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3 A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

3.2 As origens do conceito

A teoria das representações sociais está inserida numa grande área de estudos interdisciplinares, denominada Psicologia Social, a qual sofreu profundas transformações a partir dos estudos desenvolvidos por Serge Moscovici. A psicologia social se encontrava fragmentada, desde o seu nascimento enquanto ciência autônoma, no final do século XIX. Até o desenvolvimento do primeiro estudo de Moscovici, na França, em 1961, intitulado La Psycanalyse, son image et son public, a Psicologia Social esteve, de certa forma, dividida em duas correntes de estudos completamente distintas (ALVES-MAZOTTI, 2008).

De acordo com Farr (2011, p.30), “a maioria dos teóricos anteriores à Segunda Guerra Mundial distinguiram entre dois níveis de fenômenos – em termos gerais, o nível individual e o nível coletivo (isto é, a cultura ou a sociedade)”. Essa relação binária entre sujeito e objeto foi influenciada diretamente pelo positivismo reinante no mundo das ciências desse período. Os motivos que levavam os teóricos da época fazerem tal distinção, era a crença de que as leis que explicavam os fenômenos individuais não eram as mesmas que explicavam os fenômenos coletivos (FARR, 2011).

Uma destas correntes teve sua origem na América do Norte, na qual os estudos se ocupavam das questões psicológicas, tendo como foco central o indivíduo; a outra corrente, por sua vez, era de procedência europeia, desenvolvendo pesquisas que davam maior ênfase aos aspectos sociológicos, buscando, dessa maneira, estudar o meio social onde os indivíduos estavam inseridos (ALVES-MAZZOTTI, 2008). Com a vitória dos Aliados na Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos da América se tornam uma potência mundial, fazendo com que as pesquisas com foco no indivíduo dominassem o interesse do mundo acadêmico.

A corrente americana da Psicologia Social teve o seu maior desenvolvimento, influenciada pela visão política dominante, que fez com que os dirigentes políticos, que “[...] estavam acostumados a confundir ciência social com socialismo”, destinassem um maior volume de recursos financeiros às pesquisas que tinham o foco no indivíduo. Durante o período que se desenvolveu a Guerra Fria, o individualismo “[...] se tornou a ideologia do Ocidente, em contraste com o coletivismo do Oriente. Esta foi uma antítese infeliz, pois ela distorceu a PSICOLOGIA SOCIAL em ambos os lados da antiga cortina de ferro”, esses fatos históricos fizeram com que “[...] as ciências sociais na América do Norte se tornaram menos explicitamente sociais que as da Europa” (FARR, 2011, p.45-46, grifos do autor).

A formação acadêmica em Psicologia, pela escola francesa, deu à Moscovici a percepção dessa distorção e o fez reconhecer que, nem a corrente de estudos europeia, e tampouco a americana, davam conta separadamente de explicar os fenômenos psicológicos que poderiam estar enraizados no meio social, ou os fenômenos sociológicos que poderiam possuir origens psicológicas (ALVES-MAZZOTTI, 2008).

A sua tentativa de redefinição foi, então, no sentido de buscar um elo de aproximação entre estes dois campos de estudos dicotômicos (CHAMON e CHAMON, 2007; ALVES- MAZZOTTI, 2008). A base teórica de apoio encontrada por Moscovici para o desenvolvimento de seus estudos foi a teoria das Representações Coletivas desenvolvida anteriormente por Durkheim, que já havia tentado uma primeira aproximação entre os estudos da psicologia e da sociologia. Durkheim era sociólogo de formação, tendo desenvolvido sua

teoria sob os argumentos de que fenômenos como a religião, a magia e o pensamento mítico “são produto de uma comunidade, ou de um povo”, sendo coletivos e, desta maneira, não podendo ser explicados a partir do indivíduo (ALEXANDRE, 2004, p.123).

De acordo com Alves-Mazzotti (2008), Durkheim considerou os aspectos individuais das representações, os quais possuem um suporte biológico, mas que mantêm relações com o meio social no qual o indivíduo se encontra. Postulou que as representações passariam a possuir vida própria, ou seja, uma realidade independente dos indivíduos, sendo ainda exterior às consciências individuais. Assim, as representações coletivas não se reduziriam à simples soma das representações individuais, uma vez que o todo é sempre maior do que a simples soma de suas partes constituintes (JOVCHELOVICH, 2011).

Esta perspectiva estruturalista dada às representações coletivas foi de encontro ao paradigma comportamentalista americano dominante na época. O resultado desta divergência de pontos de vista acarretou o esquecimento das ideias postuladas pela teoria das representações coletivas por mais de meio século, sendo elas reconhecidas somente após os anos 40 do século XX e completamente reabilitadas apenas no final da década de 1950 (CHAMON e CHAMON, 2007, p.114).

A teoria das representações coletivas, entretanto, “[...] constituíam uma classe muito genérica de fenômenos psíquicos e sociais, abrangendo o que designamos por ciência, ideologia, mito” que não deixavam uma margem de liberdade aos indivíduos. Estes apenas respondiam aos estímulos externos, separando-se dessa maneira, o universo externo do interno do sujeito (MOSCOVICI, 2012, p.39). Avançando na sua análise, Moscovici acrescenta ainda que “[...] na medida em que ele não aborda de frente nem explica os modos de organização do pensamento, mesmo que sendo eles sociais, a noção de representação perde sua clareza” (MOSCOVICI, 2012, p.40). Quanto à impossibilidade deste tipo de representação não dar conta de compreender o dinamismo das sociedades contemporâneas, afima que:

Nossa sociedade diversificada, na qual os indivíduos e as classes sociais desfrutam, às vezes, de grande mobilidade, vê se desenvolverem sistemas muito heterogêneos, políticos, filosóficos, religiosos, artísticos, e modos de controle do ambiente menos sujeitos a pressões (MOSCOVICI, 2012, p.41).

A inércia, característica desse tipo de representação, demonstra que, devido ao “[...] seu caráter estático e reducionista, que provavelmente correspondia bem à estabilidade dos fenômenos para os quais elas tinham sido concebidas, mas que não é adequado para explicar as representações emergentes de uma sociedade moderna” (CHAMON e CHAMON, 2007,

p.116). Corroborando com essa perspectiva, Alexandre (2008, p.22) afirma que elas podem não ser adequadas “[...] ao estudo das sociedades contemporâneas, que se caracterizam pela multiplicidade de sistemas políticos, religiosos, filosóficos e artísticos, e pela rapidez na circulação das representações”.

Quando procede ao resgate dos conceitos de representações coletivas desenvolvidos por Durkheim, Moscovici o faz pela “vertente sociológica da psicologia europeia”, mudando o “eixo tradicional das pesquisas em Psicologia Social”. Os estudos desenvolvidos pela perspectiva tradicional, como já foi mencionado anteriormente, preocupavam-se com os procedimentos explícitos do comportamento humano, ou seja, aqueles comportamentos que podiam ser observáveis. A perspectiva da psicologia francesa busca integrar os aspectos observáveis e os implícitos (ou não observáveis) do comportamento, para tentar explicar as condutas (ALEXANDRE, 2004, p.125).

Assim, na formulação de sua teoria, Moscovici busca a dialetização das “[...] relações entre indivíduo e sociedade, afastando-se igualmente da visão sociologizante e Durkheim e da perspectiva psicologizante da Psicologia Social da época” (ALVES-MAZZOTTI, 2008, p. 22). O nascimento da teoria das representações sociais ocorre, então, “no cruzamento de uma série de conceitos sociológicos e de uma série de conceitos psicológicos”, demonstrando o seu caráter interdisciplinar desde sua origem (MOSCOVICI, 2012, p. 39). Corroborando ainda com este aspecto interdisciplinar, Alexandre (2004, p.130) afirma que a representação social “[...] situa-se nas fronteiras entre a sociologia e a psicologia”, “[...] num processo dinâmico, permitindo compreender a formação do pensamento social e antecipar as condutas humanas”. Assevera, ainda, que ela “[...] forma uma vertente teórica da Psicologia Social que faz contraponto com as demais correntes da Sociologia, Antropologia, Filosofia, História e Comunicação Social, que pesquisam sobre as questões do conhecimento”.

Contribuindo com a ideia de transversalidade e interdisciplinaridade do fenômeno das representações sociais, Jodelet (2001, p. 25) assegura que:

Situadas na interface do psicológico e do social, esta noção interessa a todas as ciências humanas: é encontrada em Sociologia, Antropologia e História, estudada em suas relações com a ideologia, os sistemas simbólicos e as atitudes sociais refletidas pelas mentalidades.

É por meio dessa conexão entre o indivíduo e o seu meio social, proporcionada pelas representações sociais, que ocorre também a interpenetração de dois universos distintos: o reificado e o consensual; os quais são examinados no tópico seguinte.