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2 TRAJETÓRIAS DE CAMPO: NOTAS ETNOGRÁFICAS, OBJETO E

2.3 Escolhas e delimitações do campo etnográfico

Inicialmente a pesquisa de campo aconteceu nas minhas idas ao bairro do Pina, especificamente na Comunidade do Bode, na Zona Sul da cidade do Recife. Durante o dia, no período da tarde, me deslocava da Zona Oeste para a região Sul na tentativa de “trocar uma ideia”16 com Stilo e Menor, em busca de compilar os meus primeiros dados e registros

etnográficos, a fim de identificar quais os caminhos que iria percorrer durante essa etapa inicial de imersão em campo. Stilo e Menor são pixadores e ativistas de projetos de intervenção social que utilizam o graffiti como suporte. O projeto piloto realizado por eles é o “Pão e Tinta”, que acontece anualmente e tem como proposta central a ação de intervenção em sua própria comunidade, refletindo sobre as questões de combate ao racismo, redução de danos e de conscientização política atrelada ao movimento cultural que o próprio hip-hop propõe. Os Anarquistas Detonadores do Pina − ADP, como são chamados pelos próprios pixadores −, é o grupo no qual eles se reconhecem e com o qual se identificam nas rodas de conversas sobre graffiti, pixação e arte urbana.

No processo inicial de delimitação do campo, busquei trabalhar paralelamente com eles, a ADP, e com os Relíquias da Pixação (RDP) − grupo no qual me aproximei posteriormente. Contudo, meus encontros com Stilo e Menor ficaram cada vez mais espaçados e com grandes dificuldades de organização de tempo e otimização das agendas para conciliar seus trabalhos com a disponibilidade que tinham, no momento, para realizar as visitas e, até mesmo, para conseguir marcar um encontro rápido a fim de “trocar uma ideia”. Engajados com diversos projetos pessoais e profissionais, seus “corres”17 diários deixavam poucas oportunidades e, quando surgiam, optavam por descansar com suas companheiras, seus familiares e com aqueles amigos mais íntimos. O que, obviamente, era compreendido por mim, que passei a respeitar as suas escolhas e não agia de forma incisiva, solicitando apenas orientações sobre outras possibilidades e formas de conseguir agregar as informações e vivências que tinham relação com o meu trabalho.

Dessa forma, nas nossas conversas realizadas no primeiro semestre de 2015, as suas contribuições me ajudaram a realizar o processo de elaboração do projeto de dissertação e a me aproximar dos outros interlocutores que se tornaram, com o decorrer da pesquisa, os atores atuais e mais presentes nas falas e nos relatos aqui descritos. Embora os pixadores da

16 Expressão dita para referir-se aos diálogos pautados nas trocas de experiências, compartilhamentos de ideias e

esclarecimento de dúvidas entre duas partes, seja indivíduo ou grupo. Essa categoria será trabalhada no item 2.6 sobre análise de dados.

ADP, em sua grande maioria, não frequentassem mais o point durante o momento que participei e realizei esta pesquisa, nos anos anteriores, eles estavam mais engajados nesse espaço que tinha um maior número de frequentadores e pixadores que compartilhavam das concepções e propostas que a RDP trazia.

Essa escolha por trabalhar como campo etnográfico a Pelada dos Pixadores, levou- me a considerar dois aspectos fundamentais: ser um lugar no qual conseguisse perceber as questões de sociabilidade e mobilidade entre esses atores e, principalmente, com eles; e a facilidade de acesso aos interlocutores e possíveis novos interlocutores com uma possibilidade de acompanhamento contínuo e permanente. Considerou-se esses pontos como principais devido ao formato da agenda acadêmica de mestrado, que opera de forma curta e, ao mesmo tempo, também exige uma boa coleta de dados. Por isso, embora quisesse dar continuidade com as idas ao Pina e de tentar conciliar esses dois lugares como coleta, precisei optar por algo que facilitasse e contribuísse com minha análise etnográfica por um período que considero curto e intenso − refletindo também sobre todos os aspectos e imprevisibilidade de se trabalhar em espaços urbanos e de, principalmente, estar com interlocutores que não são apenas pixadores, mas que possuem seus respectivos trabalhos, estudos, famílias e suas próprias agendas.

Nesse critério, Magnani (1996) destaca que o percurso da caminhada pelos espaços de intenção de investigação como ponto de partida é um dos principais elementos para se fazer a identificação e delimitação do cenário a ser trabalhado, considerando seus atores e as regras existentes no cotidiano local. Sendo assim, o início da minha caminhada pela ADP serviu como base para uma observação direta do cenário no qual os pixadores frequentavam e residiam, que são as periferias da cidade, bem como a dinâmica local e suas interferências nas relações de sociabilidade e mobilidade desses atores.

A proposta de realizar uma análise etnográfica, a partir da imersão em campo no universo da pixação, não poderia deixar de lado os espaços urbanos, em seus múltiplos usos, e a forma como os atores consolidam sua prática. Dessa forma, a escolha etnográfica também se deu no modo como considero e penso a cidade nesta discussão metodológica, a partir do momento que ela é parte integrante da minha unidade de análise. Os atores sociais em questão, em seus múltiplos arranjos coletivos, não estão isolados, mas por meio dos usos vernaculares da cidade são responsáveis pela construção da sua dinâmica (MAGNANI, 2009, p. 137). Pensando nisso, ao frequentar um point de pixação que acontece em meio ao espaço urbano, mais especificamente em um espaço público − a praça −, próximo a uma comunidade − a João de Barros −, que delimita seu uso e sugestiona o modo como se circula e se percebe

(n)esse espaço, me fez perceber o modo pelo qual os pixadores se relacionam com os espaços e com as formas as quais percebem essa cidade, em uma dimensão que vai do micro para o macro. Além disso, a pesquisa também percorreu as festas particulares de confraternizações pessoais − festas de final de ano, chá de fraldas e aniversário, por exemplo − e aquelas organizadas por grupos de pixadores, bailes funks, e na realização de trajetos por outros espaços da cidade, na medida que os interlocutores propunham e que a própria dinâmica da prática me direcionava a outros espaços e encontros.