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As inovações do Estatuto da Criança e do Adolescente

1 CRITÉRIOS IDENTIFICADORES DO ABUSO SEXUAL INTRAFA-

2.3 As inovações do Estatuto da Criança e do Adolescente

A legislação pertinente aos direitos da criança e do adolescente, até a promulgação da Constituição de 1988 e do Estatuto da Criança e do Adolescente,

1 “Art. 2º - Os Estados Partes respeitarão os direitos enunciados na presente Convenção e assegurarão sua

aplicação a cada criança sujeita à sua jurisdição, sem distinção alguma, independentemente de raça, cor, sexo, idioma, crença, opinião política ou de outra índole, origem nacional, étnica ou social, posição econômica,

não levava em conta a proteção integral da criança como ser em desenvolvimento. De acordo com o Código de Menores de 1927, a criança e o adolescente eram taxados coma utilização de termos pejorativos, como “vadios” (que viviam nas ruas), “mendigos” (que pediam esmolas ou vendiam produtos nas ruas) e “libertinos” (os prostituídos).

O Estatuto da Criança e do Adolescente, de 13 de julho de 1990, regulamentou o art.227 da CF/88, procurando garantir os direitos fundamentais aos seus tutelados sem qualquer distinção de origem ou condição social. Com o advento do ECA, uma nova visão sobre a criança e o adolescente foi estabelecida, sendo, agora, sujeito de direitos, em especial condição de desenvolvimento e merecedores de proteção integral.

O ECA tutela a prevenção da ocorrência de ameaça ou concreta violação dos direitos da criança e do adolescente, responsabilizando pais, responsáveis legais, sociedade e Estado pela não observância destas garantias. A partir de então, o trato com a questão do abuso sexual doméstico deu nova dimensão ao processo judicial.

No Título I constam as disposições sobre a política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente, estabelecendo quais são eles, assim como os deveres da família, da sociedade e do Estado e a proibição a qualquer forma de violação dos seus direitos fundamentais. Assim, de acordo com o artigo 3º do ECA:

deficiências físicas, nascimento ou qualquer outra condição da criança, de seus pais ou de seus representantes legais.”

A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

Estabelece também o ECA, a teor do art.5º, que nenhuma criança poderá ser alvo de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão ou qualquer tipo de violação aos seus direitos fundamentais.

O Título II determina quais as medidas de proteção a serem aplicadas sempre que os direitos da criança e do adolescente estabelecidos nesta lei forem ameaçados ou violados, seja por ação ou omissão da sociedade, Poder Público ou por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsáveis.

A violência sexual intrafamiliar deixa de ser apenas um crime contra a liberdade sexual para assumir a postura de atentado à vida, à saúde, ao respeito, dignidade e liberdade, à boa convivência familiar e ao desenvolvimento físico, moral, mental e sexual, ultrapassando os limites de poder e direito sobre a vítima. O legislador pretendeu, assegurando direito à liberdade às crianças e adolescentes, impedir que sofram constrangimentos de autoridades públicas, de terceiros ou de familiares, responsabilizando a negligência ou abuso no exercício do poder familiar.

Caso haja suspeita ou confirmação de maus-tratos (art.136, CP) contra crianças ou adolescentes, o fato será obrigatoriamente comunicado ao Conselho Tutelar da respectiva localidade na qual aconteceu o abuso, a teor do art.13 do

ECA, sem prejuízo de outras providências, como o registro em delegacia de Boletim de Ocorrência.

É vedado, ainda, qualquer tratamento desumano, violento, vexatório, aterrorizante ou constrangedor contra a infância e juventude. A transgressão a este preceito torna-se ainda mais grave quando cometido no seio da família, pois deveria ser esta instituição quem deveria colocá-los a salvo de qualquer forma de violação aos seus direitos fundamentais. Sempre que um pai abusa de sua autoridade para estimular precocemente a sexualidade da criança, com erotização do afeto e deturpação das relações familiares, é configurado a violação dos arts. 17 e 18 do ECA.

No Título IV, estão determinadas as medidas aplicáveis aos pais ou responsáveis, como por exemplo, o encaminhamento a tratamento psicológico ou psiquiátrico – extremamente necessário em casos de abuso sexual incestuoso – a perda da guarda, a destituição da tutela ou suspensão ou destituição do poder familiar.

Consoante o art. 130, há a possibilidade jurídica do afastamento cautelar do agressor da moradia comum em casos de abuso sexual contra crianças e adolescentes.Veja-se:

Art. 130. Verificada a hipótese de maus-tratos, opressão ou abuso sexual impostos pelos pais ou responsável, a autoridade judiciária poderá determinar, como medida cautelar, o afastamento do agressor da moradia comum.

Esse afastamento poderá ter maior resultado se determinado pela justiça criminal, pois é comum que o agressor tente reaproximação utilizando-se

de gestos gentis e de pressão psicológica e social sobre todos os membros da família, que passam a achar que pode ter havido mudança de comportamento.

O Título V do ECA dispõe sobre a competência da Justiça da Infância e da Juventude, para conhecer de pedidos de guarda e tutela e ações de destituição do pátrio poder1 nas hipóteses de ação ou omissão da sociedade ou Estado ou por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsáveis.

O Título VII dispõe sobre os crimes praticados contra a criança e o adolescente, em harmonia com as disposições do Código Penal. De acordo como art. 227, tais crimes são de ação penal pública incondicionada, não sendo necessária a apresentação de queixa.

Mesmo com o reconhecimento de que a legislação brasileira é uma das melhores do mundo, é importante que se saiba que o respeito concreto aos direitos da infância e adolescência ainda é algo a ser conquistado, principalmente em casos de abuso sexual incestuoso, que são envoltos no manto do silêncio. Não se pode confundir a Lei com a sua execução. Esta depende da consciência da família, da sociedade e do Estado de que são as crianças e adolescentes seres em desenvolvimento que merecem especial atenção, da destinação certa para os recursos e de gente competente para o trato com estes meninos e meninas.

É notório que o Estatuto da Criança e do Adolescente ainda é muito tímido em relação da violência sexual doméstica, pois muitas das pessoas responsáveis pela defesa dos direitos da criança e do adolescente, especialmente

1 Hoje denominado poder familiar, na medida em que é exercido em condições de igualdade pelo pai, mãe ou

os profissionais do direito, não levam em consideração elementos que constituem o conceito de infância e adolescência trazido pelo ECA, que os reconhece plenamente como sujeitos de direitos merecedores de proteção integral.

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