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FUNÇÃO DA LINGUAGEM PREDOMINANTE

4. AS FRONTEIRAS DA PESQUISA EM COMUNICAÇÃO

O surgimento de uma disciplina é marcado por métodos particulares na abordagem de seus objetos de estudos e está ligado à tradição e às rotinas de trabalho entre os pesquisadores daquele campo. Em outras palavras, uma disciplina pode ser definida como um conjunto de investigações que se aproximam de maneira semelhante de objetos de estudo determinados. Em 2001, autores como França e Martino defendiam que a comunicação ainda não apresentava tais características. “Não há uma tradição estabelecida, o campo da comunicação ainda não constitui com clareza seu objeto, nem sua metodologia” (FRANÇA, 2001, p. 50 e 51). Atualmente, essa conjuntura já é questionada, uma vez que o campo da comunicação tem sido ampliado e consolidado no meio científico.

De qualquer maneira, essa questão pode ser justificada – ao menos parcialmente – pelo desenvolvimento acadêmico do meio. A criação e popularização dos meios de comunicação de massa financiaram a institucionalização da disciplina, o que, por conseguinte, provocou a reflexão teórica sobre esse campo de estudos. Era preciso entender a nova dinâmica criada pelo uso dos meios de comunicação, bem como seus efeitos no espaço e no tempo. Essa reflexão, no entanto, é tardia em comparação a outras disciplinas. O que se viu foi a proliferação de cursos profissionalizantes na área, antes mesmo do surgimento de teorias, fundamentais para complementar a formação técnica e para refletir sobre os impactos da comunicação nas esferas sociais e humanas. França (2001, p. 50) afirma, e essa questão permanece ainda hoje: “o espaço acadêmico da comunicação apresenta-se permeado por diferentes tensões: na articulação das teorias; na relação entre teoria e prática; na diferenciação, pluralidade e movimento de seus objetos”.

Essa condição está refletida na dificuldade em se estabelecer perspectivas para as pesquisas da área, uma vez que o estágio de desenvolvimento desse campo de estudos não estabelece, no momento, um referencial teórico robusto e bem delimitado. Como resultado, o trabalho de interpretação é solicitado para tentar contornar a questão e preencher essa lacuna. Além da interpretação realizada pelo próprio pesquisador, França (Id., p. 59) menciona também a influência do contexto espaço-temporal no qual ocorre a investigação em todo o processo.

Diante desse cenário, é justificada a apresentação e discussão de todos os conceitos apresentados anteriormente. Como afirma Lopes (2004, p. 26),

a predisposição de tomar, como dados, objetos pré-construídos pela língua comum é um obstáculo epistemológico amplamente notado nas pesquisas de comunicação. Daí o efeito de obviedade que tem diante de muitas pesquisas de Comunicação. A reflexão epistemológica alerta para a ilusão de transparência do real, fixa o plano da ciência como plano conceitual (que exige o trabalho do e com os conceitos) e, principalmente, revela um objeto que não se deixa apreender facilmente, uma vez que é regido por uma complexidade que o torna opaco e exige operações intelectuais propriamente teóricas para sua explicação.

Julga-se necessário e pertinente, ainda, levantar algumas preocupações sobre a interdisciplinaridade fortemente presente nos estudos comunicacionais. “Põe-se em dúvida se há algum critério que possa ser usado para assegurar, com relativa clareza e consistência, as fronteiras entre as disciplinas sociais” (Id., p. 19). É, segundo Lopes, justamente esta interface o terreno onde a fraqueza teórica na pesquisa de comunicação pode se mostrar mais exposta. Essa vulnerabilidade, no entanto, deve ser vista pelo pesquisador como oportunidade para demonstrar suas habilidades ao utilizar teorias e conceitos de diferentes origens e assim construir um objeto de pesquisa consistente e sem perder o foco da comunicação. A novidade e a originalidade na pesquisa científica surgem a partir de situações como essa.

Além disso, o fenômeno comunicacional é tão fascinante e complexo que permite a vários campos fazerem dele seu objeto de estudo, cada qual com suas especificidades (MARTINO, 2007; BRAGA, 2011). O homem, objeto de estudo das ciências humanas, é um ser comunicativo por natureza, e esse aspecto é quase sempre abordado por outras disciplinas (MARTINO, 2001a, p. 28). O papel do comunicólogo, então, é “explicar a realidade humana a partir dos fenômenos comunicacionais” (MARTINO, 2007, p. 28) valendo-se de conhecimentos próprios e de áreas afins, ampliando fronteiras. Cabe lembrar que, sob essa perspectiva, a comunicação se dá como fenômeno social, e não apenas como ferramenta ideológica com função pré-determinada (LOPES, 2004, p. 17).

Diante do exposto, um dos grandes desafios da área de comunicação está na interface com outros campos de investigação que fornecem teorias e perspectivas importantes, mas ameaçam “absorver a atenção do pesquisador, por suas teorias e objetos mais tradicionalmente delineados” (BRAGA, 2011, p. 64 e 65). Para não cair em armadilhas da interdisciplinaridade, convém sempre perguntar: “o que há de comunicacional nessa interface?” (Id.).

Neste trabalho, a interface da comunicação acontece com a psicologia social sociológica, uma vez que se apoia nas representações sociais e nos processos identitários para

analisar a comunicação. De raízes europeias, a psicologia social desenvolveu-se nos Estados Unidos da América, a partir da migração de pesquisadores que fugiam das dificuldades surgidas com a eclosão da Segunda Guerra Mundial. Com a mudança de cenário, o campo de estudos “tira o foco do comportamento e traz para a discussão os processos mentais subjacentes” (SANTOS, 2005, p. 15). Surgem, assim, a perspectiva psicológica (focada no indivíduo) e a sociológica (focada nas relações sociais).

O conceito de identidade, por sua vez, permite interpretações mais individualistas ou mais sociais. O mesmo ocorre com a teoria das representações sociais, cuja origem remete a Durkheim e seu conceito de representações coletivas, sob a perspectiva sociológica. Posteriormente é revisto e ampliado pela psicologia social, em sua abordagem psicossociológica. No Brasil, o estudo das representações sociais viveu seu ápice durante os anos 2000, tanto na diversidade de campos de estudos que adotaram este referencial, quanto no aumento numérico dos trabalhos desenvolvidos (ALMEIDA, 2005, p. 121).

Wilbur Schramm, pesquisador considerado por muitos o “pai dos estudos de comunicação”, atribui a origem do campo a quatro pesquisadores da década de 1930: Kurt Lewin, Carl Hovland, Paul Lazarsfeld e Harold Lasswell (SCHRAMM, 1997, p. 3 e 4). Curiosamente, dois deles psicólogos. O fenômeno dos meios de comunicação de massa tem sido foco de estudo da psicologia social há muitos anos, inclusive com o desenvolvimento de importantes trabalhos, como os estudos de recepção e persuasão (PAVARINO, 2003, p. 9).

A diferença entre os estudos realizados [...] por ambas as disciplinas é que enquanto a psicologia social foca seus trabalhos na maneira como a percepção, o pensamento, a memória e a linguagem são utilizados para processar as informações, os comunicólogos buscavam compreender e apresentar uma nova perspectiva sobre os efeitos dos meios de comunicação de massa (Id., p. 75).

Dessa forma, além de investigar o impacto dos meios de comunicação de massa na sociedade, os estudos em comunicação buscam compreender como eles são organizados na dinâmica social e como suas mensagens são construídas.