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CAPITULO III – A PROPOSTA DA INTERNATIONAL COMPETITION NETWORK EM MATÉRIA DE RESTRIÇÃO ÀS CONCENTRAÇÕES EMPRESARIAIS

3.1 AS ORIGENS DA INTERNATIONAL COMPETITION NETWORK

Conforme observa BUDZINSKI (2004, p. 2/3) existem três sistemas básicos de regimes internacionais de política concorrencial: a) um sistema mais ou menos anárquico, com aplicações autônomas da doutrina dos efeitos; b) um sistema de harmonização internacional por meio da edição de uma normativa internacional antitruste e da criação de uma autoridade internacional antitruste; e c) coordenação sistemática de políticas de defesa da concorrência por meio de um sistema multilateral de cooperação.

A proposta formulada pela International Competition Network – ICN pode ser inserida dentro do terceiro tipo de regime.

As origens da ICN remontam à formação, nos Estados Unidos em 1997 do International Competition Policy Advisory Committee – ICPAC. Conforme já mencionado nos capítulos anteriores, os Estados Unidos sempre foram contrários à celebração de um tratado internacional sobre defesa da concorrência e criaram esse comitê para estudar alternativas para a proteção internacional da concorrência. O comitê era composto por autoridades norte americanas, acadêmicos especialistas em direito antitruste, advogados que atuavam com direito antitruste e representantes de indústrias. Conforme disposto no relatório final emitido pelo ICPAC124, em fevereiro de 2000, os trabalhos do comitê deveriam dar atenção especial a três tópicos, quais sejam, a revisão das concentrações multijurisdicionais, a interface entre comércio e política de concorrência e as futuras direções a serem tomadas pelas autoridades norte americanas com relação à cooperação em matéria de concorrência com seus parceiros comerciais.

Nesse relatório final o ICPAC aponta no seu parecer125 que a OMC não deve inserir normas concorrenciais diversas das já existentes em seu sistema. Os motivos apresentados são de três ordens: a) a própria natureza das negociações na OMC, que poderia distorcer os padrões de concorrência; b) a possibilidade dos painéis do órgão de solução de controvérsias interferir em

124 http://www.usdoj.gov/atr/icpac/tableofc.htm - acessado em 21/02/2007. 125

Deve ser feita a ressalva que o parecer é da maioria dos membros do comitê, e não unânime. Eleanor Fox, da Universidade de Nova York e membro do comitê, por exemplo, possui entendimento em sentido diverso.

práticas locais regulatórias; e c) a impropriedade de exigir que todos os membros da OMC possuam legislações de proteção à concorrência.126

Como alternativa à regulamentação pela OMC da matéria relativa à proteção da concorrência, o ICPAC sugeriu a criação de um foro multilateral de negociação informal sobre proteção internacional da concorrência. Além dos Estados Unidos, autoridades antitruste de outros doze países acataram a idéia e criaram a ICN. Também a Comunidade Européia, embora mantenha a posição de preferência pela OMC como foro para regular a matéria concorrencial, desde o início fez parte dos quadros da ICN.

Antes, no entanto, de passar ao estudo das propostas da ICN convém mencionar outras conclusões e recomendações apresentadas pelo ICPAC que nortearam as atividades da ICN.

O relatório final apresentado pelo ICPAC é composto por um sumário explicativo e por seis capítulos: 1) globalização e suas implicações para a cooperação em antitruste; 2) concentrações multijurisdicionais: facilitando a convergência substantiva e reduzindo os conflitos; 3) concentrações multijurisdicionais: facilitando o processo de revisão por meio de reformas alvejadas; 4) reforço internacional anti-cartel e reforço da cooperação entre agências; 5) onde comércio e concorrência se cruzam; 6) preparação para o futuro.

Com exceção do primeiro capítulo, que descreve a atuação do ICPAC e comentários sobre economia mundial e política da concorrência, todos os demais capítulos trazem recomendações sobre tópicos a serem abordados no novo foro multilateral a ser criado.

No capítulo segundo as recomendações são: a) a revisão dos atos de concentração econômica deve ocorrer com total transparência. No caso de concentrações com impactos transfronteiriços a transparência se dá com a edição de relatórios enviados às outras autoridades envolvidas indicando quais são os princípios utilizados na decisão de aprovar ou rejeitar o ato; b) a revisão dos atos de concentração não deve levar em conta a nacionalidade das empresas envolvidas; c) salvo poucas exceções, como, por exemplo, segurança nacional, fatores não

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At this juncture, the majority of the Advisory Committee believes that the WTO as a forum for review of private

restraints is not appropriate. Given the limited likely results, the risks and the lack of international consensus on the content or appropriateness of rules or dispute settlement in this area, this Advisory Committee believes that the WTO should not develop new competition rules under its umbrella. Various concerns animate the Advisory Committee's skepticism toward competition rules at the WTO, including the possibility that the quid pro quo nature of WTO negotiations could distort competition standards; the potential intrusion of WTO dispute settlement panels into domestic regulatory practices; and the inappropriateness of obliging countries to adopt competition laws. While recognizing that in some instances it may not be a fully satisfactory result, the Advisory Committee believes that national authorities are best suited to address anticompetitive practices of private firms that are occurring on their territory.

concorrenciais não devem ser utilizados nos procedimentos de revisão de atos de concentração; d) as nações devem reconhecer que os interesses dos competidores não são necessariamente os mesmos dos consumidores; e) um procedimento de cooperação entre agências em duas etapas: na primeira etapa as agências dos países envolvidos analisam isoladamente a operação e emitem seu parecer sobre a aprovação, rejeição ou utilização de ‘remédios’ contra efeitos não competitivos e enviam para as outras autoridades envolvidas, na segunda etapa são negociadas a aprovação/rejeição do ato e os ‘remédios’ propostos; e f) cada nação deve estabelecer de forma clara e transparente quais são os critérios de confidencialidade dos documentos das partes envolvidas na operação.

Algumas das recomendações trazidas no capítulo terceiro são: a) sistema de notificação prévia da operação de concentração; b) as autoridades locais devem evitar analisar operações que não tenham um nexo efetivo com a economia local criando um teste prévio de correlação da operação com o mercado local127; c) uma espécie de procedimento sumário para análises de concentração com reduzidos possíveis efeitos anticompetitivos; d) prazo de 30 dias para a realização da primeira etapa do procedimento de revisão do ato (vide recomendações do segundo capítulo); e e) lista de documentos reduzida ao estritamente necessário na primeira fase de análise da operação.

Recomendações trazidas no quarto capítulo: a) aumentar a troca de informações e experiências, em especial pelas autoridades norte-americanas, no combate aos cartéis internacionais como forma de incrementar a cooperação internacional no combate aos cartéis; b) estabelecimento de critérios transparentes na determinação de confidencialidade de documentos em investigações transfronteiriças; e c) prover assistência técnica, em especial pelas autoridades norte-americanas, aos países sem experiência e tradição em matéria de proteção à concorrência.

O capítulo quinto, além de desqualificar a OMC como foro apropriado para regulamentar o direito internacional concorrencial, ainda sugere que as autoridades norte- americanas celebrem outros tratados bilaterais em matéria antitruste, utilizando como modelo os acordos firmados com a Comunidade Européia.

O capítulo sexto sugere a criação de um foro de discussão, composto por autoridades antitruste nacionais, organizações internacionais, organizações não governamentais e

127 Vale aqui citar a Súmula nº 1 editada pelo CADE, verbis: Na aplicação do critério estabelecido no art. 54,

§3o, da Lei n.º 8.884/94, é relevante o faturamento bruto anual registrado exclusivamente no território brasileiro pelas empresas ou grupo de empresas participantes do ato de concentração.

representantes da iniciativa privada, sobre soluções comuns para os problemas internacionais de concorrência.128 Sugere ainda a criação de um sistema de mediação para a solução de possíveis conflitos.

Como visto, os estudos do ICPAC sempre atribuíram particular importância aos problemas proporcionados pelas concentrações empresariais com efeitos transnacionais. Essa preocupação é refletida também nos trabalhos da ICN, conforme será estudado nos tópicos subseqüentes.

Outro ponto a ser destacado é o fato de que o ICPAC não somente afastou de seus estudos matérias entendidas como não concorrenciais, como sugeriu em suas conclusões que elas, salvo pequenas exceções, sequer devem fazer parte dos procedimentos de revisão dos atos de concentração.

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The Advisory Committee recommends that the United States explore the scope for collaborations among

interested governments and international organizations to create a new venue where government officials, as well as private firms, nongovernmental organizations (NGOs) and others can exchange ideas and work towards common solutions of competition law and policy problems. The Advisory Committee calls this the "Global Competition Initiative."