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Enquanto a tradução teve sempre um papel primordial na disseminação e no desenvolvimento do conhecimento científico e técnico, também é verdade que a ciência e a técnica tiveram um grande impacto nas práticas de tradução. A tradução sofreu uma verdadeira metamorfose com o advento dos computadores e da Internet, requerendo dos tradutores a adoção de novas tecnologias e de novas práticas no seu trabalho diário. Desde o início do novo milénio, a tradução é uma atividade baseada no uso de ferramentas informáticas (Austermühl, 2001), o que afeta não só o tipo de trabalho mas também a forma como é feito, sendo estes impactos sentidos especialmente na tradução técnica e científica. De facto, a tradução em computador com recurso a memórias de tradução e bases de dados de terminologia é especialmente adequada à tradução científica e técnica, devido à importância da consistência terminológica, ao uso de fórmulas consagradas e à natureza altamente repetitiva deste tipo de textos. Para muitos tradutores, o conhecimento de ferramentas de processamento de texto é o suficiente para o seu trabalho de todos os dias, no entanto, no caso dos tradutores científicos e técnicos, a maior parte do trabalho é realizado com recurso às chamadas

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ferramentas de tradução (translation tools). Este tipo de ferramentas inclui as memórias de tradução, que são sistemas de armazenamento de traduções feitas previamente, as bases de dados terminológicas e os corpora electrónicos.

A capacidade de o tradutor utilizar todas as potencialidades dos recursos existentes na Internet é um fator crítico, tanto para a qualidade como para a rapidez do processo de tradução (Vesler, 2013). O uso de ferramentas de tradução clássicas, como o dicionário, requer do tradutor apenas um conhecimento básico do alfabeto da língua de partida, enquanto que a pesquisa utilizando as novas ferramentas online requer competências muito mais sofisticadas para compilar, refinar e tratar os resultados de pesquisa. Em relação aos dicionários, estas novas ferramentas têm a grande vantagem de permitir pesquisar os contextos em que surgem os termos pesquisados (Vesler, 2013). Ao contrário dos dicionários como fonte de terminologia na língua de chegada, um motor de busca de textos responde à questão de pesquisa com documentos reais, isto é, amostras do uso real de um dado termo num contexto relevante, que é exatamente o que um tradutor pretende (Vesler, 2013).

Algumas das ferramentas atualmente utilizadas em trabalho terminológico são descritas no Capítulo 4, pelo que não serão abordadas aqui.

Os softwares de tradução, como, por exemplo, o memoQ ou o SDLTrados, oferecem uma série de funções que permitem a reutilização de traduções prévias recorrendo a memórias de tradução e corpora, bem como ao tratamento estatístico de resultados de traduções prévias. Estas funções permitem o controlo da qualidade da tradução, verificação da consistência e o uso de terminologia mais correta. Uma memória de tradução é uma base de dados informática que armazena os chamados “segmentos” (frases, parágrafos ou outros elementos de texto como títulos, cabeçalhos, listas, etc), previamente traduzidos, de uma forma alinhada ou em pares, isto é, o texto/segmento de partida e o seu correspondente na língua de chegada, em pares a que se dá o nome de “unidades de tradução”. Estas funções são especialmente úteis no caso de segmentos de texto repetidos, o que sucede frequentemente em textos técnicos e científicos. Sem o uso de memórias de tradução, o tradutor teria que estar repetidamente a traduzir as

49 mesmas frases (ou frases semelhantes). Com o uso de uma memória de tradução todos os segmentos já traduzidos são armazenados para futura utilização de forma a que a mesma frase não precise de ser traduzida duas ou mais vezes. A maior vantagem das memórias de tradução é, portanto, permitirem tirar vantagem de repetições no texto e conferir coesão e coerência ao texto na sua totalidade.

Ao utilizar-se um software de tradução, quando se abre um documento para o traduzir, o programa divide o texto de partida em segmentos, procura correspondências entre segmentos do texto de partida e segmentos de outros textos previamente traduzidos guardados na base de dados e apresenta esses segmentos recuperados como propostas de tradução. O tradutor poderá aceitar essa proposta, substituí-la por uma tradução nova, ou modificá-la para corresponder exatamente ao segmento do texto de partida. A memória de tradução pode recuperar vários graus de correspondência:

1) Correspondências exatas ou a 100% (100% matches): quando a correspondência entre o segmento de partida e o segmento de chegada é total, o que significa que esse segmento já terá sido traduzido anteriormente.

2) Correspondências parciais (fuzzy matches): quando o segmento recuperado é semelhante ao segmento de partida mas não exatamente. Alguns softwares de tradução atribuem valor percentual à correspondência e nesse caso uma correspondência parcial significa uma percentagem superior a 0% e inferior a 100%. Estes segmentos são apresentados ao tradutor com as diferenças assinaladas.

3) Sem correspondência: significa que é um segmento completamente novo, a ser traduzido inteiramente pelo tradutor (human translation). Estes novos segmentos traduzidos são armazenados na base de dados (memória de tradução) podendo ser utilizados para outras ocorrências no mesmo texto ou para futuras traduções.

As memórias de tradução resultam melhor em textos muito repetitivos como, por exemplo, instruções técnicas. Também são úteis no caso de modificações

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incrementais num texto previamente traduzido, correspondendo, por exemplo, a pequenas alterações numa nova versão de um manual de utilizador.

Para além da redução da carga de trabalho e do tempo envolvido na tradução, os benefícios das memórias de tradução incluem:

 garantia de que o texto é traduzido de forma completa, já que as memórias de tradução não aceitam segmentos de chegada vazios.

 garantia de que os documentos traduzidos são consistentes em termos de definições, fraseologia e terminologia.

As maiores desvantagens destes softwares estão relacionadas com o facto de a tradução ser realizada segmento a segmento, o que contraria o princípio de que o tradutor deve traduzir a mensagem do texto e não apenas as suas frases. Por outro lado, a qualidade do texto armazenado em memória não é garantida, pelo que, se a tradução de um dado segmento estiver incorreta, há possibilidade de que venha a ser utilizada em traduções futuras. Por fim, o tradutor tem menos propensão a construir as frases de início se lhe forem apresentados segmentos parcialmente traduzidos (fuzzy matches), o que pode resultar na alteração de sequência dos elementos lógicos numa frase.