gêneros discursivos: Visadas discursivas, gêneros situacionais e construção