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No relato abaixo, feito por uma aluna, dá claramente para perceber que existem várias manifestações de violência nas aulas de educação física:

É uma situação que me desagradou – é [...] quando o professor fala muito e a gente fica assim meio boba, dentro da quadra, com aquela vergonha, todo mundo olhando. Todo mundo fala, né, na quadra, fica olhando ele falando com a gente, que não é assim, assim. Aí, ele manda a gente repetir aquilo sozinha bem no meio da quadra. A gente fica com aquele nervoso todo, dá uma tremedeira. Aí a gente faz errado, ele briga, fala, ele grita com a gente, olha pra gente sério com aquela cara, sabe né? A gente fica com medo, mas a gente entende isso, porque ele quer que a gente aprenda

mais, se ele passasse a mão por cima de tudo que nós fizermos de errado na quadra, né, não ia adiantar nada. Hoje a gente não tava no que a gente tá. Por causa dele a gente aprendeu muita coisa, apesar dos esporros, às vezes, assim a gente desagrada um pouquinho com ele por que ninguém é de ferro também. (GUIMARÃES,1994,p.1).

A partir de referências utilizadas por Brito (1997), do estudo de Anderson & Kennedy, observou-se que as manifestações de violência física nas aulas de educação física representaram em torno de 83% dos incidentes, enquanto as manifestações verbais se limitaram a 17%. A autora ainda cita o estudo de Piéron & Emonts, no qual, observando 36 aulas de educação física, eles seguiram um esquema de coleta de incidentes críticos e registraram 323 incidentes, obtendo a média de incidentes em cada três ou quatro minutos.

André Guimarães (1994) diz que “sendo a aula de educação física um espaço de conflitos, muitas das intervenções do professor, ao invés de gerarem uma prática educativa, geravam mecanismos de repressão e violência simbólica”. Essa observação provoca um forte incômodo devido à contradição estabelecida: possuir valores democráticos e produzir ações repressivas e geradoras de violência simbólica. Áurea Guimarães (1996) acrescenta: “Até aqui pude observar um movimento de vaivém entre ordem e desordem, ao lado das filas, do Hino Nacional, da padronização de algumas atividades e de posturas rígidas, nas brincadeiras, nos roubos, nas pichações, nos confrontos entre alunos e professores”.

A quantidade de salas numerosas e às vezes com grandes diferenças de idade entre os alunos é outro tipo de violência, tanto para os alunos como para os professores. Nas aulas de educação física, a escassez de material e alunos com diferentes faixas etárias podem prejudicar o objetivo pretendido pelo professor. Como dar aula para 40, 45 alunos, somente com uma bola (ou nenhuma)? Como colocar um aluno de 15 ou 16 anos jogando com um aluno de 11 anos? Os alunos maiores podem atrapalhar, machucar ou intimidar os alunos menores.

André Guimarães (1994) observa que as condições oferecidas aos professores e alunos deixam a desejar, afirmando que:

O espaço físico é inadequado, pois além das quadras não terem marcação adequada, poste e tabelas em perfeito estado, falta material esportivo para que o professor promova a sua aula a contento, como também as vezes tem de dividir o espaço com outra(s) turma(s); quando a aula ocorre no mesmo horário das outras disciplinas, a falta de um vestiário adequado força os alunos a voltarem suados e algumas vezes sujos para a sala de aula ( p. 35).

Acrescentam-se a estes fatores o descontentamento dos professores com o baixo salário, bem como o cansaço do deslocamento de um professor para cumprir uma jornada de 40 ou 60 horas semanais, nem sempre na mesma unidade de ensino. Apesar de não acreditar que este seja um fator preponderante, ele serve, no entanto, para explicar porque um professor cansado, estressado, preocupado com dinheiro, não consegue dar uma boa aula. Esse contexto de um quadro crônico deficitário, apesar do seu conhecimento pelas autoridades competentes, tem-se mantido e consegue atrapalhar a formação educacional dos alunos, à medida que a falta de condições reais dificulta a obtenção de uma educação de qualidade. A omissão das autoridades competentes não dá as mesmas condições ao aluno da escola pública de se equiparar ao da escola particular, o que não deveria ocorrer. André Guimarães(1994) conclui que esses elementos, acima descritos, acabam levando o docente para uma realidade totalmente diferente do que ele imaginou ideal para o seu trabalho; as suas percepções, crenças, valores e mitos são afetados por um contexto histórico-cultural autoritário e permeado de mecanismos de violência simbólica. Ele se refere a Meksenas, que acrescenta que uma sociedade com tais distorções, organizada a partir da exploração de uma classe por outra, é necessariamente uma sociedade de violência.

Corroborando este descaso tanto para o professor como para os alunos, Áurea Guimarães (1996) vai além quando observa que “nas aulas de educação física e educação artística, o professor não tem material para trabalhar com os alunos, então dá atividades descoordenadas, não havendo ligação entre as aulas, o que dispersa ainda mais as crianças”. Ela faz o seguinte relato:

Voltemos para a aula de educação física. O professor batia a corda para as meninas, falava aos garotos para jogarem uma bola, mas não jogava com eles e nem os orientava. Quanto às meninas, pediu a elas que cantassem músicas da Xuxa. Elas formaram um grupinho e simularam um show. O professor encostou-se numa parede e ficou observando (p. 67).

Além dessas demonstrações de violência, apresentam-se ainda alunos drogados e marginais em volta da escola, ou mesmo dividindo a quadra com os alunos. Dias (1996) relata a seguinte convivência:

Não havia entre eles nenhum tipo de acordo, harmonia, disciplina, nem avaliação do grupo ao final da prática dos jogos já conhecidos. Durante estes jogos, mais parecia que os grupos se defrontavam, duelando-se entre si, como numa luta de vida ou morte. Estes pareciam criar suas próprias regras, por meio de socos, empurrões, pontapés, palavrões, discussões e brigas. Só a vitória lhes interessava. Perder era visto pelo grupo como sinônimo de incompetência e motivo de gozações e de mais brigas entre eles (p. 95).

Ela finaliza resumindo que “havia líderes que correspondiam aos mais fortes e mais velhos do grupo. Estes líderes eram os incentivadores dos tumultos e, muitas vezes, estavam eles próprios por trás das brigas ou confusões iniciadas durante as atividades de educação física”.

Essas confusões, às vezes, vão além dos limites da escola, e podem se desdobrar em enfrentamentos violentos. Segundo Abramovay e Rua (2002), existem confrontos entre estudantes de diferentes escolas e de distintos bairros, freqüentemente estimulados por disputas esportivas, principalmente, quando se trata de partidas de futebol.

O professor pode incentivar a rivalidade e a competição entre os alunos para melhorar o aprendizado, mas jamais deveria permitir que discutissem de forma destrutiva. A discussão acalorada pode ser educativa, desde que a possibilidade de aprendizagem supere a de destruição. Para tanto, o professor deixará bem claros os limites e as regras da competição, e cuidará para que sejam respeitados, como sugere Tiba (1996).

É o exemplo claro do que ocorre com alguns eventos que podem estimular à violência, como o futebol, o que sugere uma reflexão sobre a mudança do seu significado: o jogo mal-interpretado pode perder a qualidade de espaço de uma competição saudável, de solidariedade e de companheirismo, confraternização, troca de experiências.

Guimarães (1994) usa como exemplo de violência simbólica a questão da elitização que ocorre quando os professores dão mais atenção aos alunos que praticam melhor a atividade que ele está ensinando. Isso gera um desprestígio nos alunos menos favorecidos pela sua própria natureza e realidade cultural. O elitismo funciona como uma prática de violência simbólica que está presente na sociedade, e que o professor acaba por privilegiar, assim como o professor da linha mais tradicional, ou seja, o professor decide, o aluno cumpre; um fala, o outro ouve; um sabe, o outro não; um vale, o outro apenas deixa valer. Como também é uma outra forma de violência o professor omisso, que, quando não ajuda a resolver os conflitos estabelecidos no espaço de aula, sustenta a dominação e hegemonia dos mais fortes sobre os mais fracos; reproduz no âmbito escolar o arbitrário cultural; fortalece a formação do autoritarismo na personalidade do aluno; e acaba criando condições para que outros eventos autoritários (talvez mais graves) aconteçam no dia-a-dia escolar.

O elitismo e o autoritarismo geralmente ocorrem em situações do jogo propriamente dito, conforme observa Guimarães(1994): ‘o jogo é um conflito tão grande que necessita de uma arbitragem, e se você perder o sentido de equilíbrio entre os elementos desse conflito, cai na violência’. Ele deve ser trabalhado no sentido de união, de cooperação, de respeito ao adversário, aos seus companheiros de time e às autoridades, de amizade e tolerância, valores que, na opinião de Claeys (1986), são conseguidos por meio do fair play (jogo limpo; jogo ético).

Guimarães (1994) sugere que o jogo pode ser pedagogicamente trabalhado, buscando-se educar o indivíduo para formas de convívio social positivas; para a autonomia e a criatividade; para o senso crítico da análise e a construção das regras dos jogos; para o sentido de liberdade com disciplina, além de trabalhar também outros valores.

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