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2. COMUNICAÇÃO PÚBLICA: NAVEGANDO NUM MAR ABERTO DE ÁGUAS

2.2 AS LINHAS INTERNACIONAIS SOBRE COMUNICAÇÃO PÚBLICA

Retomando a discussão sobre comunicação pública, olharemos agora para algumas das principais linhas estrangeiras que exercem grande influência nos estudos brasileiros, com destaque para os apontamentos do francês Pierre Zémor, o colombiano Juan Camilo Jaramillo López e o pensamento italiano de Paolo Mancini42. A concepção de Mancini adotada neste trabalho será a partir do olhar de Bucci (2015) e da pesquisadora Mariana Koçouski (2012).

Para entender melhor a base do que as pesquisas entendem atualmente por comunicação pública, recorremos à contextualização histórica proposta por McQuail (2012). De acordo com o britânico, as observações sobre o tema remontam da era medieval. Inicialmente ela se apresenta como uma comunicação hostil, unitária, onde prevalecia a supervalorização da verdadeira religião, do poder do príncipe e da ordem social da nobreza. O espaço público para circulação da comunicação era limitado ao indivíduo que, por sua vez, era visto com desprestígio pela Igreja, pelo Estado e pela classe dominante local. O nascimento da compreensão política dos conceitos de comunicação pública e de esfera

42 Embora se reconheça a importância das pesquisas em Comunicação Pública nas demais linhas estrangeiras,

optamos por trabalhar, nesta investigação, com a abordagem italiana de Paolo Mancini, latino-americana de Juan Camilo Jaramillo López, e a francesa, de Pierre Zémor, por identificar, sobretudo nesta última, grande influência nos estudos brasileiros.

pública, mais ou menos no que se apresenta na atualidade, aflorou em meados do século XVIII e durou até metade do século XIX.

O que há em comum nas pesquisas que abordam o tema é o esforço em conceber a comunicação pública como um processo comunicativo com fluxo de informações e de interação entre diferentes agentes: o Estado, o governo e atores sociais (sociedade civil, partidos, empresas, terceiro setor e cada cidadão). Ou seja, independente de quem a faz, o que a legitima é sua formação heterogênea movida pelo interesse coletivo para a construção da cidadania (BRANDÃO et al, 2007; MATOS, 1999, 2006, 2013; DUARTE, 2007; LÓPEZ, 2011). A abordagem francesa de Zémor, La Communication Publique (1995)43, dá conta de

que a comunicação pública se legitima pelo interesse geral que ultrapassa o domínio público, tomado pelo senso jurídico. Ao falar de interesse geral, Zémor convoca o Estado e as repartições públicas (dotada de seus poderes e missões) para o centro do seu pensamento conceitual. O diálogo é uma maneira de avaliação do serviço público e de colher impressões, propostas, medir o grau de satisfação, estratégias para melhoria etc.

Zémor pontua também que o interesse geral resulta de um compromisso de interesses entre os indivíduos e os grupos da sociedade e que culmine em um contrato social (constituído, por sua vez, de leis, regulamentos e jurisprudência). O interesse geral está sempre suscetível à controvérsia, bem como ao entendimento dos indivíduos ou ainda, das minorias frustradas por uma decisão pública.

O papel da comunicação pública é o de acompanhar a aplicação de normas e regras, o desenvolvimento de procedimentos e toda tomada de decisões públicas e assim, contribuir para a conservação dos laços sociais. As mensagens são, de início, emitidas, recebidas e tratadas nas instituições públicas “em nome do povo”.

A função da comunicação pública, portanto é indissociável do exercício de direitos do cidadão, sob o olhar do cidadão, que por ela deve ser ouvido. As informações são de domínio público, o que assegura o interesse geral e garante a transparência do processo. Esses fatores, segundo Zémor, colocam a comunicação pública num lugar de destaque na vida do usuário com relação aos papéis de regulação (funcionamento e manutenção de um sistema complexo que constitui um país moderno), de proteção (dos bens e das pessoas, com relação à

43 As ideias de Zémor apresentadas neste trabalho se baseiam na tradução resumida da obra do autor no Brasil

recomendação, prevenção ou repressão, seja social ou à saúde) e de antecipação do serviço público (amparadas, geralmente, em pesquisas e devem assumir riscos da coletividade, que os atores privados, naturalmente, não poderiam assumir).

Tendo as instituições públicas finalidades que não podem ser dissociadas da comunicação pública, as funções (grifo do autor) das instituições correspondem, obrigatoriamente: a) informar (transmitir o conhecimento, valorizar, prestar contas); b) ouvir o cidadão (saber das demandas, das expectativas, dos questionamentos e da participação para o debate público. Ouvir o cidadão significa, para o Estado ou instituições públicas, estabelecer uma relação de troca, levar em consideração o conteúdo preciso do problema que apresentado e ter a capacidade de dar um retorno não estereotipado ao usuário); c) contribuir de modo a manter a relação social (instituir o sentimento de pertencimento do coletivo de modo a motivar a consciência do cidadão enquanto ator); d) acompanhar as mudanças no comportamento tanto dos cidadãos quanto das organizações sociais.

Conforme pontua Brandão, Zémor entende que esta é uma comunicação que está em toda parte e sua característica é a troca e a partilha de informações de utilidade pública ou de compromisso de interesses gerais para o cidadão. Uma vez que esta comunicação se baseia na legitimidade de seu receptor, se torna uma Comunicação Verdadeira, autêntica, praticada nos dois sentidos tendo o cidadão ativo como foco.

Brandão aponta que a obra de Zémor (1995) alerta que é preciso distinguir, em meio a abrangência da atual comunicação, uma Comunicação Pública que não pode esperar muito das estratégias praticadas pelo marketing dos produtos de consumo ou da comunicação de empresas concorrentes de mercado, na medida em que o indivíduo participante de uma democracia e que, ao mesmo tempo é usuário e decisor dos serviços públicos, não consegue se saciar com as práticas inadequadas de informação ou com comandos. Ao contrário, espera- se que a prática da Comunicação Pública, possa alimentar o conhecimento cívico (ou informação cívica, que é uma categoria da Comunicação Pública), favorecer a ação pública e garantir o debate público.

Outro autor que estuda o campo da Comunicação Pública e tem grande influência no Brasil é Juan Camilo Jaramillo López. A proposta de López (2011) é de que a comunicação pública está ancorada no conceito de advocacy: a mobilização social, a participação de diferentes atores da sociedade civil junto com os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário,

com a possibilidade de influir nas decisões políticas em diferentes níveis em prol da construção de uma democracia justa e representativa para o bem comum. Para López, a comunicação pública é um processo com princípios democráticos, de participação coletiva e só tem validade porque é amparada no interesse público. Com a divulgação da mídia, a mobilização social (na prática do advocacy) ajudaria a discutir mudanças para toda sociedade nos temas de interesse público como saúde, meio ambiente, direitos humanos, crianças e adolescentes, educação, direito do consumidor, trabalho, entre outros.

De acordo com o colombiano, a comunicação pública assume caráter público e

advocacy quando atende duas condições. A primeira exige que a comunicação pública resulte

da interação de sujeitos coletivos, ainda que representados coletivamente ou por meio de indivíduos, mas que esteja referida à construção do público. A segunda se caracteriza pela mobilização social no campo em que ela, a comunicação pública, se esforça para harmonizar e atender propostas que atendam uma pluralidade de pessoas com interesses em comum, sem menosprezar a diferença de seus requerentes.

Nas palavras de López, advocacy

Trata-se de uma estratégia de convocatória e de construção de propósitos comuns, com objetivo de produzir significado e sentido compartilhado dos assuntos de interesse público. [...] por meio da advocacia a sociedade se mobiliza para intervir na tomada de decisões que beneficiem grupos sociais ou, inclusive, para convocações com o objetivo de ressarcir, solidariamente, alguém que tenha sido afetado por um evento catastrófico ou sofra em razão de alguma vulnerabilidade como ator social. Este representa ou simboliza, aqui, um grupo (por exemplo, uma vítima de perseguição, intolerância ou fundamentalismo), não se realizando, no caso, a advocacia para resolver problemas gerados ou ocorridos na esfera do interesse privado ou particular. (LÓPEZ, 2011, p. 52)

Entendida desta forma, o autor admite que a comunicação pública aconteça dentro da esfera pública habermasina, deixando clara a diferença que propõe entre os processos comunicativos interpessoais construídos pelo indivíduo a partir de sentidos, de seus interesses particulares e de sua subjetividade, dos que são formados no âmbito público.

O autor também não nega que comunicação pública possa operar em diferentes cenários, como: política (relacionada com a construção de bens políticos e propostas políticas. Embora chamada de ‘comunicação política’, está diretamente relacionada ao marco mais amplo de comunicação pública); midiática (ocorre nos veículos de comunicação. Desencadeiam processos culturais de entretenimento, mas, sobretudo está orientada para gerir informação e criar uma agenda pública. São propostas de comunicação pública no campo

midiático o jornalismo de advocacia, o jornalismo público e o jornalismo cívico); estatal (tida como o principal conceito de comunicação pública, acontece com as interações comunicativas entre governo e sociedade); organizacional (ela acontece na esfera pública particular de empresas privadas, mas é considerada pública porque trata de temas de interesse público); vida social (interações comunicativas, espontâneas ou não, praticadas por movimentos, organizações ou grupos sociais que tratam do interesse público e coletivo). (LÓPEZ, 2011, p. 65-66).

A ideia de comunicação pública, na argumentação do sociólogo italiano Paolo Mancini, remete às sociedades complexas, pois nelas a informação é um direito de cidadania. O italiano parte da concepção da teoria moderna de democracia, entendendo que a informação é um direito indubitável da cidadania. Uma vez que todo poder provém do povo e é exercido em nome dele, é indiscutível que a informação pertença ao cidadão. Munido de informações necessárias, o indivíduo poderá delegar e fiscalizar o poder da melhor forma possível.

Conforme aponta Koçouski (2012, p. 75), Mancini apresenta suas argumentações à luz de um viés contemporâneo do sistema histórico medieval44. Esse processo teve início com a luta do acesso aos assuntos relacionados ao Parlamento “tendo a Inglaterra por precursora, assim como pela reivindicação da liberdade de imprensa e da formulação de um espaço de opinião pública independente (esfera pública)”.

Tanto Kocouski quanto Bucci observam que a comunicação pública, para Mancini, é fundamentada em três dimensões, que atuam simultaneamente e de forma sinérgica, a saber: a) promotores ou emissores; b) finalidade; c) objetivo (grifo nosso). Com relação à primeira, enquadram-se como promotores ou emissores as organizações públicas (que compreendem todas aquelas que, direta ou indiretamente, dependem do Estado); privadas (que representam a livre vontade de organização dos indivíduos para atuação política ou culturalmente); semipúblicas (estão situadas entre o Estado e o cidadão e operam como mediadoras das iniciativas e da participação política dos indivíduos)45.

Sobre a concepção de finalidade, o italiano prescreve que a comunicação pública não

44 Na era medieval o “espaço público” (ou esfera pública) disponível para uma comunicação com o público era,

na verdade, um espaço limitado, controlado e supervisionado pelo poder da Igreja, do Estado, da classe dominante e da comunidade local. À época, as restrições à comunicação eram postas ao indivíduo com o objetivo de zelar por um bem maior: a religião, a soberania do príncipe, privilegiar a nobreza e a ordem na comunidade. A história da comunicação pública se funde, em parte, com a consolidação da história do espaço público. (McQUAIL, 2012, p.20)

deve se voltar a nenhum tipo de benefício econômico imediato. Mancini refuta o caráter da comunicação pública como aquela voltada ao lucro. Inclui-se neste quesito a venda de produtos e troca com finalidades comerciais46.

Por fim, a última dimensão que trata do objetivo, Mancini entende que a comunicação pública é aquela que se relaciona com os public affairs (que em tradução livre quer dizer assuntos públicos). Tomado de maneira genérica e abrangente, o termo diz “respeito à comunidade em sua totalidade e incide sobre as interações entre os diversos subsistemas sociais daquela comunidade e, mais adiante, também sobre as esferas privadas”47.

2.3 AS MUITAS POSSIBILIDADES DE SE ENTENDER A COMUNICAÇÃO PÚBLICA