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A violência também se faz presente no ambiente escolar. Abramovay e Rua (2002) indicam que “ameaças e agressões de alunos contra professores, violência sexual entre alunos e alunas, uso de armas, consumo de drogas, roubos, furtos, assaltos e violência contra o patrimônio invadiram o espaço da escola”. Para ilustrar essa situação desagradável e mostrar o quadro de medo que está se apresentando nas escolas, Colombier, Mangel e Perdriault (1989) fazem observações pertinentes ao tema, como no trecho a seguir: “violência nas escolas [...] quem já não ouviu contar sobre as atribulações de certos professores seqüestrados, espancados ou violentados, as brigas com faca na hora do recreio, as extorsões, as drogas?”. Tal preocupação é compartilhada por Eloísa Guimarães (1998), quando ela afirma que, em algumas escolas, professores, diretores e funcionários vêem-se amiúde confrontados com a necessidade de responder a desafios e ameaças de alunos, quando não são submetidos a agressões físicas.

No Distrito Federal, o quadro também começa a se agravar. No domingo de 28 de outubro de 2001, o Jornal de Brasília, em reportagem de Torres, estampou na capa a seguinte manchete: “Alunos impõem medo nas escolas: professores que reprovam ou punem estudantes recebem ameaças de morte”.

Em todo o mundo ocidental moderno, a ocorrência de violência nas escolas não é um fenômeno recente. Em meados da década de 1950 já se apresentavam estudos sobre essa temática, o que, para Abramovay e Rua (2002), além de constituir importante objeto de reflexão, tornou-se, antes de tudo, um grave problema social, ademais, porque as escolas deixaram, de certa forma, de representar um local seguro e protegido para os alunos, e perderam também grande parte dos seus vínculos com a comunidade.

A tabela 4 mostra o índice de segurança nas escolas públicas e privadas, não sendo objeto de estudo o porquê da diferença entre ambas, e sim o fato de que nos dois contextos o nível de insegurança é grande.

TABELA 4 - Índice de segurança do ambiente escolar, por dependência administrativa das escolas em 2000: Escolas públicas Escolas privadas Total

Ambiente seguro 35 47 39

Ambiente inseguro 65 53 61

Total 100 100 100

Fonte: Pesquisa Nacional Violência, Aids e Drogas na Escola, UNESCO, 2001 – Abramovay e Rua.

Segundo afirma Fukui, citado por Abramovay e Rua (2002), as escolas constituem o segundo local de ocorrência de agressões, sendo que as vias públicas ocupam o primeiro lugar. São várias as situações de violência dentro da escola, e Vaz (1994) corrobora essa afirmação, classificando-as como segue:

TABELA 5 - Classificação das queixas de violência nas escolas municipais de São Paulo (%)

Ameaças 06

Consumo ou tráfico de drogas 14

Agressões 19

Depredações, furtos e invasões 61

Fonte: Secretária Municipal de Cultura, São Paulo, 1994 — Vaz (1994).

Professores de Curitiba mostram as atitudes, abaixo elencadas, observadas, principalmente, entre os próprios alunos.

TABELA 6 - Atos violentos na escola – Curitiba, 1998.

Tipos MUITAS VEZES ÀS VEZES NUNCA

Ameaças 4,5 42,5 51,8

Agressões físicas 3,8 59,5 36,3

Agressão sexual - 3,5 95,8

Agressão com arma - 8,0 92,0

Alunos portando arma 0,3 20,3 79,3

Depredações 11,8 45,3 42,3

Uso de drogas 12,0 46,3 41,3

Roubo 9,5 48,5 42,0

Fonte: Pesquisa feita pela Unesco em Curitiba em 1998 — Sallas e outros (1999).

A violência na escola tem identidade própria, ainda que se expresse mediante formas comuns, como a violência de fato – que fere, sangra e mata – ou como incivilidades, preconceitos, desconsiderações aos outros e à diversidade. Conforme Abramovay e Rua (2002), Charlot afirma que a violência escolar pode apresentar-se sob três níveis: a) violência: golpes, ferimentos, violência sexual, roubos, crimes, vandalismos; b) incivilidades: humilhações, palavras grosseiras, falta de respeito; c) violência simbólica ou institucional: compreendida como a falta de sentido de permanecer na escola por tantos anos; o ensino como desprazer, obrigação de matérias e conteúdos alheios aos próprios interesses, despreparo dos alunos para o mercado de trabalho, violência das relações de poder entre professores e alunos e, finalmente, a negação da identidade e satisfação profissional dos professores. Quanto ao item b, de acordo

com Rodrigues (2003), utilizando afirmação de Viscard, o desrespeito é o que mais caracteriza a violência em sala de aula. Abramovay e Rua também citam Sposito, que chama a atenção para que sejam incluídos como violência escolar casos de racismo ou de intolerância. No caso específico da violência simbólica, as autoras mencionam que Santos se refere a esse tipo de violência como: comportamentos repressivos por parte dos professores, em sala de aula; não dar aula; dar aula de qualidade discutível; exercer autoritarismo em relações interpessoais com os alunos; fazer ameaças.

Segundo Dupâquier, citado por Abramovay e Rua, as incivilidades contra pessoas podem tomar a forma de intimidação física(empurrões, escarros) e verbais(injúrias, xingamentos e ameaças).

O sociólogo francês Eric Debarbieux, em pesquisa sobre a violência nas escolas francesas, no período de 1967 – 1997, conforme Rodrigues (2003), definiu que as incivilidades são situações nas quais o ser humano demonstra

[...] atitudes de insulto, de grosserias diversas, empurrões, interpelações e humilhações. Elas ainda podem estar associadas a pequenos atos de delinqüência ou ainda, atos de violência simbólica e física, que por vezes, passam despercebidas na sala de aula, nos corredores, no intervalo, nas casas de seus familiares, na universidade, na igreja, etc.

Funk, citado por Abramovay e Rua (2002), identificou que uma série de fatores estão fortemente associados com a violência nas escolas:

a) entre os alunos: baixa auto-estima; falta de perspectivas em relação ao futuro e de percepção do lugar da escolaridade em sua vida profissional; alguns traços de personalidade; contexto familiar marcado pela falta de diálogo; violência doméstica; falta de interesse dos pais no desenvolvimento escolar dos jovens; desejo de se fazer aceitar no grupo de referência; e formas de representar e viver a masculinidade;

b) quanto às escolas: atmosfera de trabalho escolar ou qualidade de ensino medíocre; problemas nas relações entre professores e alunos; falta de ênfase em valores na educação ministrada; resultados escolares ruins – maior repetência entre os alunos que se envolvem em atos de violência;

c) exposição à mídia, a programas de violência;

d) tipo de comunidade e vizinhança e o grau de violência aí encontrado.

Mediante constatação feita por Abramovay e Rua (2002) alguns membros do corpo técnico-pedagógico das escolas afirmam que a indisciplina, a falta de respeito, a falta de responsabilidade e a falta de educação são os maiores problemas da escola, pois os alunos vêm de casa totalmente despreparados, dizendo que a indisciplina é causada pela falta de limites que hoje existe. A opinião é rechaçada pelos pais, que afirmam que esta indisciplina é resultante de aulas enfadonhas, com professores desqualificados, desinteressados em dar aula, bem como de programas escolares caducos.

Como se verifica, são vários os fatores que podem influenciar no surgimento da violência na escola. Conforme Debarbieux, citado por Abramovay e Rua (2002), a violência nas escolas estaria associada a três dimensões socioorganizacionais distintas. Em primeiro lugar, à degradação no ambiente escolar, isto é, à grande dificuldade de gestão das escolas, resultando em estruturas deficientes. Em segundo, a uma violência que se origina de fora para dentro das escolas, que as torna sitiadas, e manifesta-se por intermédio da penetração de gangues, do tráfico de drogas e da visibilidade crescente da exclusão social na comunidade escolar. Em terceiro, relaciona-se a um componente interno das escolas, específico de cada estabelecimento. Há escolas que historicamente têm-se mostrado violentas e outras que passam por situações de violência.

No estudo realizado por Abramovay e Rua (2002), constatou-se que 40% dos alunos entrevistados em Brasília mencionaram que foram testemunhas de ameaças, sendo que as maiores desavenças entre alunos e professores estão relacionadas a notas, pelo nível de exigência, e também pelas transgressões disciplinares cometidas em aula. Entre os alunos, são vários os tipos de violência: bate-boca, ameaças, desaforos, xingamentos, agressões verbais, ofensas, provocações. Esses tipos de violência são corriqueiros nas escolas, conforme constatou Áurea Guimarães (1996):

Em um dos recreios, observei um aluno corpulento que corria o tempo todo atrás dos colegas, batendo neles. Depois, percebi que era uma brincadeira, pois meninos e meninas também batiam nele que, como um touro ferido, distribuía socos em quem lhe havia dado as pancadas – isto do início ao fim do recreio e naquele espaço minúsculo. Quando tocou o sinal, todos formaram fila. Estavam exaustos, suados, mas pareciam felizes da vida ( p. 79).

O que pode ser concluído com esse exemplo é que, um episódio que parece violento para alguns, não o é para outros, e o professor deve ter capacidade para administrar o convívio dos jovens e sensibilidade para intervir, quando necessário.

Áurea Guimarães (1996) afirma que não se pode isentar a escola como se a violência estivesse somente do lado de fora, não querendo dizer que essas brigas sejam “brincadeiras inocentes”, mas, apontar os pais, a estrutura familiar, a estrutura econômica como responsáveis pela crueldade entre as crianças é um dos aspectos da questão. Com ela concorda Rodrigues (2003), quando observa que alguns atos violentos são vistos como atitudes inofensivas e, talvez, por serem consideradas inofensivas em nossa relação interpessoal, não damos a devida atenção para elas. Áurea Guimarães (1996) conclui que o outro aspecto diz respeito à violência que é gerada dentro da própria escola, não apenas porque ela é uma instituição homogeneizadora, controladora, que luta pela imposição do uno, mas também porque ela é a expressão de grupos em permanente conflito. A proposição é plenamente aceita por André Guimarães (1994), ao dizer que a escola é por excelência um mecanismo de reprodução cultural, na medida em que repousa em um arbitrário cultural, na visão de Bourdieu e Passeron.

Esses autores são citados por André Guimarães (1994) por destacar a dupla arbitrariedade da ação pedagógica. Por um lado a ação pedagógica é a imposição da cultura de um grupo ou classe e outros grupos ou classes, por meio de um poder arbitrário, mas um poder que tende a ser reconhecido como legítimo. Por outro lado, são os grupos ou classes dominantes que escolhem arbitrariamente as significações dignas de serem reproduzidas pela ação pedagógica, e essas significações ocorrem devido à seleção não somente daquilo que deve constar no conteúdo, mas também daquilo que foi propositalmente excluído. Colombier et al, citados por Guimarães (1994), fazem a seguinte observação:

Quando o professor experimenta essa ambigüidade do seu papel, ou seja, ele tem a função de estabelecer os limites da realidade, das obrigações, das normas, porém, ao mesmo tempo, desencadeia outros dispositivos para que o aluno, ao se diferenciar dele, tenha autonomia sobre o seu próprio aprendizado e sobre a sua vida, ele consegue juntamente com os alunos, administrar a violência intrínseca ao seu papel. Isto não significa que a paz reinará na escola, mas que alunos e professores, por força das circunstâncias, serão obrigados a se ajustar e a formular regras comuns, limites de fechamento e tolerância. Portanto, nem autoritarismo e nem abandono (p. 79).

Discordando do que foi destacado por Bourdieu e Passeron, Snyders, citado por Guimarães (1994) adverte que a escola não se resume ao seu papel reprodutor em favor da ideologia da classe dominante, mas acredita na existência de forças progressistas que atuam na própria escola, provocando transformações sociais:

A escola não é um feudo da classe dominante; ela é terreno de luta entre a classe dominante e a classe exploradora; ela é o terreno em que se defrontam as forças do progresso e as forças conservadoras. O que lá se passa reflete a exploração e a luta contra a exploração. A escola é simultaneamente reprodução da ideologia oficial, domesticação – mas também ameaça à ordem estabelecida e possibilidade de libertação (p. 79).

A resistência dos alunos, os professores progressistas e a pressão dos movimentos populares são forças que intensificam o conflito escolar; logo, a escola não se resume a alunos que acreditam em tudo o que o professor transmite, nem tudo o que o professor pede o aluno faz; a escola não é só feita de professores mal-intencionados, perversos e ingênuos, que servem à reprodução dos valores da sociedade capitalista, como destaca Snyders, citado por André Guimarães (1994).

Na opinião de Áurea Guimarães (1996), compreender a organicidade da violência na escola implica aceitar esse lugar como aquele que expressa uma extrema tensão entre forças antagônicas, e isto implica formar professores que aprendam não a tarefa de homogeneizar pelo esquadrinhamento do tempo, do gesto, das atitudes, mas a arte de lidar com os conflitos (não para suprimi-los, mas para conviver com eles).

QUADRO 1 – tipos de violências

Autor fonte Situação Tipo de violência

Dupâquier A/R Ameaças – intimidação verbal Incivilidade

Debarbieux R Atos de delinqüência Incivilidade

Santos A/R Comportamentos repressivos do professor Simbólica

Charlot A/R Conteúdo alheio à aula Simbólica

Santos A/R Dar aula de qualidade discutível Simbólica Abramovay e Rua A/R Desconsideração Violencia

Charlot A/R Desrespeito Incivilidade

Viscard R Desrespeito Violência

Guimarães G Elitismo (tecnicismo) Simbólica

Debarbieux R Empurrão Incivilidade

Dupâquier A/R Empurrão – intimidação física Incivilidade

Charlot A/R Ensino como desprazer Simbólica

Dupâquier A/R Escarros – intimidação física Incivilidade

Santos A/R Exercer autoritarismo Simbólica

Rodrigues R Falta de condições de trabalho ao professor Simbólica

Santos A/R Fazer ameaças Simbólica

Debarbieux R Grosserias diversas Incivilidade

Charlot A/R Humilhação Incivilidade

Debarbieux R Humilhação Incivilidade

Dupâquier A/R Injúrias – intimidação verbal Incivilidade

Debarbieux R Insultos Incivilidade

Debarbieux R Interpelações Incivilidade

Dupâquier A/R Intimidação física Incivilidade

Sposito A/R Intolerância Escolar

Santos A/R Não dar aula Simbólica

Charlot A/R Negação da identidade do professor Simbólica

Charlot A/R Obrigação de matéria Simbólica

Charlot A/R Palavras grosseiras Incivilidade

Charlot A/R Poder do professor sobre o aluno Simbólica

Abramovay e Rua A/R Preconceito Violência

Sposito A/R Racismo Escolar

Charlot A/R Satisfação profissional do professor Simbólica Charlot A/R Violência, golpes, ferimentos, violência sexual, roubos,

crimes, vandalismos

Violência Dupâquier A/R Xingamentos — intimidação verbal Incivilidade Fontes: A/R (Abramovay e Rua- 2002 ); R (Rodrigues- 2003); G (Guimarães -1994).

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