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O que denominei de hipóteses na realidade são dois pressupostos considerados na resposta ao problema:

a) o conceito de gênero se revela na Marcha das Margaridas como sinônimo de mulheres

associada à afirmação sujeitos políticos.

Gênero surge no final dos anos 1980, como um conceito questionador da ordem patriarcal vigente. No contexto dos movimentos de mulheres rurais, este conceito alterou linguagens e práticas dando suporte às reivindicações de políticas públicas baseadas na existência de desigualdades entre mulheres e homens no campo. Ao mesmo tempo que o conceito de gênero ganhou força e legitimidade, no meio rural as trabalhadoras

continuaram adotando a categoria mulheres como estratégia para dar legitimidade a sua presença na cena política.

Apesar do gênero não se constituir enquanto idéia central nos discursos da MM, as ações desenvolvidas pelas mulheres trabalhadoras rurais são sombreados pelo gênero. Muitos estudos atribuem às mulheres trabalhadoras rurais o sinônimo resistência e força daí relacionar gênero a papéis fixos reitera um viés essencializador. Por ser um conceito polissêmico, gênero apresenta ambigüidades. Ora é apresentado como sinônimo de mulheres, ora aparece em substituição ao sexo. Isto quer dizer que a apropriação deste conceito pode significar perda de força e, no caso da MM deixa escapar a pluralidade e a diversidade das mulheres presentes nesta ação. Esta questão foi abordada por Marie – Victoire Louis, no artigo intitulado Diga-me o que é gênero?ao realizar um levantamento sobre o emprego deste conceito em pesquisas realizadas nas Ciências Sociais. A pesquisadora destaca que o uso demasiado deste conceito como perda de sua radicalidade, torna-o mecanismo para camuflar um sistema patriarcal, ainda presente na sociedade. A “elasticidade” deste conceito desmistifica a radicalidade esperada, resultando na perda do seu significado político. Deste modo, gênero não quer dizer mais nada (Louis, 2005). E retomar esta radicalidade é uma das possibilidades apresentadas pelos estudos feministas.

O poder na Marcha das Margaridas aparece como resultante de negociações e de conflitos permanentes relacionados à representação e participaçao política. Na perspectiva foucaultiana, o poder está sempre em disputa e se localiza dentro e fora da estrutura hierárquica. É, também, disperso, ao contrário do que se representa como um bem ou uma mercadoria daqueles que mandam e dominam sobre outros que não os detém. Para Foucault (1988), o poder é apresentado como relações vivenciadas em todas as instâncias da vida social, política e econômica.

Os estudos e teorias feministas que adotam a categoria gênero como instrumento de análise, conforme proposto por Scott (1992), problematizam a utilização da categoria identidade. Por isso, na análise sobre a Marcha das Margaridas, busquei apreender como a constituição da identidade de gênero como transformáveis e contraditórias, tratando-a como plurais e múltiplas (Louro, 1997).

b) se a diversidade e a pluralidade das mulheres trabalhadoras rurais estão encobertas por uma mesma identidade, isso significa que a Marcha das Margaridas é permeada pela diferença.

A percepção de vários elementos identitários (os étnicos, os sexuais, os de classe e o de gênero) que constituidores do sujeito mulheres trabalhadoras rurais, leva-as a pertencer a diferentes grupos. De acordo com Louro (1997), os sujeitos identificam-se social e historicamente como masculino ou feminino, significando que estes constroem suas identidades de gênero Louro (1997). Gênero e sexualidade são dimensões articuladas confundidas com as práticas sexuais, nas quais os sujeitos podem exercer sua sexualidade de diferentes formas. Assim, as identidades sexuais confundem-se com a própria sexualidade. Esses fatos são fundamentais para compreender a relação dinâmica entre identidades e diferenças na MM, porque são instáveis e passíveis de transformação.

Na MM, entendida como uma estratégia política, como são tratadas as diferenças? Inicialmente na constituição da identidade coletiva estão presentes os discursos, místicas, símbolos, músicas, cores, ao mesmo tempo em que a categoria mulheres demonstra força política e também perda de força, sobretudo, quando sedimentada a categoria mulher ao trabalho. Por exemplo, as categorias mulheres trabalhadoras rurais agricultoras familiares, acabam restringindo-as à função de produção e de reprodução, atrelando-as à família e à natureza. Estes adensamentos se contradizem com a busca do empoderamento, presentes nos discursos das trabalhadoras rurais.

As mulheres trabalhadoras rurais, ao afirmar a sua identidade de sujeito social e político, empreenderam diversas ações reivindicatórias que culminaram com a conquista de direitos e a implementação de políticas públicas. A sua inserção nas diversas lutas sociais do campo, nos sindicatos e na criação de movimentos autônomos possibilitaram o seu reconhecimento como sujeito político. Isto não quer dizer que elas se encontram em plena condição de cidadania, porque muitos dos direitos conquistados ainda estão restritos aos aspectos formais.

Inseridas nosnovos movimentos sociais em redes, as mulheres trabalhadoras rurais protagonizaram açõesestrategicamente organizadas num contexto mundial e se articularam para combater as ameaçadas provocadas pelo capitalismo e pelo agronegócio. Quais são as estratégias adotadas pelas mulheres trabalhadoras rurais para que as suas demandas específicas não fiquem diluídas no conjunto das reivindicações dos movimentos sociais?

Uma das características dos novos movimentos sociais é a atuação em redes, principalmente não presenciais. Inserida nesse contexto, como a MM se articula em tais redes, considerando que a grande maioria vive em locais sem acesso à infra-estrutura

básica de serviços?

A vinculação entre a Marcha das Margaridas e a Marcha Mundial de Mulheres desde o momento da constituição de ambas, demarcam dois aspectos significativos: o primeiro, por representar uma aliança entre mulheres rurais e urbanas; o segundo, pela relação de equivalência e de ideologia com o movimento feminista de caráter internacional, que ultrapassam as fronteiras geográficas e os limites presenciais e favorecem a articulação de temas. Tais temas materializam-se em bandeiras históricas dos movimentos feministas e, em geral, relacionam-se aos direitos sociais e políticos, às políticas públicas e ao corpo e sexualidade.