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5.1. Os ethé de credibilidade

5.2.5. O ethos de “chefe”

Charaudeau (2006) define o ethos de “chefe” como aquele que se direciona para o cidadão de maneira que este se identifique e siga tal representação. Por se tratar de um ethos presente no domínio público, o sujeito político se vê forçado a prestar contas de seus atos aos cidadãos, retribuindo, dessa forma, a confiança que estes depositaram nele, criando uma relação de dependência e fazendo surgir várias figuras de “chefe” como a de guia, de soberano e de comandante.

A figura de guia, como descreve Charaudeau (2006), pode ser apresentada sob a forma do guia supremo, capaz de guiar um grupo social em meio a conflitos e dificuldades, com as variantes: guia-pastor como um condutor sábio que tem determinação, perseverança e sabe cuidar do povo como um pastor ao guiar suas ovelhas. Semelhantemente, o guia-profeta também é um agregador, a diferença reside na ligação que faz entre passado e futuro sobre seus atos e nas declarações sobre conduzir o destino dos homens. É um visionário, capaz de ser “pai” e “inspirador de espírito”, “que propõe ao povo uma possibilidade de redenção, com a condição de que este o siga” (CHARAUDEAU, 2006, p. 156). Outra diferença entre essas figuras é o tempo de ação, o guia-pastor está preocupado com o presente, já o guia-profeta está voltado para o futuro, segundo Charaudeau (2006). Acrescenta-se ainda que o pastor é

um ser calmo, de silêncio, o profeta, ao contrário, é sempre comprometido com a palavra.

Entre os discursos analisados, encontramos a tentativa de consolidação da figura do guia supremo no discurso de Aécio Neves e de Dilma Rousseff, sendo que o ethos de chefe de Aécio Neves se faz pela figura do guia-profeta (exemplo 72); enquanto que em Dilma Rousseff é construído pela mistura entre as figuras do guia-pastor e do guia- profeta (exemplo 73).

(72) [...] A formatação de um novo diálogo nacional tornou-se imprescindível para que a lógica das decisões do poder público, tantas vezes distante da realidade, ganhe legitimidade e efetiva participação da cidadania.

É hora de somar forças para a construção coletiva de um novo projeto para mudar de verdade o Brasil.

(Aécio Neves, Para Mudar o Brasil, 16/12/2013)

(73) Minhas amigas e meus amigos, graças ao esforço de todas as brasileiras e de todos os brasileiros, o Brasil termina o ano melhor do que começou. Temos motivos também para esperar um 2014 ainda melhor do que foi 2013. As dificuldades que enfrentamos, aqui dentro e lá fora, não foram capazes de interromper o ciclo positivo que vivemos e que tem garantido que a vida dos brasileiros melhore gradativamente a cada ano. [...]

O Brasil será do tamanho que quisermos, do tamanho que o imaginemos. [...]

Sabemos o que é preciso para isso e nada nos fará sair desse rumo, como também nada fará mudar nosso rumo na luta em favor de mais distribuição de renda, diminuição da desigualdade pelo fim da miséria e em defesa das minorias.

(Dilma Rousseff, No pronunciamento à Nação, Dilma afirma que 2014 será ainda melhor para o Brasil, 30/12/2013)

Percebemos nesses fragmentos que o político Aécio Neves pretende desconstruir o discurso de Dilma Rousseff por meio da figura do guia-profeta, demonstrando uma imagem de inspiração, de um “visionário” com a missão de transformar o Brasil diante das mazelas do atual governo. O político traz um discurso de descrença no governo em questão e na possibilidade de mudança por meio do diálogo e da união entre as forças.

Dilma Rousseff, por sua vez, tenta construir uma imagem agregadora como guia-pastor, no trecho 73, pelo uso do vocativo “Minhas amigas e meus amigos” e pelo uso da primeira pessoa do plural (temos), envolvendo “todos os brasileiros e brasileiras”. Assim, todos estão incluídos na luta por um Brasil melhor. Demonstra um caminhar pausado e regular, que sabe agir diante das dificuldades e sabe para onde vai gradativamente. A presidente apresenta uma imagem direcionada ao cidadão brasileiro ao mesmo tempo em que está voltada para si mesma, na busca de identificação do outro. Ao mesmo tempo, apresenta a figura do guia-profeta, ao ter uma visão de futuro para o país com garantia de melhorias ainda maiores, segundo ela, como mais distribuição de renda, diminuição da desigualdade, fim da miséria e defesa das minorias.

Outra figura ligada ao ethos de “chefe” é a imagem do chefe-soberano fundada na legitimidade do político. Encontramos essa figura nos discursos de Aécio Neves (exemplo 74) e Dilma Rousseff (exemplo 75) ao falarem da democracia; da soberania do povo; da identidade nacional; do que devem ser as grandes linhas de um projeto político; celebrando o povo, o país, o regime institucional, conforme a caracterização de Charaudeau (2006) sobre o ethos de “chefe”.

(74) Mais um ano se aproxima do seu final. E registro o que, em meio a tantos desafios, acredito que devemos especialmente celebrar: a consolidação da nossa democracia, com destaque para o Judiciário independente e a liberdade de imprensa assegurada.

[...] que possamos celebrar especialmente o resgate da confiança no futuro do país. (Aécio Neves, Feliz Brasil Novo, 30/12/2013)

(75) Não existe nada mais importante para mim do que ver as famílias brasileiras melhorando de vida, mais felizes, mais tranquilas e mais satisfeitas com o fruto do seu trabalho. Por isso, sinto alegria de poder tranquilizar vocês dizendo-lhes que entrem em 2014 com a certeza que o seu padrão de vida vai ser ainda melhor do que você tem hoje. [...]

Ampliamos nosso diálogo com todos os setores da sociedade e escutamos seus reclamos, implantando pactos para acelerar o cumprimento de nossos compromissos.

(Dilma Rousseff, No pronunciamento à Nação, Dilma afirma que 2014 será ainda melhor para o Brasil, 30/12/2013)

Verificamos, no exemplo 74, que Aécio Neves procura transmitir a ideia de um político comprometido com a soberania, com a democracia, capaz de superar os projetos políticos do partido adversário em potencial com estratégias que se situam acima deles. Em forma de crítica direta e do uso da primeira pessoa, o discurso de Aécio Neves em sua mensagem de fim de ano tenta provar que um chefe de estado deve ouvir as demandas da população e agir preventivamente diante de situações inevitáveis, como as chuvas.

Dilma Rousseff (exemplo 75), por outro lado, explora o recurso da não entrada no jogo da polemitização, numa posição de fiadora de valores, conforme o uso da primeira pessoa (para mim), de maneira a se posicionar acima do conflito mostrando sua capacidade de atitude diante de alguns riscos e crises. Não deixa de demonstrar seu interesse em estar junto do povo e de ouvir seus reclames, estando acima das contingências políticas por meio da estratégia de crítica indireta aos seus adversários que tentam transmitir uma visão pessimista sobre o Brasil.

Outras figuras abordadas por Charaudeau (2006) relacionadas à figura do chefe- soberano não se encaixam no discurso da presidente Dilma Rousseff e de Aécio Neves, no corpus, como a figura do comandante por ser mais autoritária e, algumas vezes, até agressiva, além do ato de arrependimento ou a recusa do perdão.