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AS OPERAÇÕES NO TORO EM L’ÉTOURDIT: ESVAZIAMENTOS, CORTES E COSTURAS

A topologia de L’Étourdit, esvaziamentos, cortes e costuras no toro, permite apresentar um processo da cura psicanalítica (DARMON, 1994, p. 142).

Para ultrapassar a neurose deve-se esvaziar (évider) o toro (neurótico). Essa operação de esvaziamento (d’évidement) – a primeira operação executada por Lacan no toro em L’Étourdit – não possibilita, pela estrutura flexível e elástica do toro, mudança na estrutura topológica.

Salta aos olhos que ao pinçá-lo (o toro esvaziado) entre dois dedos ao longo de seu comprimento, a partir de um ponto e voltando a ele, fazendo com que o dedo que estava em cima no início fique embaixo no fim, isto é, executando uma meia-volta de torção na execução da volta completa do toro, obtém-se uma banda de Moebius (...) Vale demonstrá-la de maneira menos grosseira (LACAN, 1972/2003, p. 470).

O fato é que o espaço tórico tem muitas relações com a banda de Moebius, mas isso não é perceptível de imediato (LAFONT, 1985, p. 60). A presença de uma banda de Moebius no toro não é evidente. Segundo Dreyfuss (1995, p. 151), essa não-evidência está relacionada à cegueira específica que cons- titui a neurose. Para Lacan, a neurose é aquela que mascara a estrutura moebiana, afogando-a no toro.

Após essa primeira operação de esvaziamento, prossigamos com Lacan:

Procedamos por um corte que acompanhe a borda da banda obtida. É fácil ver que cada lâmina, assim separada daquela que duplica, tem continuidade justamente nesta (1972/2003, p. 470):

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A evidência de que o toro tem realmente relações com a banda de Moebius é que, ao procedermos um corte em oito interior, obteremos uma única banda bilátera – que tem duas faces. Essa é a evidência, mostrada après coup, após o corte.

“A banda resultante do corte em oito-interior do toro nos dá a imagem do laço entre Consciente e Inconsciente” (LACAN, 1976, lição 2): é uma estrutura intermediária entre o toro e a banda de Moebius. É uma variedade bilátera, mas tem um movimento, parece que está viva, “querendo” se reagrupar de forma moebiana.

Para se transformar em unilátera, ela vai ter de ser colada, e outras vi- zinhanças serão criadas. O mesmo tecido, reagrupado de forma diferente – eis a arte e a responsabilidade do processo analítico, neste ato de “corte e costura” (VICTORA, 2010).

Vamos passar, então, a uma nova operação que muda a estrutura da banda.

E a razão disso é que, ao proceder por unir a si mesma – após o deslizamento de uma lâmina sobre outra da banda bipartida – o duplo laço de uma das bordas dessa mesma banda, é ao longo do

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comprimento que costuramos o lado avesso dessa banda a seu lado direito (LACAN, 1972/2003, p. 471).

Essa costura não reproduz novamente a falsa banda de Moebius (ou seja, o toro aplainado com a dobra onde não é perceptível a banda), mas uma banda de Moebius verdadeira (tanto faz costurar a borda b com b ou a com a) (FIERENS, 2002, p. 183).

O que não podemos perder de vista é que as duas superfícies da banda bilátera obtida do toro provém da superfície de dentro e de fora do toro que é bilátero (figura da esquerda).

Mas, ao unir uma superfície consigo mesma (figura da direita), o que supõe eliminar pontos que seriam duplos (e por isso Lacan denomina a essa linha “linha sem pontos”), o que fazemos é pôr em continuidade a superfície de dentro do toro com a superfície de fora, superfícies que jamais entrariam em contato sem essas operações (BERMEJO, 2010).

E a banda de Moebius não é nada além do corte com uma volta só, qualquer um (embora figurado em imagem pela impensável “media- na”) que a estruture por uma série de linhas sem pontos (LACAN, 1972/2003, p. 471).

É a linha sem pontos a que verdadeiramente constitui a estrutura da banda de Moebius e não a semitorção que se utiliza habitualmente para construí-la (DARMON, 1994, p. 171).

Lacan se dá conta de que se, após cosermos a banda, fizermos um corte duplo (2 voltas), se produzem dois objetos: uma banda de moebius (unilá- tera) e uma banda bilátera (BERMEJO, 2010).

O que a topologia ensina é o vínculo necessário que se estabelece entre o corte e o número de voltas que ele comporta, para que se

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real, e concebível pelo impossível que ele o demonstra. É o que acon- tece com a volta única que na asfera cria um retalho esfericamente estável, ao introduzir o efeito de suplemento que ela extrai do ponto fora de linha. Fechar duplamente essa volta gera algo totalmente diverso: a queda da causa do desejo a partir do qual se produz a banda moebiana do sujeito, vindo essa queda demonstrar que ele é apenas ex-sistência ao corte de fecho duplo do qual resulta. Essa ex-sistência é dizer, e o comprova por ficar o sujeito à mercê de seu dito, quando ele se repete; ou seja, ao encontrar aí, como a banda moebiana, seu fading (esvaecimento) (LACAN, 1972/2003, p. 487).

O bilátero, o esférico, o não moebiano, o objeto a ... é o que cai. Sua queda demonstra que ele é apenas ex-sistência ao corte de fecho duplo do qual resulta.

A banda de Moebius é o sujeito, na medida em que esse corte o revela. (a $)

O notável dessa sequência é que a asfera2 tudo junto, começando do

toro (onde se apresenta em primeira mão), só chega à evidência de sua asfericidade ao ser suplementada por um corte esférico (LACAN, 1972/2003, p. 472). (...) A estrutura é o esférico encerrado na articu- lação linguageira, na medida em que nele se apreende um efeito de sujeito (LACAN, 1972/2003, p. 485).

A mudança a que a psicanálise visa é justamente esse efeito de separa- ção entre o sujeito e o objeto do fantasma. Trata-se, portanto, de um efeito muito distante de ser um efeito de significação. Trata-se de produzir um sujeito, por assim dizer “novo”. Mas só podemos falar em sujeito novo no sentido de um efeito novo de separação, na fronteira entre o sujeito e objeto (SOLER, 1995).

2 Em geral, quando Lacan fala em asfera, está se referindo ao cross cap, que é a forma topológica da fantasia fundamental que condiciona a realidade, ou seja, o real passado pelo crivo do significante. Com efeito, essa forma aparentemente homogênea é de fato um com- posto heterogêneo do sujeito e do objeto. Quando um significante faz corte nessa forma, o sujeito é o produto da operação, o objeto, seu resto, a moldura não percebida da realidade do sujeito. Por que falar em asfera se ele está aqui falando das operações no toro? “Lacan traz em

LÉtourdit, de uma forma muito sucinta, todas as figuras topológicas trabalhadas por ele: o toro, o cross cap, a garrafa de Klein e a banda de Moebius. E o faz para apreender a estrutura moebia- na e lembrar que se trata, sempre, do mesmo corte: aquele que define o inconsciente moebiano”

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efeRências

:

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DREYFUSS, J. P.; JADIN, J. M.; RITTER, N. Écritures de L’Inconscient: de la letter à la topologie. Apertura: Editions Arcanes, 2001.

FIERENS, C. Lecture de L’Étourdit. Paris: L’Harmattan, 2002.

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Fórum em Campo

A Formação do Analista

Biblioteca - Diálogo: literatura