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Capítulo 5: As questões metodológicas

5.6. As limitações metodológicas

Várias são as limitações metodológicas que se colocam ao estudo por nós desenvolvido. Por razões relacionadas com a exposição de ideias, vamos organizar estas limitações em três domínios: o primeiro tem a ver com o facto de termos desenvolvido uma investigação que se insere no âmbito de um paradigma qualitativo; o segundo tem a ver com a metodologia adotada, o estudo de caso; o terceiro tem a ver com as técnicas de recolha de dados que utilizámos, a saber, a entrevista semiestruturada, a observação e a análise documental. Começamos pelas limitações associadas ao paradigma qualitativo de investigação.

Será legítimo afirmar que uma investigação qualitativa não possa ser considerada científica? Bogdan e Biklen (1999) a propósito da investigação qualitativa colocam esta mesma questão. Consideram estes autores que os estudos qualitativos não podem ser considerados “ensaios impressionistas elaborados após uma visita rápida a determinado local ou após algumas conversas com uns quantos sujeitos” (1999, p. 67). O investigador qualitativo, tal como o investigador quantitativo, é animado pelo mesmo desejo de rigor e de objetividade no estudo que está a desenvolver. Conscientes de que trabalham com estados subjetivos, os investigadores passam “uma quantidade de tempo considerável no mundo empírico recolhendo laboriosamente e revendo grandes quantidades de dados” (1999, p. 67), uma vez que o seu objetivo principal é “o de construir conhecimento e não o de dar opiniões sobre determinado contexto” (1999, p. 67).

Neste contexto estamos conscientes de que: i) o estudo que desenvolvemos foi realizado, em grande parte, a partir de sujeitos e por esta razão há problemas que decorrem da subjetividade do discurso produzido; ii) o estudo, conferindo um estatuto epistemológico à subjetividade, coloca o problema da validação externa das representações dos sujeitos. De modo a ultrapassar esta limitação, desenvolvemos uma investigação atenta e procurámos que a maior quantidade possível de informação estivesse disponível de modo a poder ser invocada aquando do acompanhamento do processo de interpretação e discussão dos dados. O facto de termos trabalhado com uma amostra de 10 sujeitos distribuídos pelas duas organizações escolares possibilitou a existência de uma pluralidade de vozes, de vivências e de experiências que, mantendo entre si alguns pontos de contacto, diferiam nos discursos produzidos. Estava assim

aberto o caminho para um diálogo permanente entre os dados recolhidos a respeito de cada um dos sujeitos, espécie de “triangulação” ao jeito de uma investigação quantitativa. Procurámos ainda aproximar a voz que conta da voz que interpreta (Arnaus, 1995). Por esta razão, na construção do texto em que damos conta da investigação realizada, optámos pela transcrição de extratos das entrevistas. Por último, adotámos, enquanto investigadores, uma atitude de transparência na apresentação do estudo, clarificando todos os procedimentos adotados.

Passamos, agora, aos problemas relacionados com a metodologia de investigação pela qual optámos e que é o estudo de caso. Oportunamente referimos que o estudo de caso tem vindo a revelar-se uma metodologia à qual os investigadores, provenientes de várias áreas do saber, têm recorrido de um modo cada vez mais frequente, como nos é ilustrado por Flyvbjerg.

Case studies have been around as long as recorded history and today they account for a large proportion of books and articles in psychology, anthropology, sociology, history, political science, education, economics, management, biology, and medical science. For instance, in recent years roughly alf of all articles in top political science journals have used case studies, according to Alexander George and Andrew Bennet (2005, pp.4-5). Much of what we know about the empirical world has been produced by case study research, and many of the most treasured classics in each discipline are case studies. (2011, p. 302).

Contudo, e como referem Meirinhos e Osório (2010), acreditar no potencial da metodologia não equivale a ignorar as críticas que lhe são feitas, enquanto Flyvbjerg (2011) fala do paradoxo que é o de sermos confrontados com uma metodologia que é responsável por grande parte da produção académica existente, mas que “… is generally held in low regard, or is simply ignored within the academy” (2011, p. 302). Com efeito, a crítica mais frequente e incisiva que é feita ao estudo de caso tem a ver com a sua insuficiência, precisão, objetividade e rigor (Yin,1994), que decorrem do facto de ser uma metodologia que se circunscreve ao estudo de um único caso, colocando problemas como o da validade externa ou generalização, a fiabilidade e o rigor ou validade interna.

O problema da generalização, de acordo com Punch (1998) é um falso problema dado que o que caracteriza o estudo de caso é o carácter único, singular, do seu objeto de estudo. Por isso, e como referem Coutinho e Chaves (2002) “… o estudo de caso está justificado à partida seja pela unicidade, pelo seu carácter extremo, ou ainda pelo facto de ser irrepetível” (2002, p. 231). Por outro lado, e como refere Yin (1994), há estudos de caso que são desenvolvidos sem qualquer intenção de extrapolar os resultados

obtidos a outras situações. Para além do acabado de referir há que ter em conta que ao termo generalização podem ser atribuídos outros sentidos que não aquele que é habitualmente usado no domínio da investigação quantitativa. Assim, podemos ter a generalização da amostra para a população, a generalização teórica, relacionada com a teoria, e a transferência de caso (Firestone,1993, citado em Punch, 1998). De acordo com Coutinho e Chaves (2002) a generalização própria do estudo de caso é a generalização teórica.

O carácter único, singular, que o caso assume reflete-se, ainda, no problema da fiabilidade17 e validade interna dos resultados obtidos através da metodologia do estudo de caso.

Em relação ao problema da fiabilidade, e como refere Yin (1994), o “caso” em si não pode ser replicado ou reconstruído, não obstante, e segundo o mesmo autor, de modo a conferir qualidade científica ao seu estudo o investigador deve “… to make as many steps as operational as posssible and to conduct research as if someone were always looking over your shoulder” (1994, p. 37). O problema da validade interna está associado ao papel ativo que o investigador é chamado a representar na interpretação dos dados e que poderá pôr em causa a objetividade dos resultados. De acordo com Stake (1995), o problema da validade interna implícito no estudo de caso pode ser resolvido através do recurso à triangulação.

Estando conscientes dos limites metodológicos que acabámos de apresentar, resta-nos acrescentar que, na realização do trabalho procurámos seguir as orientações propostas de modo a minimizar as dificuldades que possam decorrer da nossa opção metodológica. Assim, para além de estarmos conscientes de que os resultados que obtivemos não podem ser generalizados, no sentido habitual que se atribui a este termo, tivemos já a oportunidade de referir que não foi essa a nossa intenção ao realizarmos o trabalho. O nosso objetivo é compreender um problema mais vasto e, por esta razão, enquadrámos o nosso estudo no âmbito de um estudo de caso de carácter instrumental (Stake, 1995) ou, na tipologia de Yin (1993), de carácter explanatório. Quanto ao problema da fiabilidade, seguimos as orientações de Yin (1994) e, por esta razão, fizemos anteriormente uma descrição detalhada dos procedimentos que realizámos. Por

17 No nosso trabalho entendemos a fiabilidade como a possibilidade de diferentes investigadores, utilizando os

mesmos instrumentos, poderem chegar a resultados idênticos sobre o mesmo fenómeno (Schofield, 1993; Yin, 1994; Mertens, 1998).

último, de forma a ultrapassar o problema da validade interna dos resultados, recorremos à triangulação das fontes de dados.

Passámos, agora, à análise das limitações relacionadas com as técnicas de recolha de dados. Lembramos que as técnicas que utilizámos foram a entrevista semiestruturada, a observação e a análise documental.

Em relação à entrevista vimos quais foram os procedimentos adotados, quer aquando da sua realização, quer aquando da sua transcrição. Seguimos, pois, Yin (1994). Contudo, estamos conscientes de que cada entrevista que obtivemos é o resultado da “voz” que a transmite, no sentido em que é uma construção do sujeito e, enquanto tal, como refere Bruner “It is hard to imagine being a naïve realist about ‘life itsel” (1987, p. 693), o que torna problemática a relação entre a entrevista e a realidade. Tal significa que, na construção do conhecimento que decorre da análise das entrevistas, há que ter presente a impossibilidade de o reduzir a leis e a proposições lógicas, habituais no domínio da investigação científica tradicional (Carter, 1993). O recurso a entrevistas, ainda que no nosso caso tenham sido entrevistas semiestruturadas, coloca ainda limitações de ordem ética relacionadas com a relação entre o entrevistado e o entrevistador que não queremos escamotear. Seguindo Josselon (2007) procurámos assumir uma atitude ética orientada pelos princípios como o de obter o consentimento do participante, garantir a confidencialidade do material recolhido e proteger os participantes de qualquer mal que possa decorrer do facto de terem participado na investigação. Para além das limitações relacionadas com o entrevistado importa fazer uma referência às que estão relacionadas com o investigador e que se prendem com a interpretação dos dados recolhidos. Para ajudar a colmatar este efeito, mais uma vez seguimos Yin (1994) e procurámos apresentar todos os procedimentos adotados.

Parte III

Introdução

Nota também como, o que está longe, pela mente se torna [firmemente presente: pois não separarás o ser da sua continuidade com o ser; nem dispersando-o por toda a parte segundo a ordem do mundo, nem reunindo-o. Parménides de Eleia, Da Natureza

Na viagem que estamos a realizar, este é o momento em que ouvimos as pessoas que nos propusemos visitar, tendo em vista a compreensão do nosso problema de investigação. Mas, não se trata apenas de as ouvir, mas de interpretar aquilo que através da sua voz chegou até nós. Na realização de um processo de investigação, o momento de apresentação dos dados recolhidos é um momento em que o investigador dá aos dados uma forma. Os dados têm aqui o início de uma nova fase, aquela em que tem que se proceder à sua interpretação, “obrigando-os a falar” e descobrindo relações e implicações que serão posteriormente discutidas. É um trabalho do pensamento, através do qual, e como o extrato do poema em epígrafe refere, o que “está longe” e escondido “se torna firmemente presente”.

A parte que agora tem início está dividida em três capítulos. No primeiro capítulo procedemos à apresentação dos dados recolhidos a partir das técnicas usadas: entrevistas semiestruturadas, observação e análise documental. No que diz respeito às entrevistas optámos por fazer uma apresentação que tivesse como referência as categorias de análise. No segundo capítulo procedemos à discussão dos dados tendo como referência o processo de revisão de literatura e a triangulação das diferentes fontes mobilizadas. Esta discussão surge organizada em função das questões de investigação. No terceiro capítulo confrontamos as conclusões mais relevantes a que o processo de análise de dados nos conduziu, com o enquadramento teórico que fizemos.

Capítulo 6: Apresentação dos dados