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4 ANALISANDO E DISCUTINDO OS DADOS DA PESQUISA

4.3 AS LINGUAGENS ARTÍSTICAS E AS EXPRESSÕES DE SUBJETIVIDADES

De novembro de 2018 a março de 2019 realizamos observação de campo, acompanhando atividades, eventos e movimentos que ocorreram no campus Linhares do Ifes, buscando compreender as ações e as relações que se estabeleciam na instituição e compreender como os estudantes se apropriam das linguagens artísticas para expressar suas subjetividades no ambiente escolar.

Foram sistematizadas seis observações: uma aula sobre leitura de imagem na disciplina de Arte; uma visita técnica ao Instituto Terra em Aimorés – MG; duas ações culturais promovidas institucionalmente (evento Ifes Cultural e recepção aos estudantes no início do letivo); e duas ações do grêmio estudantil (oficina de cartazes e ato em protesto a um ano do assassinato de Marielle Franco e contra o feminicídio).

Verificou-se que os estudantes se envolviam nas propostas educativas, eventos e ações, promovidos institucionalmente pelo Ifes campus Linhares, pelo grêmio estudantil ou por eles próprios, de maneira voluntária como contribuição pessoal na concretização ou discussão de assuntos relacionados a suas causas e interesses. São percebidas como oportunidades para participar, comprometer-se, interagir, aprender, mostrar suas aptidões artísticas, sendo que os estudantes se motivam e participam ativamente.

Estas ações, que quase sempre acontecem extraclasse, diferenciam-se do que acontece em sala de aula. Percebemos por conversas informais, pela observação das expressões dos estudantes e pelo acompanhamento de suas redes sociais, que os estudantes associam o ensino no Ifes à dificuldade, cansaço, dureza, peso. E as ações que observamos há prazer, envolvimento, encontro, luta por seus interesses e bandeiras políticas, oportunidade e necessidade de se expressar e apresentar sua identidade.

Todas as ações extraclasse observadas traziam aspectos de aprendizagem e colaboraram, em nossa opinião, na formação dos envolvidos. O engajamento em

atividades com conotações sociais e políticas tem maior participação dos estudantes do curso técnico de Administração e do grêmio, atingindo ainda os de Automação Industrial, professores e demais servidores, porém com menor adesão.

As ações que observamos no campus produzem ambientes livres, festivos e de respeito ao outro, sendo espaços de abertura para a iniciativa, principalmente dos estudantes, como verdadeiros atores dos processos educativos. São ambientes acolhedores, criados pelos próprios envolvidos ou pela instituição (aproveitando segurança, estrutura física, apoio de docentes) onde se verifica interação social, demonstrações de carinho, amor e acolhimento, relacionados ao reconhecimento de questões de gênero, identidade sexual, afirmação contra o racismo, etc.

Observamos que há uma ocupação dos espaços, nem sempre cedidos oficialmente, por parte dos estudantes na concretização de suas ações. Concluímos que os próprios estudantes já sabem como proceder nessas situações e se apropriam do espaço da instituição como seu, ressignificando-o a partir das relações, dos interesses e do uso que fazem dele.

Essa constatação se identifica com Dayrell (1996) quando discute o espaço escolar como lugar praticado, pois os estudantes,

[...] se apropriam dos espaços, que a rigor não lhes pertencem, recriando neles novos sentidos e suas próprias formas de sociabilidade. [...] É a própria força transformadora do uso efetivo sobre a imposição restritiva dos regulamentos. Fica evidente que essa re-significação do espaço, levada a efeito pelos alunos, expressa sua compreensão da escola e das relações, com ênfase na valorização da dimensão do encontro (DAYRELL, 1996, p. 147).

E essa discussão não pode ser alheia à educação, pois, precisamos ficar atentos à forma como os sujeitos ocupam o espaço da escola, tecem relações e estabelecem encontros, ampliando nossa compreensão da escola como espaço sociocultural, polissêmico (DAYRELL, 1996).

Nas observações de campo, identificamos que as linguagens artísticas mais presentes na instituição eram artes visuais e música. Atividades relacionadas a

leitura de imagens, produção de materiais visuais, decoração dos eventos, registros visuais do aprendizado em desenho, fotografia e apresentações de música, que ocorrem tanto formalmente quanto informalmente. Destaca nessas ações, a intensidade de selfies que os estudantes realizam e as postagens instantâneas que repercutem nas redes sociais.

A moda é outra linguagem importante desses movimentos. Estamos acostumados com os estudantes uniformizados na instituição, mas quando podem e a ocasião proporciona, os estudantes mostram elementos de identificação nas roupas que usam. Verificamos por exemplo, que em alguns dos eventos e ações citadas, a maioria dos estudantes se vestia por temáticas ou por adesão a um estilo musical ou coletivo de luta. A roupa, desta forma, serve de marca de identidade e afirmação dos jovens, assinalando concretamente uma cultura juvenil.

O mundo da cultura aparece como um espaço privilegiado de práticas, representações, símbolos e rituais, no qual os jovens buscam demarcar uma identidade juvenil. Longe dos olhares dos pais, educadores ou patrões, mas sempre tendo-os como referência, os jovens constituem culturas juvenis que lhes dão uma identidade como jovens. Estas culturas, como expressões simbólicas da sua condição, manifestam-se na diversidade em que esta se constitui, ganhando visibilidade por meio dos mais diferentes estilos, que têm no corpo e seu visual uma das suas marcas distintivas. Jovens ostentam os seus corpos e, neles, as roupas, as tatuagens, os piercings, os brincos, dizendo da adesão a um determinado estilo, demarcando identidades individuais e coletivas, além de sinalizar um status social almejado. Ganha relevância também a ostentação dos aparelhos eletrônicos, principalmente o MP3 e o celular, cujo impacto no cotidiano juvenil precisa ser mais pesquisado (DAYRELL, 2007, p. 1110).

As manifestações artísticas que percebemos nessas ações, além do caráter utilitário e expressivo, espelham a imagem dos sujeitos envolvidos, que buscam nas representações visuais, nas músicas, nas roupas e nos gestos, levantar questões sobre identidade, gênero, cultura, justiça social e outros temas do interesse da juventude. São propostas que levantam questões sociais e políticas que se relacionam com as bandeiras de luta dos jovens, nas quais se destaca a ação do grêmio estudantil e dos coletivos presentes no campus, ColorIfes e FeminIfes.

Compreendemos cultura juvenil, especificamente na escola, como possibilidade de afirmação e de atuação da juventude. Através da cultura, os jovens, diversos em tantos aspectos e idênticos em outros tantos, demarcam sua identidade. A arte,

neste contexto, é veículo de manifestação das subjetividades e do compromisso político da juventude consigo mesma e com a sociedade.

Ainda diante da necessidade em compreender como os estudantes do campus Linhares do Ifes se apropriavam de linguagens artísticas para expressão de suas subjetividades, entre outros objetivos, propusemos a realização um grupo focal, composto por 10 estudantes (3 do sexo feminino e 7 do masculino) com idades de 15 e 16 anos, do turno vespertino, da primeira série do CTAII, do Ifes campus Linhares – ES, que não possuíam aproximações com o mundo do trabalho5. O

encontro foi realizado no dia 12/04/19 às 10h numa sala do campus e teve a duração de 1 hora e 15 minutos, utilizando-se entrevista com roteiro semiestruturado (Apêndice C). Entre os temas e questionamentos que propomos para debate no grupo focal, estava a percepção dos estudantes sobre a contribuição da arte para a vida, para a formação cidadã e profissional.

Os estudantes destacaram que a arte contribui como expressão e comunicação, quando afirmam em suas falas que “a arte desenvolve a comunicação e formas de

expressar, o que pode ser aplicado tanto na vida pessoal quanto no trabalho” (SGO)6 e na ampliação do conhecimento, como quando mencionam que “arte não é só

desenho e sim comunicação, conhecimento geral” (GFSM). É importante destacar o

fragmento “muda seu jeito de viver, seja estudando ou na vida pessoal” (GF) expressa por um dos participantes, o que pode caracterizar a relação pessoal que a arte tem com as subjetividades e questões de identidade. Outras falas indicam que a arte “[...] torna você mais aberto [...]” (GAB) e “desenvolvendo várias áreas do seu

conhecimento” (ESC) e que isso colabora na sua inserção no mundo, inclusive do

trabalho.

Propomos no grupo focal um debate a respeito dos conteúdos ou conhecimentos que se aprende na disciplina de Arte e que podem auxiliar no mundo do trabalho. A primeira percepção dos estudantes é que essa questão tinha relação com a anterior,

5 Esse perfil dos participantes do grupo focal foi identificado a partir das respostas obtidas na aplicação de questionário, onde constatamos que 92% não trabalhavam, nem faziam estágio (8% não responderam); e que só estudavam e iriam trabalhar somente após terminar o curso técnico ou o superior.

pois, “na minha cabeça, essa pergunta é a mesma que a de antes [...]” (SGO), devido a isso algumas falas repetem o que já tinha sido mencionado anteriormente.

Destaco, porém, a seguinte fala:

Você se torna mais aberto a aceitar outras opiniões porque na arte cada um tem seu ponto de vista, você tem que respeitar e aceitar [...] então isso ajuda no trabalho porque vai viver em grupo, o seu trabalho não vai ser único, então você tem que aprender a respeitar as opiniões alheias e concordar com o outro indivíduo (EVS).

Poderia ter ocorrido uma interferência do professor, no sentido que se pode discordar quando necessário e que isso não é desrespeito. Importante, contudo, que os estudantes expressaram e reconheceram, que essa abertura que a arte proporciona, pode se relacionar com o mundo do trabalho.

Esses apontamentos se relacionam ao que já apresentamos sobre os dados produzidos pela aplicação do questionário, citado no primeiro eixo de análise, que confirmam que para os estudantes a presença da arte é importante na escola e contribui para a vida, para a formação cidadã e profissional, apresentando quais habilidades e conhecimentos, desenvolvidas pela arte, os estudantes mencionam que mais colaboram no mundo do trabalho.

Afirmamos as ações que observamos em campo, descritas nessa análise, como parte integrante do currículo, senão oficialmente, aquele que é vivido e experimentado concretamente pelos envolvidos. Reconsideramos o que nos apontou o questionário aplicado aos estudantes, referenciado em parágrafos anteriores, onde se verificou que grande parte deles, avalia suficiente as opções de arte e cultura que ocorrem no campus Linhares e também as conversas que estabelecemos no grupo focal na discussão desses mesmos temas, como já mencionado.

Criticamos a concepção de apêndice cultural, que manifesta preconceito e desvalorização da arte e da cultura na escola. Essas ações não são promovidas para que os estudantes se distraiam ou fujam de sua rotina de estudo. São oportunidades ricas de aprendizagem e de crescimento, marcadas quase sempre, pela livre iniciativa dos próprios estudantes. Precisam, contudo, ser valorizadas,

integradas no currículo oficial, respeitadas institucionalmente, como compromisso de todos os responsáveis pelo processo educacional.

A realização dessas ações permitem aspectos de valorização da identidade, da subjetividade e da cultura juvenil na escola, porém não modificam, em essência, a importância que se quer conferir à arte e à cultura para a formação cidadã e profissional no âmbito da EPT. Permitem contudo, aberturas e reflexões que podem reorientar o currículo escolar.

4.4 A PERSPECTIVA DA CULTURA VISUAL E AS POSSIBILIDADES DE

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