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MORAL DIREITO

HONEST IDADE

D) Solidariedade da responsabilidade do assessor jurídico

4.4 As origens do modelo

4.4.1 Breve histórico dos sistemas de aquisições governamentais no Brasil

A conformação normativa dos procedimentos de aquisições e contratações, no Brasil, remonta ao primeiro ordenamento a viger em nosso país, as Ordenações Filipinas. Datadas de 1592, entre suas normas previa:

E não se fará obra alguma, sem primeiro andar em pregão, para se dar de empreitada a quem houver de fazer melhor e por menos preço; porém as que não passarem de mil réis, se poderão mandar fazer por jornais, e umas e outras se lançarão em livro, em que se declare a forma de cada uma, lugar em que se há de fazer, preço, e condições de contrato. E assim como forem pagando aos empreiteiros, farão ao pé do contrato conhecimento do dinheiro, que vão recebendo, e assinarão os mesmos empreiteiros e o Escrivão da Câmara; e as despesas que os Provedores não levarem em conta, pagá-las-ão os Vereadores, que as mandaram fazer.22

Eis, à semelhança do direito privado, o escopo principal da realização da licitação: selecionar a proposta mais vantajosa para a administração pública, garantindo-lhe, assim, a realização da melhor aquisição / contratação. À época do Império mantivera-se a mesma regra geral, positivada na Lei de 29 de agosto de 1828.

Aprovado o plano de algumas referidas obras, imediatamente será a sua construção oferecida a Empresários por via de Editais Públicos e, havendo concorrentes, se dará a preferência a quem oferecer maiores vantagens.

Todavia, os ditames genéricos das Ordenações do período colonial, cuja fórmula fora repetida pelo art. 5º da Lei de 29 de agosto de 1828, à época do Império do Brasil, foram aos poucos substituídos por normas cada vez mais pormenorizadas, com crescente detalhamento de procedimentos e a implementação de controles ínsitos a estes.

Eis, a seguir, os principais diplomas legais disciplinadores, direta ou indiretamente, da realização das despesas no período Republicano:

A) Lei nº 2.221, de 30 de dezembro de 1909;

B) Decreto-Legislativo nº 4.536, de 20 de janeiro de 1922: organizava o Código de Contabilidade da União e disciplinava as aquisições no âmbito do Governo Federal. As contratações de despesa deviam ser precedidas de contrato mediante concorrência pública para o fornecimento de bens, ainda que parcelado, de valor total superior a 5:000$000 e para a realização de obras de valor superior a 10:000$000, sendo dispensável a concorrência nas cinco seguintes hipóteses:

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ocorrência de circunstâncias imprevistas ou de interesse nacional; quando o fornecimento dos materiais ou realização dos serviços somente pudesse ser efetuados pelo produtor ou por profissionais especializados; para a aquisição de materiais para os serviços militares; para compra ou arrendamento de prédios ou terrenos para serem utilizados no serviço público; ou quando não houvesse interessados na primeira concorrência. O termo concorrência não designava, como nos dias atuais, uma modalidade de licitação, mas a própria licitação. A lei não descrevia seu procedimento, impondo tão-somente sua divulgação por meio do Diário Oficial ou nos jornais oficiais dos Estados contendo as suas condições e a indicação das autoridades responsáveis por sua adjudicação, além da data, hora e lugar. Da mesma forma, era absolutamente silente sobre a habilitação dos fornecedores, à época denominada “verificação de idoneidade”, sem detalhar, todavia, como procedê-la, sendo permitido aos concorrentes opor-se a inclusão ou exclusão na lista de inidoneidade. As propostas deveriam ser entregues lacradas e, posteriormente, no momento e local estabelecidos na publicação, abertas e lidas perante todos os concorrentes presentes; o critério para seleção da mais vantajosa era exclusivamente o menor preço, que, nos termos da lei, não poderia “exceder de 10% os preços concorrentes da praça”. Por fim, previa-se, ainda, um procedimento conceitualmente semelhante ao atual sistema de registro de preços “para fornecimentos ordinários às repartições públicas”.

C) Decreto nº 15.783, de 22 de novembro de 1922; D) Lei nº 4.632, de 06 de janeiro de 1923;

E) Decreto nº 41.019, de 26 de fevereiro de 1957: regulamentava os serviços de energia elétrica. Define, no art. 71 e subseqüentes, normas para concorrências públicas para o estabelecimento e a exploração dos serviços de energia elétrica.

Assim como no Decreto Legislativo nº 4.536/1922, também é extremamente superficial quanto aos procedimentos para a licitação. Amplia, contudo, a prévia verificação da idoneidade (art. 73), mencionando, expressamente, as dimensões técnica, moral e financeira, ainda que sem detalhá-las.

F) Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964: estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal. Ao definir normas quanto à execução das despesas estatais estabelece o procedimento em três fases – empenho, liquidação e pagamento – determinando, no art. 70, que a aquisição de materiais, o fornecimento e a adjudicação de obras e serviços deveriam ser reguladas por lei, respeitando o princípio da concorrência. Ainda neste diploma a denominação concorrência era interpretada como sinônimo de licitação.

G) Lei nº 4.401, de 10 de novembro de 1964: estabelecia, conforme determinava o art. 70 da Lei nº 4.320/64, normas para a licitação de serviços e obras e aquisição de materiais no Serviço Público da União. Implementava duas modalidades de licitação: a concorrência pública para serviços e obras de valor superior a quinhentas vezes o maior salário mínimino e para equipamentos e materiais de valor igual ou superior a este parâmetro; e a concorrência administrativa, para serviços e obras de valor igual ou inferior a quinhentas vezes o maior salário mínimo e para equipamentos e materiais de valor inferior a este montante. A lei menciona, ainda, em seu §1º, art. 1º, a modalidade tomada de contas. Assim como no Decreto Legislativo nº 4.536/1922, o diploma legal é extremamente sucinto quanto aos procedimentos, descrevendo-lhes algumas poucas regras de caráter geral. O procedimento licitatório era precedido por uma coleta de preços, dispensada para serviços e obras de valor inferior a cem vezes o

maior salário mínimo e para materiais e equipamentos de valor inferior a oitenta vezes o maior salário mínimo, bem como por determinação do Presidente ou de Ministro. As hipóteses de dispensa das concorrências previstas desde o Decreto Legislativo nº 4.536/1922, até então a lei geral sobre licitações, tiveram seu alcance ampliado e novas hipóteses foram criadas. Quanto ao critério de seleção, o foco continuou sobre o menor preço, sendo possível, contudo, segundo o texto desta lei, a comissão julgadora considerar outra proposta como mais vantajosa com base em critério técnicos.

H) Emenda Constitucional n° 15 (à Constituição Federal de 1946), de 1965: inseriu no texto constitucional dispositivo que proibia a contratação de obras e a aquisição de máquinas e equipamentos, exceto se efetuadas por concorrência pública, no período compreendido entre noventa dias antes das eleições para Presidente da República, Governadores e Prefeitos e o término dos respectivos mandatos.

I) Lei nº 4.717, de 29 de junho de 1965: regula a ação popular. Permite a qualquer cidadão pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio público, mencionando, expressamente, entre outros, a empreitada, tarefa ou concessão de serviço público quando: seu contrato não houver sido precedido de concorrência pública ou administrativa e não se houver configurado hipótese de dispensa; no edital da concorrência tenha sido inserido dispositivo que lhe frustre ou reduza o caráter competitivo; na concorrência administrativa, esta for processada de forma a limitar as possibilidades normais de competição. Considerando que a enumeração da lei é meramente exemplificativa, numerus apertus, quaisquer outros atos praticados em procedimento licitatório que impliquem em lesão ao patrimônio são passíveis de questionamento em sede de ação pública.

J) Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967: dispunha sobre a organização da Administração Federal; foi o instrumento normativo basilar da Reforma Administrativa de 1967. Em seu Título XII, do art. 125 ao art. 144, apresentava normas sobre licitações para compras, obras, serviços e alienações. A filosofia das normas gerais sobre licitações que a antecederam fora mantida: por regra, exigia-se a realização do procedimento licitatório para compras, obras e serviços, dispensando-o apenas nas hipóteses enumeradas numerus clausus, ou seja em rol taxativo, na lei – ampliadas em relação à norma anterior. O Decreto-Lei nº 200/1967 estabeleceu três modalidades de licitação para compras: a concorrência, para objetos de valor igual ou superior a dez mil vezes o maior salário mínimo, para materiais ou serviços, ou quinze mil vezes, para obras, permitindo a possibilidade de participação de qualquer licitante e prevendo ampla publicidade; a tomada de preços, para objetos de valor igual ou superior a cem vezes o maior salário mínimo, para materiais ou serviços, ou quinhentas vezes, para obras, permitindo a participação apenas de licitantes previamente inscritos nos registros cadastrais de habilitação de firma mantidos pelas unidades administrativas; e o convite, para objetos de valor inferior a cem vezes o maior salário mínimo, para materiais e serviços, ou quinhentas vezes, para obras, permitindo a participação de qualquer licitante, registrados ou não, convidados pela administração com no mínimo três dias de antecedência. Quanto à habilitação, eram exigíveis documentações concernentes à personalidade jurídica, à capacidade técnica e à idoneidade financeira. Relevante, ainda, o rompimento com a tradição de estabelecer poucas regras sobre os procedimentos licitatórios, sendo expressivamente detalhista o diploma de 1967.

K) Lei nº 5.456, de 20 de junho de 1968: estendeu a aplicabilidade das normas contidas nos art.125 a 144 do Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967, concernentes às licitações, aos Estados e Municípios, permitindo aos Estados legislarem supletivamente sobre o tema e efetuar ajustes nos limites estabelecidos para as modalidades de licitação, por meio de lei, obedecidos os seguintes parâmetros: tais limites não poderiam ser superiores em 50% àqueles estabelecidos no âmbito do Governo Federal, para Estados, capitais e municípios com mais de 200.000 habitantes, nem superiores a 25% para os demais municípios.

L) Decreto nº 73.140, de 09 de novembro de 1973: regulamentou os art. 125 a 144 do Decreto-Lei nº 200/1967. Inseria no sistema de licitações ora vigente diversas normas de interpretação autêntica, normas de caráter procedimentais detalhando os ritos das compras e normas restritivas à atuação dos licitantes e da própria administração. Foram estabelecidos prazos mínimos para os atos de convocação. Ampliou a documentação necessária para a habilitação, que passou a compreender, além daqueles pertinentes à personalidade jurídica e às idoneidades técnica e financeira, agora denominadas “parte básica” da habilitação, documentos relativos ao enquadramento do interessado na atividade concernente ao objeto licitado, denominado “parte específica” da habilitação, como por exemplo, a indicação dos setores especializados da empresa, atestados de clientes quanto ao desempenho em outras contratações, elementos demonstrativos da capacidade gerencial da empresa e quadro de funcionários. Outras novidades do Decreto nº 73.140/1973 foram: a possibilidade de participação de pessoas físicas ou jurídicas em consórcio, a regulamentação dos recursos nos procedimentos e o detalhamento das penalidades administrativas, das atividades de fiscalização e do recebimento.

M) Decreto nº 84.701, de 13 de maio de 1980: instituiu o Certificado de Regularidade de Situação Jurídico-Fiscal (CRJF) no âmbito do Governo Federal, com o objetivo de comprovar a regularidade da situação fiscal e a capacidade jurídica dos interessados em contratar com a administração pública federal, sendo o precursor do atual SICAF. O interessado deveria apresentar os documentos exigidos pelo Decreto em um dos órgãos federais com serviço de cadastramento, o qual deveria expedir o CRJF, com prazo de validade de um ano, em até dez dias. O CRJF dispensava a apresentação dos documentos exigidos nos incisos I e II, e nos itens 1 a 9 do inciso III, do art. 16 do Decreto nº 73.140/1973, concernentes à habilitação, à exceção do item 7 do inciso I, quanto a pessoas físicas.

N) Decreto nº 86.025, de 22 de maio de 1981: apresentou nova regulamentação para habilitação em licitações promovidas no âmbito do Governo Federal, revogando dispositivos do Decreto nº 73.140/1973.

O) Decreto-Lei nº 2.300, de 21 de novembro de 1986: revogou expressamente (art. 90) todas as disposições em contrário e instituiu novo sistema de licitações sem, contudo, romper com as concepções que lhe antecederam. Criou nova modalidade de licitação: o concurso, e redefiniu a documentação necessária para a habilitação. O sistema atual, instituído pela Lei nº 8.666/1993 replica muitos de seus artigos, pouco inovando com relação aos dispositivos de 1986.

P) Decreto nº 30, de 27 de fevereiro de 1991.

Q) Decreto nº 449, de 17 de fevereiro de 1992: instituiu o Catálogo Unificado de Materiais e Serviços da Administração, o Sistema Integrado de Registro de Preços – SIREP, e o Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores – SICAF. Alterando a norma anterior, segundo a qual o registro cadastral era exigível apenas para participação das licitações realizadas na modalidade tomada de contas,

o §2º do art. 3º passou a exigir o cadastramento no SICAF também para a modalidade convite. A finalidade precípua do SIREP era proporcionar parâmetros aos gestores para analisar a compatibilidade das propostas de um procedimento licitatório aos preços praticados no mercado; ratifica-se esta finalidade ante a determinação para que a homologação fosse precedida de pesquisa com, pelo menos, duas outras empresas do ramo do objeto licitado para aferir-lhes a compatibilidade com os preços do mercado enquanto não implementado o SIREP. Outrossim, ainda neste decreto foram inseridas normas concernentes ao sistema de licitações ora vigente.

Por fim, menciona-se a Constituição Federal de 1988, primeiro texto constitucional a dispor expressamente (art. 37, XXI) sobre a obrigatoriedade de licitação para a realização de despesas, e, por conseguinte, compras. A partir da regulamentação da sua norma, por meio da Lei nº 8.666/1993 iniciava-se a estruturação do sistema atual, embora com inquestionável influência dos sistemas anteriores.

4.4.2 A lei nº 8.666 de 1993

Informa-nos Motta (2005, p.19) que, à época da promulgação da Constituição de 1988, o procedimento licitatório, então normatizado pelo Decreto-Lei nº 2.300, de 21 de novembro de 1986, tornara-se “mera ritualística, tanto insuficiente para ocultar a ‘ferida exposta’ em que se transformara o sistema de aquisições e contratos como inócua no sentido de reabilitá-lo”.

Assim, promulgada a atual Constituição, em 15 de outubro de 1998, foram elaborados diversos projetos de uma nova lei de licitações, mencionando-se, entre

outros os projetos: 1.251/88, 1.643/89, 2.019/89, 2.320/89, 2.577/89, 2.884/89, 3.678/89, 5.013/90, 5.433/90, 5.510/90, 6.103/90, 6.124/90 e 860/91. Todavia, pode- se considerar como primeira proposta concernente à atual lei de licitações o Projeto de Lei nº 1.491, apresentado pelo Deputado Luiz Roberto Pontes em 07 de agosto de 1991. Conforme nos relata Motta (2005, p. 20), durante a tramitação deste Projeto, outros subsídios importantes para a elaboração do texto final foram: o Projeto de Lei nº 47/92, apresentado em 24 de maio de 1992, pelo então Senador Fernando Henrique Cardoso; o Projeto de Lei Complementar encaminhado ao Congresso pelo Presidente da República por meio da Mensagem nº 715, de 05 de dezembro de 1991; a Subemenda Tidei de Lima, apresentada em 20 de maio de 1992; o Projeto de Lei nº 52/92, apresentado em 25 de junho de 1992; o Anteprojeto de Lei elaborado pelo Tribunal de Contas da União na Decisão nº 292/92, de 16 de junho de 1992; o Substitutivo apresentado pelo Senado, anexo ao parecer 17, de 1993, denominado “Projeto Pedro Simon”. O texto original do Projeto sofreu diversas alterações até sua forma final, o Projeto nº 1.491-F, de 1991, apresentado pelo Relator, Deputado Walter Nory, em 31 de maio de 1993, após votação dos destaques e depois das adaptações, alterações e análises. Submetido à sanção do Presidente da República, o Projeto nº 1.491-F transformou-se na Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993.