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4 OS PIXADORES NA CIDADE: SOCIABILIDADE E LAZER NA PRODUÇÃO

4.2 As folhinhas como dispositivo de registro

Caderninhos e folhinhas de pixação circulam a todo o momento nos points, bailes funks e festas que estejam presentes uma quantidade significativa de pixadores, percebendo que elas eram passadas quando um número superior, acima dez pixadores, estava presente. Sobretudo, naquele momento quando se encontravam com aqueles mais antigos, ou que adquiriram status e prestígios por outros pixadores. Utilizados como elementos de registros e, consequentemente, de socialização, pixadores passam de mãos em mãos, sentados, contando histórias, bebendo e se organizando para jogar bola. “E aí, vai?”, também sou convidada para “deixar minha marca” – como se referem ao ato de registrar seu vulgo em algum lugar. A convite, deixo minha marca e passo o caderninho, colocando muitas vezes o meu próprio caderno de campo “na roda”, no meio dos próprios interlocutores, para que registrem suas

marcas e pixações. Colocar meu nome em um caderninho ou folhinha, começando também o meu próprio registro, é uma excelente oportunidade para se iniciar uma conversa com quem não conheço.

Na elaboração de sua marca, a estética da letra é valorizada, assim como também sua capacidade criativa. Nesses momentos, saber pixar e ter seu próprio apelido facilita bastante. Como já tinha meu próprio apelido e elaborado a minha própria marca, meus diálogos também se desenvolviam sobre estética ao assinar nas folhinhas e caderninhos que passavam pelo grupo. “Não sei fazer letras retas, prefiro embolada”, comentava algumas vezes me referindo ao tipo de letra utilizado por alguns. “Muito fácil, deixa eu te ensinar”, cordialmente era ensinada sobre os mais variados modos estéticos.

Nos diálogos que seguiam, nesses momentos nos quais as assinaturas eram compartilhadas em um mesmo papel, percebi que o processo de criação de uma pixo requer, muitas vezes, um esforço de pesquisa no qual se busca tornar a sua marca única e original, com o propósito de fortalecer a sua própria identidade visual. Demonstrando como a valorização estética e criativa da letra é levada em consideração quando explicam sobre a processo de criação da sua assinatura:

O Menor tem um tipo de letra diferente, que todo muito conhece e sabe que já é criação dele. Ele misturou letras do alfabeto árabe com a pixação. Isso é massa! Tipo... nenhum pixador faz isso aqui, só ele. E ele passa horas pintando telas, rabiscando folhas. É um estudo mesmo, tá ligado? O cara pesquisou alfabeto, pesquisou letras de pixo, é muito louco isso ((Conversa informal com Stilo, março de 2015).

A importância da criação de uma assinatura envolve tanto uma expressão íntima e subjetiva de si mesmo quanto o desenvolvimento de habilidades manuais e técnicas tipográficas (MOURA, 2014). A estética, para eles, é a marca do pixador. Exigindo, assim, um grande potencial criativo para conseguir criar um modo peculiar de escrita que seja reconhecida como sua. Elaborar sua própria marca, nesse sentido, tem o intuito de conseguir fazer com que reconheçam seu nome pelo simples fato de olharem os seus traços, mesmo que de longe. Afinal, em uma batalha de letras que se consolidam nos muros da cidade, é preciso ter destaque em meio a tantos outros nomes que ali também disputam o mesmo espaço. A importância na elaboração de sua assinatura na construção do pixador representará sua autenticidade e originalidade – qualidades fortemente levadas em conta na atribuição do respeito entre seus pares.

Sobre conseguir ter seu nome conhecido no universo da pixação, “ah, eu acho que já vi esse nome” são respostas frequentes após o registro feito na folhinha de quem disponibiliza. Negar ter visto aquela assinatura alguma vez é uma ofensa muito grande. E, embora não haja discussão, o semblante de desagrado fica evidente. Por isso, é comum que se elogie a letra, fale de pessoas para que se estabeleça algum laço de amizade ou de pessoas próximas que sejam do mesmo grupo daquele que era, até então, desconhecido pelo dono do caderninho ou folhinha.

Além desses meios de registro, reportagens também servem como arquivo. Não se trocam as reportagens, mas se expõem para os demais, e são elementos importantes na construção de seu próprio acervo, sendo motivo de orgulho e reconhecimento por outros pixadores conseguir alguma matéria antiga. Ter um bom arquivo com reportagens, folhinhas, caderninhos e fotos é sinônimo de prestígio. Todo pixador tem seu próprio acervo de pixação e gosta de exibi-lo. Aqueles que ainda não têm, logo começam a guardar aquilo que conseguem para iniciar sua própria biblioteca particular: “Guarda essa folhinha aí, todo encontro tu começa a criar a tua”, sou incentivada a criar meu próprio acervo, pois os pixadores consideram como uma prática importante, tanto para quem se interessa pelas coleções quanto para o próprio movimento, “porque fica registrado na memória e fica como prova”. Ter seu registro serve como prova, tanto para dizer que você esteve lá quanto para validar sua fala relatando algum ocorrido sobre uma determinada época e situação.

Considerando que a principal característica da pixação é a sua efemeridade, tornando- se esse o maior obstáculo o qual os pixadores afirmam tentar a todo tempo superá-lo, a importância do registro entra como tentativa de superar aquilo que é fugidio, pois uma pixação realizada hoje poderá ser apagada no dia seguinte. Desta forma, colecionar esses nomes nestes dispositivos aparecem “como uma forma de fazer com que os seus pixos permaneçam e não sejam apagados da memória” (PEREIRA, 2010, p. 155), introduzindo nas rodas de conversa, nas festas e nos points, o hábito dos pixadores trocam histórias e darem continuidade ao “seu legado” – expressão dita por eles para referir-se ao tempo que passou se dedicando à pixação. Assim como, valorizam as coleções que possuem nomes de pixadores mais antigos e mais famosos, pois um nome feito há seis anos, guardado com maior cuidado e zelo, garante uma espécie de continuidade daquele pixador: “a coleção de assinaturas de pixadores constitui um acervo em que suas inscrições, tão efêmeras na cidade, conseguem uma permanência maior, constituindo para muitos deles uma memória da pixação e da própria juventude” (PEREIRA, 2010, p.150).

Além disso, as lembranças trazidas e o respeito à memória dos pixadores que já não estão mais presentes tornam essas ferramentas como importantes agentes na memória coletiva estabelecida entre pares. Candau (2012), ao abordar as relações existentes entre memória e identidade, afirma o importante papel dessa relevância dada à memória dos mortos para a afirmação de identidades coletivas. Para o autor, o jogo social estabelecido entre a memória e a identidade é tratado também nas implicações que se referem ao patrimônio, uma vez que “o patrimônio é menos um conteúdo que uma prática de memória, obedecendo a um projeto de afirmação de si mesma” (CANDAU, 2012, p. 163).

Dessa forma, é a partir dessas relações estabelecidas entre os registros e os dispositivos de memória coletiva, acionados nesses compartilhamentos comuns, que os pixadores também tecem suas redes de relações, iniciadas nessas trocas de assinaturas, comercialização de camisas, CDs, DVDs e divulgação de ingressos para festas de pixação. Também é comum, nas realizações de suas festas, a criação de uma tela que também serve como mecanismos de registro, memória e sociabilidade.

Figura 13 - Camisas de pixação comercializadas

Fonte: arquivo pessoal da RDP, março de 2016.

Figura 14 - Ingressos de festas comercializados